A Califórnia
é um dos grandes centros do rock americano e mundial.
As grandes cidades de lá, como San Francisco, Los Angeles
e San Diego, nos deram bandas que vão dos ídolos
dos anos 60 Beach Boys aos ícones alternativos do Jane's
Addiction, passando por vários estilos e vertentes
da música pop. Mas longe das ensolaradas praias existe
uma Califórnia distante dos cartões postais,
como os grandes desertos e a zona rural. E é dessa
Califórnia esquecida que vem o Grandaddy, mais precisamente
da modesta cidade de Modesto, uma pequena cidade agricola
há uns 100 km de San Francisco.
Viver em uma pacata cidade
rural próxima das capitais da cultura globalizada de
hoje é uma influência que não pode ser
descartada ao explicar o som do Grandaddy. As letras , principalmente
de The Sophtwere Slump, explicitam esse conflito entre a vida
do campo e a vida moderna, misturando as bucólicas
paisagens de Modesto com toda a neurose da vida de San Francisco
e Los Angeles. A parte musical é um capítulo
a parte: escapam de qualquer rótulo, apesar de serem
constantemente chamados de "lo-fi" ou "alternative
country". A verdade é que a banda bebe de muitas
fontes, juntando a caipirice do Whiskeytown com os experimentalismos
do Flaming Lips, sem descartar a insanidade garageira de Pixies
e Mudhoney em muitas faixas. Isso fica bem claro ao ouvir
os discos da banda, onde o Grandaddy passeia por estilos variados
sem nunca deixar de imprimir sua marca.
Jason Lytle, principal compositor
e vocalista da banda, era um skatista profissional antes de
formar a banda. Em 1992, largou o esporte e decidiu dedicar-se
à música. Chamou dois amigos seus, Kevin Garcia
e Aaron Burtch, e formou o Grandaddy. Durante seus primeiros
anos, a banda passou um bom tempo em estúdio gravando
e aprimorando suas primeiras composições e fazendo
alguns shows em pequenos bares da pequena cidade de Modesto.
Jim Fairchild e Tim Dryden já eram amigos dos outros
membros da banda, e até apareciam de vez em quando
nos ensaios e gravações da banda.
Apenas em 1994 a banda lança
seu primeiro registro, chamado Complex Party Come-Along Theories.
Gravado nas casas de Kevin e Jason e produzido e lançado
pela banda, apresenta 13 músicas escritas durante esses
2 anos. Vendeu algo em torno de 200 cópias, e não
saiu das fronteiras de Modesto. Por ser gravado de forma caseira
e rústica, com apenas uma guitarra, um baixo, um violão
e uma bateria, apresenta uma sonoridade mais lo-fi, lembrando
em muitos momentos bandas como o Guided By Voices. Apesar
disso, a mistura de folk, psicodelia e vários outros
elementos que posteriormente se tornaria a característica
principal da banda está presente nesse disco, e é
visível em faixas como Taster e Kim You Bore Me To
Death. 2 singles são retirados desse álbum,
sendo os primeiros lançamentos da banda por algum selo.
São eles Could This Be Love, que segundo Lytle é
sua única música sobre seu passado como skatista,
e Taster/Nebraska.
Em 1995, os amigos da banda
Jim Fairchild e Tim Dreyden se tornam membros oficiais da
banda, depois de muitas participações em ensaios.
Juntos com o resto da banda, gravam algumas canções
que, junto com algumas já lançadas em seu disco
anterior, formam o EP A Preety Mess By This One Band, que
é lançado em abril de 96. É gravado também
o disco Don't Sock The Tryer, mas este nunca chegou a ser
lançado, apesar de algumas de suas faixas terem sido
incluídas em lançamentos posteriores da banda.
Um show minúsculo? Um ensaio na garagem? Um
ensaio fotográfico de moda pós-grunge?
Após 5 anos reclusos
em Modesto, o Grandaddy finalmente consegue um contrato com
uma gravadora, a Will Records. Em 97, gravam no mesmo esquema
caseiro de sempre o disco Under The Western Freeway, produzido
por Jason Lytle e lançado pela Will Records em outubro
do mesmo ano. A evolução do grupo é notável;
os arranjos estavam mais detalhados, os teclados passaram
a ter uma importância fundamental nos arranjos, excelentes
melodias foram criadas e a sonoridade deixou de ser suja e
amadora, ganhando contornos bem trabalhados. Um excelente
disco, sem sombras de dúvida.
O disco acabou, de certa forma,
lançando a banda no meio alternativo mundial. O CD
é lançado primeiro na Europa, e a banda passa
o ano de 98 excursionando pelo velho continente, chegando
a tocar ao lado dos badalados Super Furry Animals. Um EP é
lançado apenas no Reino Unido, chamado Machines Are
Not She, que apresenta faixas gravadas durante as seções
de Under The Western Freeway e Don't Sock The Tryer. Após
um certo tempo, o disco é lançado nos Estados
Unidos também.
