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Review: Baby I'm Bored

avaliação:

Logo após o fim do Lemonheads em 96, Evan Dando ficou um bom tempo excursionando já como artista solo, apresentando no esquema voz e violão o repertório de sua antiga banda e algumas canções inéditas. No entanto, somente agora, 7 anos depois do último lançamento do Lemonheads, está saindo no mercado o primeiro álbum solo de Evan, "Baby I'm Bored".

Bem, quer dizer, na verdade já havia saído antes um CD ao vivo (voz e violão) chamado "Live at the Brattle Theatre", de 2001, mas esse só foi lançado na Austrália, então não vale.

Portanto, trata-se de um disco de estréia, mas é o mesmo Evan Dando de sempre, com suas composições simples e acessíveis, às vezes até singelas. Nos últimos anos, Evan passou por um período bastante turbulento, enfrentando uma dependência em drogas que foi bastante noticiada em manchetes escandalizantes na mídia. De certa forma, "Baby I'm Bored" reflete esse período nas letras, algumas bem amargas, mesmo que não tratem do assunto diretamente. Mesmo assim, estamos falando de um disco do Evan Dando e não do Morrisey, portanto "Baby I'm Bored" é um disco leve, por vezes até bem humorado. As drogas pesadas felizmente não seqüelaram a voz de Evan, que mantém o mesmo jeito carismático de cantar, usando o seu [limitado] alcance vocal com suavidade e sabedoria.

O disco é bastante homogêneo, oscilando pouco entre baladas no violão, algumas músicas de acento mais country e um ou outro rock mais rápido, mas a maioria das músicas ficam em num meio-termo inrotulável. Com o atual sucesso de nomes como Wilco e Ryan Adams, seria fácil julgar oportunismo Evan Dando tentar se reafirmar apostando no alt-country. Mas não dá para esquecer que o cara já havia gravado cover de Gram Parsons em 1990 (Brass Buttons, no disco Lovey), e quem ouviu os últimos discos do Lemonheads podia perceber a influência country como um caminho natural para Evan. E essa influência está presente desde a primeira faixa, "Repeat", com um arranjo irrepreensível misturando o acústico e o elétrico num andamento bastante tranqüilo e agradável. É a mesma trilha seguida em "My Idea", onde o ponto alto é o inspirado solo de guitarra que poderia muito bem estar presente num disco do Dinosaur Jr.

Definitivamente os arranjos são o grande destaque no disco, o disco soa muitíssimo bem produzido. Méritos para os produtores Bryce Goggin (que já havia trabalhado com o Lemonheads no disco "Car Button Cloth"), e Jon Brion (que também foi parceiro em algumas composições), mas principalmente os músicos de apoio, integrantes do Calexico e Spacehog. Em "Rancho Santa Fe" o solo de guitarra com um teclado ao fundo roubam a cena e formam o momento mais arrepiante de todo o disco.

"Waking Up" é das mais estranhas, com percussão acompanhada por palmas, pianinho irritante e um intrigante backing vocals arranhado a la Marianne Faithfull. "Hard Drive" é uma canção mais típica de Evan Dando, lembra a mesma construção de "Being Around" do Lemonheads, embora tenha uma levada bem diferente, melancólica. A música se concentra principalmente no vocal, acompanhado apenas de um violão e percussão simples. O curioso é que não foi composta por Evan, mas sim pelo cantor australiano Ben Lee, fã declarado, que inclusive já havia escrito uma música de título bastante embaraçoso (I Wish I Was Him) em homenagem ao ex-líder do Lemonheads. "Shots Is Fired" é mais uma em voz e violão (com um pianinho ocasional), bastante depressiva mas não chega a fazer grande impacto. O vocal é dobrado, como se fosse para dar mais força a uma canção mais fraca, arrastada.

"It Looks Like You" é mais animada e rock, com uns versos notadamente country e refrão inspirado e descontraído. Lá pelas tantas chega a lembrar bandas como o Golden Smog, com backing vocal displicente e melodia alegre e colorida. "The Same Thing" é o momento mais rock do disco, com guitarras que revisitam o som do Lemonheads. Na metade da música surgem distorções que fazem lembrar o melhor dos anos 90 sem necessariamente soar datado. Uma pena o refrão ser fraquinho, não chegando a altura de mais um belo arranjo presente no disco. A singela "Why Do You Do To Yourself" retoma o clima intimista de voz e violão. Evan meio que exagera na "meiguice" e até pode soar meio canastrão, mas dependendo do humor do ouvinte, dá para se deixar levar e até sentir ganas de cantar junto. "All My Life" é a música mais 'marca registrada' de Evan Dando no disco e -de novo- foi composta por Ben Lee. É uma bela balada, mas existe algo de previsível na melodia, não chegando a entusiasmar. "Stop My Head", de pegada mais roqueira, é uma das melhores melodias do disco, Evan mostrando inspiração na composição. Só que, pela primeira vez no disco o arranjo atrapalha, com uma frase de teclado repetindo exaustivamente tirando um pouco o brilho da música, principalmente no final. Para fechar o disco, "In The Grass All Coloured", onde a letra da música consiste na frase "i'm in the all wine coloured, wine coloured grass" repetida infinitas vezes. Parece uma espécie de hipnose, é daquelas músicas que fica na cabeça semanas depois e é capaz de pegar o ouvinte repetindo a frase da música sem motivo aparente. Tome cuidado!

Como um todo, "Baby I'm Bored não é exatamente uma volta triunfal. O disco tem belos momentos, mas no geral revela dificuldades nas composições. Pouquíssimas faixas cabem ao lado do melhor do Lemonheads e algumas delas por pouco escapam da mediocridade (em geral salvas pelos belos e simples arranjos). Mas ainda assim, trata-se de um trabalho digno e que pode ser um bom ponto de partida para Evan Dando estabelecer sua carreira solo. Que venha o próximo.

Um último registro digno de nota se refere à bela capa do disco, que lembra muito as capas dos álbuns independentes do final da década de 80. A maioria das capas da Sub Pop usava uma diagramação similar, e o próprio Lemonheads usou essa mesma diagramação no seu primeiro disco "Hate Your Friends". Só para constar, quem aparece na foto é da atual esposa de Evan Dando. É, o cara se deu bem.

Alexandre Luzardo
agosto/2003