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Review: Pod

avaliação:

Num especial da MTV, a banda The Breeders (que já foi majoritariamente feminina e hoje tem mulheres em só dois quintos de sua formação) foi chamada de "banda de um hit só". Um diagnóstico frio e duro, que caga na cabeça de boas canções que também geraram bons clipes, como "Divine hammer", "Safari" e "Hellbound", mas que é realista - quase todo ' mundo '
conhece a banda por intermédio de "Cannonball", curiosíssimo clipe que era exibido pela rede à exaustão entre 1993 e 1995. The last splash, que durante um bom tempo foi o único título da banda lançado aqui (numa edição quase secreta do selo Natasha) pode ser o disco mais bem sucedido dos (das) Breeders, mas Pod, verdadeira válvula de escape lançada pelo grupo em 1990 é páreo duro.

A história das Breeders remonta aos anos 80, quando Kim Deal ainda nem sonhava em tocar nos Pixies e dividia algumas canções com a irmãzinha gêmea Kelley Deal - as duas montaram uma dupla chamada The Breeders ("reprodutores", termo jocoso pelo qual os gays norte-americanos chamam os heterossexuais) e tentavam compor temas folk, sem sucesso. Passou o tempo: Kelley arrumou emprego, Kim entrou para os Pixies, a banda foi contratada pelo selo inglês 4AD, lançou o sucesso Doolittle e o grupo passou a excursionar, com Kim mandando bala num baixo burrão e forte. Só que, ainda que Kim contribuísse com algumas canções, como "Gigantic", os Pixies eram a banda de Black Francis (aka Frank Black). O gordoidão compunha tudo, fazia quase todos os vocais e ainda tomava decisões sem consultar os outros integrantes - como a de cancelar uma turnê norte-americana inteira e só avisar os companheiros em cima do laço. Kim trocou o baixo pela guitarra, chamou outra amiga que estava de saco cheio de sua banda de origem (Tanya Donelly, dos Throwing Muses, outro grupo de Boston contratado pela 4AD) e as duas convocaram dois membros de outras formações: Josephine Wiggs (baixo, vinda da band Perfect Disaster) e Brit Walford (bateria, vindo da banda Slint, e creditado no disco como Shannon Doughton). Sob o comando de Steve Albini (que talvez escaldado pelos problemas com os próprios Pixies em Surfer Rosa, preferiu ser creditado apenas como "engenheiro de som") o grupo acabou fazendo de seu humilde projetinho um dos melhores trabalhos de rock alternativo dos anos 90, quando a década ainda se iniciava.

O combustível de Pod é a doideira. Doideira da grossa, mesclada a muito peso e melodias entre o punk e o heavy. Kim e Tanya mandam bala em canções associáveis ao Velvet Underground, ao Who e aos próprios Pixies - só que com muito mais intensidade e experimentação. Em apenas três semanas de estúdio, o grupo aprontou um material perturbador, que se iniciava com o punk sabbathiano de "Glorious" (marcado pelas linhas de baixo de Josephine, mais "burras" ainda que as de Kim nos Pixies) e seguia com a crueza punk e experimental de "Doe", "Hellbound", "When I was a painter" (a cara de "The gift", do velvet Underground, trazendo ainda o violino de Carrie Bradley), etc. Referências a drogas pesadas - que levariam Kelley, irmã de Kim, para a cadeia e para uma clínica, posteriormente - não são difíceis de serem achadas no disco. Tem pra todos os gostos, desde a contra-capa com foto de papoula até os hinos à lesação "Doe" e "Glorious" - sem falar na regravação porrada de "Happiness is a warm gun", dos Beatles. Para quem não sabe, a letra do clássico do White album já foi interpretada milhares e milhares de vezes como sendo uma homenagem às drogas injetáveis (a tal "arma de fogo" do título seria nada mais nada menos que uma seringa cheia de heroína da boa) - e, pelo visto, Kim levou isso a sério, já que botou até o ruído de um isqueiro sendo aceso (esquentando uma colher?) no início da música. A toscaria continua na balada lesada "Oh!", dá um tempo na bonitinha "Fortunately gone", prossegue na metálica e psicodélica "Iris" e atinge o clímax na pesada e viajeira "Opened" e no hino do ménage a trois "Only in 3's". Um puta disco, melhor e mais conciso que Bossanova, disco dos Pixies da época - tanto que o superou em vendagens.

Apesar do bom começo, o futuro das Breeders não seria dos melhores. O selo Rough Trade, que deveria distribuir a banda nos EUA, faliu e pegou todo mundo de surpresa. Como nenhum membro era exclusivo da banda, ninguém esquentou lugar por muito tempo - à exceção óbvia de Kim, já cheia dos Pixies e prestes a ser dispensada por Frank Black. Em 1991 saía o EP Safari, com Kim, Jim McPherson (bateria) e Kelley Deal, que nunca tinha tocado guitarra na vida, empunhando o instrumento. Tanya Donelly não estava mais na banda, mas tocou baixo nas gravações. Após gravarem Last splash, com Kim, Kelley, Josephine Wiggs e Jim, as Breeders desfrutariam de uma popularidade que nem os Pixies tinham conseguido - só que problemas pessoais dos outros integrantes e a prisão de Kelley com heroína impediram uma volta. Kim chegou a gravar um CD com o projeto The Amps, mas só em 2002, com a volta dos Breeders no bom Title TK, a vocalista fez o disco que estava devendo, dessa vez ao lado da irmã e de músicos da banda punk Fear. Mas foi Pod que fez escola, antecipando tendências que ganhariam vulto com grupos como Smashing Pumpkins e Pavement.

Ricardo Schott
agosto/2003