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Se muitas
pessoas encaram um disco como uma fotografia do momento
de uma banda, essa definição não
poderia ser mais apropriada para Hail to the Thief.
Não se trata de um resgate do passado, assim
como não é um trabalho essencialmente
novo, um rompimento total ao que já existia.
O disco mostra elementos do que é o Radiohead
agora, hoje. |
Essa temporalidade está
presente desde o título do disco, que seria uma referência
à eleição fraudulenta de George Bush
(assim como a faixa "2+2=5", que remete a contagem
de votos na Florida), mostrando uma banda antenada com a realidade
atual. Talvez a referência política mais incisiva
esteja em "There There", cujo verso "Just because
you feel it doesn't mean it's there" já foi interpretado
como sendo endereçado a busca de armas químicas
no Iraque. A banda expressa suas posições políticas
em entrevistas, mas obviamente não admite publicamente
essas referências para não limitar as interpretações,
deixando cada ouvinte à vontade para tirar suas próprias
conclusões.
E mesmo que Hail to the Thief
não seja uma revolução no que o Radiohead
já vinha fazendo, o disco mantém a banda na
vanguarda do que é produzido em música na atualidade,
e deverá ser citado com freqüência entre
os melhores trabalhos do ano. E lógico, o disco tem
muita ousadia, com músicas e andamentos completamente
imprevisíveis e surpreendentes. É o caso de
"2+2=5", que começa meio na manha centrada
nos vocais de Yorke, mas depois surpreende numa paradinha
só de guitarras que explode num rock vigoroso e desconexo
naquela que é uma das melhores faixas do disco. Em
"Sit Down. Stand Up", "Backdrifts" e "The
Gloaming" a eletrônica está presente com
força, mas em Hail to the Thief a meldodia comanda,
principalmente em "Backdrifts", que é surpreendentemente
pop. Já "The Gloaming" é o Radiohead
pós-Kid A, com um arranjo eletrônico que desafia
a lógica em meio a muitos bits e bytes desconexos.
O belo clima de Ok Computer
ressurge principalmente na sensacional balada "Sail to
the Moon" e em "Scatterbrain". Nesta última,
a percussão é bem similar a da primeira parte
de "Paranoid Android", aumentando ainda mais essa
sensação. "Go To Sleep" é outra
faixa de arranjo bem convencional, de banda, com violões
ganhando destaque na introdução e o baixo em
primeiro plano, abrindo espaço para as guitarras em
seguida.
Mesmo as músicas mais
"difíceis" trazem apelos que prendem o ouvinte.
É o caso de "We Suck Young Blood", que mostra
uma performance das mais angustiantes de Yorke, e também
"Where You End and I Begin", que no finalzinho repete
a frase "I will eat you alive" que é daquelas
que prendem na cabeça por dias. Em "I Will"
a banda optou por um tom meio celestial, com o vocal de Yorke
carregado nos ecos e ressonâncias acompanhado apenas
por uma solitária guitarra.
O Radiohead ataca com o que
tem de melhor em "There There", fazendo da música
uma espécie de cartão de visitas do que a banda
é hoje. "A Punchup at a Wedding" mostra mais
uma melodia bem costurada, de arranjo certeiro, enquanto "Myxomatosis"
pode ser descrita como um momento rock, com distorções
em primeiro plano que dão uma sensação
de peso, acompanhado de bateria bem quebrada e percussiva.
"A Wolf at the Door" é a música que
fecha o disco lindamente com um vocal grave não usual
de Yorke, e um refrão arrepiante.
A partir de Hail to the Thief,
não é tarefa das mais fáceis imaginar
qual o rumo que o Radiohead irá seguir daqui para frente.
Se o disco anterior, Amnesiac, passado um tempo após
o seu lançamento, acabou ficando um tanto a sombra
do impactante Kid A, com Hail to the Thief fica claro que
a banda já não tem mais nada para provar a ninguém. |