Os entendidos e formadores de opinião não costumam
considerar o Everclear, relegando a banda a uma espécie
de segunda divisão, onde são muito pouco notados
e quando o são, não raro levam pesadas críticas.
Por que isso acontece? Bem, a melhor maneira
de compreender isso é notar no Everclear características
que NÃO costumam gerar reconhecimento. E o álbum
So Much for the Afterglow talvez seja o melhor exemplo:
o disco passa longe de qualquer inovação artística
ou sonora. Tanto nas composições que privilegiam
melodias convencionais e assobiáveis quanto nos arranjos
de FM, com toneladas de overdubs e todos os recursos de
estúdio possíveis que fazem do som da banda
o mais facilmente assimilável possível para
qualquer tipo de público. Logo na primeira faixa,
parece piada olhar a capa do disco e perceber que a banda
é apenas um trio. Em resumo, o som do Everclear é
C-O-M-E-R-C-I-A-L. Que fique claro, ninguém pega
um disco do Everclear pensando em ouvir a música
do futuro. O som é absolutamente contemporâneo
e que provavelmente vai soar completamente datado daqui
a mais dez anos. Os caras definitivamente não inventaram
a roda e não se prestam a isso.
No entanto, antes de concordar com o Anal
Cunt, cabe argumentar que a principal saída para
uma banda com essa proposta seja a seguinte combinação:
boas canções e carisma. E é aí
que o Everclear desponta. Fica evidente que Art Alexakis,
vocalista e compositor da banda, é um cara de talento,
que além de compor boas melodias, pensa cada detalhe
de forma a colocar sua voz de um jeito que cada verso se
torne memorável. É verdade que nem sempre
consegue, e as vezes exagera, mas é impossível
imaginar as músicas de outro jeito. A banda invariavelmente
consegue tirar máximo possível de suas canções,
são todas bem desenvolvidas e acabadas, definitivas.
E aí está um grande mérito. So Much
for the Afterglow é quase um fenômeno em hits.
Nem todas as músicas tocaram em rádio ou foram
sucessos, mas o efeito é o mesmo. A seqüência
fortíssima de "Everything to Everyone",
"Normal Like You", "I Will Buy You a New
Life" e "Father of Mine" convence nesse sentido.
"Prozac doesn't do it for me anymore"
diz a letra de "Normal Like You" e chega a ser
irônico, pois parece que Alexakis sabe do que está
falando quando cita o famoso antidepressivo. Mesmo as músicas
de temáticas mais pesadas como "Father of Mine"
são vibrantes e alegres, levadas por uma bateria
pulsante e festiva. Chega a ser um engraçado ouvir
o cara cantando sobre o pai que o abandonou, "daddy
gave me a name / then he walked away" como se fosse
uma ode às mais ensolaradas praias californianas.
"I Will Buy You a New Life" também tem
isso. A música é uma bem-humorada resposta
do cara duro que perdeu a namorada para o riquinho da vez.
Mas lá pelas tantas, depois de prometer comprar mundos
e fundos para a amada no refrão, Alexakis larga um
"yes I will" que é quase um suspiro, de
puro ressentimento escondido. Realmente o cara interpreta
a fundo as canções, personificando o que canta.
A seqüência mágica só
é quebrada em "One Hit Wonder", que não
é ruim, é correta, tem tudo no lugar mas falta
'sustança' para que seja efetivamente impactante
como as outras. Também é o caso do outras
faixas do disco, como "White Men in Black Suits",
onde faz falta um refrão mais forte.
"El Distorto de Melodica" é
um instrumental que, se não se justifica, ao menos
permite aos integrantes da banda brincarem com seus instrumentos
com uma liberdade que não aparece no restante do
disco, onde a melodia está sempre em primeiro plano.
Nas músicas mais rápidas e
pesadas, se sobressai nas guitarras não o riff, mas
uma seqüência de acordes oscilantes nitidamente
descendente do hardcore. Isso está presente na faixa-título
como também em "Amphetamine".
"Sunflower" e "Why I Don't
Believe in God" também são duas músicas
bastante parecidas na construção, com riffs
curtos e 'circulares', sendo que na segunda há a
presença de um banjo que dá um colorido a
mais e encerra o disco num ponto alto.
Ainda existe uma faixa-bônus de temática
natalina completamente dispensável, "Hating
You for Christmas", assim como é dispensável
o início do disco com vocais trabalhados em coro,
numa clara referência aos Beach Boys que efetivamente
não cabe aqui.
"So Much for the Afterglow"
é o terceiro disco da banda, lançado no já
longínquo 97, e há quem prefira o anterior
e mais roqueiro "Sparkle And Fade" (eu, inclusive).
Mas não há dúvidas de que foi em So
Much... que o Everclear efetivamente forjou a sua identidade,
encontrando base para todo o seu trabalho posterior, e,
possivelmente, é o disco que melhor representa a
banda.