Esta é a versão antiga da Dying Days. A nova versão está em http://dyingdays.net. Estamos gradualmente migrando o conteúdo deste site antigo para o novo. Até o término desse trabalho, a versão antiga da Dying Days continuará disponível aqui em http://v1.dyingdays.net.


arquivo
letras traduzidas
Home | Bandas | Letras | Reviews | MP3 | Fale Conosco
Review: Faces And Names

avaliação:

Manja aqueles avisos das embalagens dos CD's que avisam os potenciais compradores sobre o conteúdo, "parental advisory: explicit lyrics" ou "including the hit 'xxx'"? Pois para Faces and Names o aviso bem que deveria ser: "Cuidado, esse não é um disco de rock".

Quem acompanhou de perto a trajetória do vocalista do Soul Asylum, pôde perceber algumas pistas de que entre as preferências musicais de Dave Pirner havia muito de soul music, jazz, r&b e Motown. Mas ainda assim, para quem começou tocando hardcore e construiu uma carreira no rock independente dos anos 80 e no vagalhão do grunge nos anos 90, o conteúdo de Faces And Names não deixa de surpreender.

Não é inédito um personagem do rock alternativo dos anos 80/90 influenciado pelo soul, o exemplo mais notório é o Afghan Whigs de Greg Dulli. Mas enquanto Dulli agregava ao soul um lado agressivo e doentio em suas canções de amor malditas e canalhas, Dave Pirner optou por uma abordagem mais pura. Em seus melhores momentos, Faces and Names revela um músico seguro do que está fazendo e para onde está indo, longe do deslumbramento de quem escolhe experimentar um caminho novo e diferente. Mas por outro lado, é fácil colocar o trabalho solo de Dave Pirner ao lado de bandas revisionistas do soul dos anos 80 como, ahm, Style Council ou mesmo Simply Red. Vale lembrar que essas bandas dominavam as paradas da época e remetiam àquela imagem yuppie que representava o extremo oposto do que pregava rock independente de onde saiu o Soul Asylum. É uma enorme contradição talvez um pouco embaraçosa para Pirner e que causa engulhos para quem gosta do som que o Soul Asylum fazia naquela época.

É possível a expectativa de retorno comercial de Faces And Names fosse próxima a zero, mas ainda assim percebe-se um mínimo de esforço em nome do apelo mercadológico no disco. Isso porque a música escolhida como single foi "Never Recover", uma balada lamentosa do amor perdido que conta com guitarras mais cheias no refrão, o que poderia representar uma versão do Soul Asylum para as rádios "adult contemporary" americanas (pense numa Antena 1 da vida). A escolha não é a que melhor representa o disco, mas sim a que teria maior potencial para fazer a ponte para a outra identidade artística de Pirner. No site oficial, além de "Never Recover", são duas as músicas destacadas para amostra em Real Audio. Uma delas é "Teach Me To Breathe", outra semi-balada lamentosa e fraquinha mas cujo arranjo se aproxima da configuração 'banda de rock'. A outra é a faixa-título "Faces And Names", de arranjo semi-acústico com o vocal em primeiro plano, onde Pirner mostra sua faceta de contador de histórias non-sense que também é característica presente no Soul Asylum. E essas três músicas são justamente as três primeiras faixas, o que dá a falsa impressão de estar diante de um Soul Asylum light. Não é esse o caso, e a própria faixa-título começa a mostrar pela ênfase nas sutilezas do arranjo, com destaque para a percussão, a bateria conduzida suavemente pelas escovinhas. Na melodia, Pirner trava uma dura e divertida batalha com a métrica para encaixar a letra nos versos onde parece a todo momento que a letra vai sobrar e virar discurso.

Entre as músicas com o pé mais fincado no soul são muitos os altos e baixos. "Someday Love" está entre a melhor delas. Com vocal sussurrado que culmina no refrão de uma frase, 'someday love will catch up to you', dividido com o doce e irresistível vocal de uma cantora chamada Sophia Jones. Mas talvez o melhor de "Someday Love" esteja no instrumental, desde os metais, as sutilezas do teclado, uma linha de baixo alucinante (que poderia estar num hit da Beyoncé) e a bateria que simula uma batida eletrônica com a vantagem de ser orgânica e viva. Outro grande acerto é "Levitation", com seu groove quebrado com muito espaço para os instrumentos brilharem em meio a melodia de levantar defunto. E o destaque maior do arranjo está num solo de guitarra ao estilo Roger McGuinn, que simula um trumpete. Mas para contrabalançar "Someday Love" e "Levitation" temos "364", que remete ao pior do soul de branco canastrão, com refrão enfadonho que nem o backing vocal da cantora aquela salvou. A preguiçosa "Feel The Need" também fica no meio do caminho, com boas guitarras mas uma melodia fraquinha. "Tea" até entusiasma, mas Pirner exagera na pretensão vocal cantando num falsete afrescalhado. Coube a "Start Treating People Right" a tarefa de encerrar o disco, e o faz de forma modorrenta, é uma balada arrastada e entediante.

As surpresas ficam por conta de "I'll Have My Day" e "Much Too Easy". Na primeira, um riff prá lá de manjado e um começo meio claudicante deixam a expectativa de que não vai sair nada dali. Mas surge um inesperado refrão ensolarado ao estilo Crosby, Stills & Nash ou o Byrds dos últimos discos. É para cantar junto, e assim faz Pirner no disco com várias vozes de backing vocal. Estranhamente estaria mais para o lado alt country do que para o soul, mas encaixou bem no disco como uma grata surpresa. Já em "Much Too Easy" Pirner resolve voltar a fazer uso das guitarras distorcidas que funcionam bem com a bateria suingada e os veeeeeerssoos estiiiicaaaaaadooos da melodia.

O saldo de Face And Names, embora possa ser o início de uma carreira solo, é incerto. Talvez nem Dave Pirner saiba quando (ou se é que) vai haver um segundo álbum solo. O disco não deixa de ser uma armadilha suicida, uma espécie de causa perdida. Não apetece aos fãs que ainda restam do Soul Asylum por causa do mergulho na black music, bem como passa despercebido pelos apreciadores do soul pois afinal de contas "quem esse roqueiro pensa que é?" O que fica de verdade nisso tudo é que Dave Pirner teve a integridade e coragem suficiente para fazer um disco que reflete a sinceridade de alguém fazendo o som que está a fim.

Alexandre Luzardo
abril/2004