Antes
de começar, algumas considerações. O
lançamento de Bubblegum foi precedido de uma
boa dose de expectativa. Seria o primeiro álbum após
o bem-sucedido ingresso de Mark Lanegan no Queens of the Stone
Age, prometia participação da intocável
PJ Harvey e marcaria uma espécie de nova fase na carreria
solo do cantor, acentuado pelo fato dele passar a assinar
seus discos como Mark Lanegan Band.
E, fato, foi o álbum
de maior repercussão em sua carreira até então.
O disco atingiu uma nova gama de ouvintes a partir da base
de fãs do Queens, e mesmo parte do público que
naturalmente apreciaria seu trabalho solo pôde finalmente
conhecer Mark Lanegan, no embalo da mídia que uma banda
grande como o Queens recebe.
Ainda, outro fato, o disco
não decepciona de maneira nenhuma esse novo púbico
e mesmo fãs mais antigos, por trazer um punhado de
grandes canções. Sendo um disco de Lanegan,
é diferenciado e está num nível muito
acima da média de qualquer lançamento contemporâneo.
Não faltaram elogios e recomendações,
com muita gente tecendo comparações com Tom
Waits, o que certamente dignifica qualquer artista.
Mas, sendo um pouco mais cuidadoso,
não dá para negar que o disco levanta algumas
questões. A principal é que Lanegan adotou uma
abordagem fragmentada na hora de gravar o disco. Foram inúmeras
sessões de estúdio que se estenderam durante
muito tempo, como se feito em horas vagas, num esquema semelhante
ao projeto Desert Sessions. O entra-e-sai de inúmeros
músicos diferenes nunca foi um problema, mas a questão
é que o resultado é que o álbum acabou
se tornando uma espécie de colcha de retalhos, com
arranjos muito díspares, misturando músicas
com efeitos eletrônicos, outras totalmente acústicas,
voz e violão, algumas totalmente pesadas e roqueiras.
É uma repetição do que já havia
acontecido no EP Methamphetamine Blues, lançado
um ano antes. Mas no caso do EP foi algo totalmente compreensível
por se tratar das sobras de Bubblegum (num caso inédito
em que as sobras foram lançadas antes do álbum).
Por um lado, é notório
que a música de Mark Lanegan tem um espectro bem peculiar,
de temática, de clima, e isso traz alguma coesão
mesmo em Bubblegum, mas os trabalhos anteriores traziam
um senso de unidade que faz muita falta aqui. A experiência
de ouvir outros discos, desde Scraps At Midnight,
que nem é considerado seu melhor trabalho, até
o consagrado I'll Take Care of You ou Field Songs
conduz o ouvinte em uma jornada da primeira a última
faixa, enquanto Bubblegum traz inúmeros solavancos
no meio do caminho.
O mais intrigante é
que o próprio vocal de Lanegan oscila tremendamente
ao longo do disco. Em "One Hundred Ways", o vocal
é claro e limpo, enquanto que em "Head",
sua voz parece desgastada e, mais do que um exercício
de estilo, ele parece demonstrar dificuldades em alguns momentos.
Nesse ponto, as comparações com Tom Waits parecem
preocupantes em se tratando de um vocalista que pode ser considerando
entre os melhores da sua geração. Essa aparente
fragilidade põe em perspectiva alguns fatos que talvez
possam ser melhor analisados. A participação
de Lanegan no QotSA se limitava a duas ou três músicas
por show, e até hoje nunca houve uma verdadeira turnê
solo. O mesmo ocorreu depois na turnê do Twilight Singers
e surge a dúvida se isso é uma mera opção
ou uma preocupante restrição.
Partindo para as canções,
dá para dividir o álbum em dois grupos: as 'limpas',
de execução puxando mais para o acústico
e sem distorção, sem se distanciar de discos
anteriores; e as 'sujas', com peso, batidas secas, efeitos
eletrônicos, vocais processados, e uma levada rock 'do
mal' que se faz presente em vários momentos. Dentre
o primeiro grupo se destacam a já citada "One
Hundred Ways" e "Strange Religion", que tem
na introdução aqueles acordes circulares, típicos
de Field Songs e I'll Take Care of You sem
soar redundante, somando-se ao legado existente. "Morning
Glory Wine" talvez seja a melhor delas, inspiradíssima.
A que fecha o disco, "Out of Nowhere", é
outro ponto alto, com arranjo impecável de guitarras
e violões. Já "Bombed" é intimista
ao extremo, com um violão mínimo e vocais sussurrados,
de Lanegan com a colaboração de Wendy Rae Fowler,
sua ex-esposa. Um detalhe que torna a música mais interessante
é que Wendy sempre entra depois de Lanegan nos versos,
como num improviso de quem não conhece bem a música.
Parece criança que não sabe a letra e canta
só a última palavra em cada verso. Em outro
momento "Like Little Willie John", Lanegan se aproxima
do blues com sucesso, onde o vocal rasgadaço funciona
muito bem, chegando ao final da música em frangalhos,
mas com força.
Na metade 'suja' talvez a música
que melhor defina a linha seguida por Lanegan seja a já
conhecida "Methamphetamine Blues", com seus efeitos
eletrônicos, distorções massivas e vocais
processados. Esse novo estilo é apresentado logo de
cara na primeira faixa, "When Your Number Is Up",
com uma introdução num pianinho pra lá
de sinistro e vocal mais grave do que nunca. Lanegan nunca
foi tão rock em sua carreira solo como em "Strangeways
in Reverse", provável herança de sua passagem
no QotSA. "Death Valey Blues" empolga numa levada
contagiante e letra que fala em ‘cold turkey’.
Aliás, a temática de drogas está presente
em boa parte do disco, o que fica evidente em expressões
como ‘shake like I’m dying’ e em vários
outros momentos.
Continuando com as canções,
"Head" herdou a mesma batida de "Methamphetamine
Blues" na introdução, mas depois surge
um riff surpreendente que é a cara do velho Screaming
Trees. Já "Can't Come Down" é a mais
intrigante do disco, que efetivamente aponta para caminhos
novos e inexplorados, forte de percussão, com guitarras
presentes em momentos marcantes e uma linha vocal bem diferente
e incomum de Lanegan. Chama a atenção, e de
repente aponta para um caminho a ser seguido nos próximos
trabalhos. Ao contrário, "Wedding Dress"
mistura elementos dessa metade mais rock do disco, a batida
seca e um baixo no talo, mas trata-se de uma composição
bem típica de Lanegan, soa bastante familiar.
E PJ Harvey? Bem, ela aparece
em dois momentos bem distintos. "Hit The City" é
rock com cara de single, que de cara pode parecer simplista
demais, mas cujos versos grudam na cabeça do ouvinte
por muito tempo. Por outro lado, "Come To Me", repete
"Bombed", com Polly Jean e Mark Lanegan se complementando
em perfeita comunhão num clima bem intimista.
Como saldo, Bubblegum
fica um tanto indefinido, talvez mal-resolvido. Sendo positivo,
está muito mais como uma transição para
esta nova etapa na carreira de Mark Lanegan que ainda estaria
por amadurecer. Porque se o futuro seguir os passos de Bubblegum,
é possível que Lanegan acabe por perder o foco,
o que seria uma catástrofe em se tratando de um artista
de seu calibre.
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