Bem, quer dizer, na verdade
já havia saído antes um CD ao vivo (voz e
violão) chamado "Live at the Brattle Theatre",
de 2001, mas esse só foi lançado na Austrália,
então não vale.
Portanto, trata-se de um disco de estréia, mas é
o mesmo Evan Dando de sempre, com suas composições
simples e acessíveis, às vezes até
singelas. Nos últimos anos, Evan passou por um período
bastante turbulento, enfrentando uma dependência em
drogas que foi bastante noticiada em manchetes escandalizantes
na mídia. De certa forma, "Baby I'm Bored"
reflete esse período nas letras, algumas bem amargas,
mesmo que não tratem do assunto diretamente. Mesmo
assim, estamos falando de um disco do Evan Dando e não
do Morrisey, portanto "Baby I'm Bored" é
um disco leve, por vezes até bem humorado. As drogas
pesadas felizmente não seqüelaram a voz de Evan,
que mantém o mesmo jeito carismático de cantar,
usando o seu [limitado] alcance vocal com suavidade e sabedoria.
O disco é bastante homogêneo,
oscilando pouco entre baladas no violão, algumas
músicas de acento mais country e um ou outro rock
mais rápido, mas a maioria das músicas ficam
em num meio-termo inrotulável. Com o atual sucesso
de nomes como Wilco e Ryan Adams, seria fácil julgar
oportunismo Evan Dando tentar se reafirmar apostando no
alt-country. Mas não dá para esquecer que
o cara já havia gravado cover de Gram Parsons em
1990 (Brass Buttons, no disco Lovey), e quem ouviu os últimos
discos do Lemonheads podia perceber a influência country
como um caminho natural para Evan. E essa influência
está presente desde a primeira faixa, "Repeat",
com um arranjo irrepreensível misturando o acústico
e o elétrico num andamento bastante tranqüilo
e agradável. É a mesma trilha seguida em "My
Idea", onde o ponto alto é o inspirado solo
de guitarra que poderia muito bem estar presente num disco
do Dinosaur Jr.
Definitivamente os arranjos são o
grande destaque no disco, o disco soa muitíssimo
bem produzido. Méritos para os produtores Bryce Goggin
(que já havia trabalhado com o Lemonheads no disco
"Car Button Cloth"), e Jon Brion (que também
foi parceiro em algumas composições), mas
principalmente os músicos de apoio, integrantes do
Calexico e Spacehog. Em "Rancho Santa Fe" o solo
de guitarra com um teclado ao fundo roubam a cena e formam
o momento mais arrepiante de todo o disco.
"Waking Up" é das mais estranhas, com percussão
acompanhada por palmas, pianinho irritante e um intrigante
backing vocals arranhado a la Marianne Faithfull. "Hard
Drive" é uma canção mais típica
de Evan Dando, lembra a mesma construção de
"Being Around" do Lemonheads, embora tenha uma
levada bem diferente, melancólica. A música
se concentra principalmente no vocal, acompanhado apenas
de um violão e percussão simples. O curioso
é que não foi composta por Evan, mas sim pelo
cantor australiano Ben Lee, fã declarado, que inclusive
já havia escrito uma música de título
bastante embaraçoso (I Wish I Was Him) em homenagem
ao ex-líder do Lemonheads. "Shots Is Fired"
é mais uma em voz e violão (com um pianinho
ocasional), bastante depressiva mas não chega a fazer
grande impacto. O vocal é dobrado, como se fosse
para dar mais força a uma canção mais
fraca, arrastada.
"It Looks Like You" é mais
animada e rock, com uns versos notadamente country e refrão
inspirado e descontraído. Lá pelas tantas
chega a lembrar bandas como o Golden Smog, com backing vocal
displicente e melodia alegre e colorida. "The Same
Thing" é o momento mais rock do disco, com guitarras
que revisitam o som do Lemonheads. Na metade da música
surgem distorções que fazem lembrar o melhor
dos anos 90 sem necessariamente soar datado. Uma pena o
refrão ser fraquinho, não chegando a altura
de mais um belo arranjo presente no disco. A singela "Why
Do You Do To Yourself" retoma o clima intimista de
voz e violão. Evan meio que exagera na "meiguice"
e até pode soar meio canastrão, mas dependendo
do humor do ouvinte, dá para se deixar levar e até
sentir ganas de cantar junto. "All My Life" é
a música mais 'marca registrada' de Evan Dando no
disco e -de novo- foi composta por Ben Lee. É uma
bela balada, mas existe algo de previsível na melodia,
não chegando a entusiasmar. "Stop My Head",
de pegada mais roqueira, é uma das melhores melodias
do disco, Evan mostrando inspiração na composição.
Só que, pela primeira vez no disco o arranjo atrapalha,
com uma frase de teclado repetindo exaustivamente tirando
um pouco o brilho da música, principalmente no final.
Para fechar o disco, "In The Grass All Coloured",
onde a letra da música consiste na frase "i'm
in the all wine coloured, wine coloured grass" repetida
infinitas vezes. Parece uma espécie de hipnose, é
daquelas músicas que fica na cabeça semanas
depois e é capaz de pegar o ouvinte repetindo a frase
da música sem motivo aparente. Tome cuidado!
Como um todo, "Baby I'm Bored não
é exatamente uma volta triunfal. O disco tem belos
momentos, mas no geral revela dificuldades nas composições.
Pouquíssimas faixas cabem ao lado do melhor do Lemonheads
e algumas delas por pouco escapam da mediocridade (em geral
salvas pelos belos e simples arranjos). Mas ainda assim,
trata-se de um trabalho digno e que pode ser um bom ponto
de partida para Evan Dando estabelecer sua carreira solo.
Que venha o próximo.
Um último registro digno de
nota se refere à bela capa do disco, que lembra muito
as capas dos álbuns independentes do final da década
de 80. A maioria das capas da Sub Pop usava uma diagramação
similar, e o próprio Lemonheads usou essa mesma diagramação
no seu primeiro disco "Hate Your Friends". Só
para constar, quem aparece na foto é da atual esposa
de Evan Dando. É, o cara se deu bem.