Apesar de tudo isso, a banda
permanecia em um certo anonimato. As vendas não estavam
sendo muito boas nem na Europa nem em sua terra natal, e a
falta de um bom single parecia ser a resposta. Everything
Beautiful Is Far Away e Laughing Stock, os dois primeiros
singles de Under The Western Freeway, são excelentes
músicas, mas não têm o fator pop que uma
música de trabalho precisa, e por isso não chamaram
muita atenção nem do público nem da crítica.
A solução parecia ser o lançamento de
um terceiro single, com uma faixa com maiores possibilidades
de atingir a crítica e o público. Esse single
era Summer Here Kids, quarta faixa da estréia "oficial"
do Grandaddy.
Logo de cara, Summer Here Kids
é nomeado Single Of The Week, pela NME. Com essa exposição,
a banda consegue aumentar seu público, a crítica
demonstra interesse e, como conseqüência, as vendas
sobem. Estava criado um hype sobre o Grandaddy, pela primeira
vez eles recebiam a devida atenção da mídia
e do público. No mesmo ano, é lançado,
ainda, mais um single, AM 180.
Com esse sucesso, a banda resolveu
passar um maior tempo na estrada, o que acabou deixando a
banda exausta e desunida. Ao terminar a turnê, os membros
decidem tirar férias antes de começar a mexer
com o novo material. Segundo Lytle, "não gostaríamos
que nosso próximo disco soasse como um disco de alguém
de saco cheio das turnês". Outra coisa que aborrecia
os Grandaddys era o rótulo que lhes era imposto: lo-fi,
sem mais definições. Fairchild, em uma entrevista
recente, disse que a banda está "cheia desse rótulo",
mas afirma também que tanto ele quanto Lytle e o resto
da banda não querem ter seus discos produzidos por
terceiros.
Depois de um merecido descanso,
a banda volta a Modesto para produzir seu segundo disco comercial,
The Sophtware Slump. Dessa vez a banda decidiu partir para
um trabalho mais elaborado, usando novos timbres, arranjos
mais densos e complexos e, pela primeira vez, um conceito.
O disco é baseado nos conflitos do homem após
todos os avanços da tecnologia, principalmente no fato
de que o homem perdeu todas as suas relações
afetivas, passando a ser um ser solitário, infeliz
e rodeado por máquinas que apenas pioram toda essa
sensação de isolamento. É criado até
um personagem, Jed, o Humanóide, um robô alcoólatra
que decide se matar após ser rejeitado por seus criadores.
Segundo Lytle, "Jed nos ajudou e muito a trabalhar nesse
disco, as coisas ficaram muito mais fáceis quando ele
tomou seu lugar em nossos corações".
Pausa para uma cerveja em Modesto
Durante esse período
foi lançada uma coletânea com músicas
dos EPs Machines Are Not She e A Preety Mess By This One Band,
e de Complex Party Come-Along Theories, chamada The Broken
Down Comforter Collection. Foi lançado também
o EP Signal To Snow Radio, com músicas que foram gravadas
antes de um certo ponto das sessões de Sophtware Slump,
mas que não seriam incluídas no disco principal
por fugirem de seu conceito.
Em maio de 2000 é lançado
The Sophtware Slump na Europa, e em junho no resto do mundo,
incluindo o Brasil. Um disco que beira a perfeição,
usando o interessante conceito dos dilemas do homem moderno
de forma original, muitas vezes até inusitada, como
na já citada história de Jed, contada sob dois
pontos de vistas em Jed The Humanoid e Jed's Other Poem (Beautiful
Ground). Jason Lytle e o guitarrista/engenheiro de som Jim
Fairchild evoluíram muito em suas técnicas de
produção, alcançando belíssimos
timbres e fazendo belos arranjos misturando a sonoridade futurista/retrô
dos teclados com violões, guitarras e, principalmente,
as excelentes e melancólicas melodias de Lytle. Apesar
de sua tristeza e de seu desconforto em relação
ao mundo, as letras transpiram esperança no homem e
nos sonhos, o que é visível em diversas passagens
do disco.
The Sophtware Slump acaba sendo
um sucesso. Puxado pelo excelente single The Crystal Lake,
a banda atinge as paradas pela primeira vez e consegue uma
excelente vendagem. A banda acaba sendo destaque de diversas
publicações, e o disco aparece em praticamente
todas as publicações na lista de melhores do
ano de 2000, junto com clássicos do calibre de Kid
A, do Radiohead. Outros dois singles são retirados
do álbum: a pérola pop Hewlett's Daughter e
a inusitada He's Dumb, He's Simple, He's The Pilot, um épico
de quase 9 minutos, um tamanho absurdo para uma música
de trabalho. A banda passa o resto do ano e também
o ano seguinte na estrada, dividindo o palco com artistas
como Elliot Smith. Em outubro, a banda faz um disco especial
para essa turnê, chamado The Windfall Varietal, incluindo
diversos lados-B, faixas de trabalhos anteriores e uma versão
ao vivo da excelente Wretched Songs, música de The
Broken Down Comforter Collection. Em 2001, a banda vem ao
Brasil, e divide o palco com Belle & Sebastian e Sigur
Rós em uma das noites do Free Jazz.
Em 2001, a banda lança
algumas faixas nos projetos It's A Cool Cool Christmas, disco
beneficente que remete seus lucros a sem-tetos, e Colonel
Jeffrey Pumpernickel, estranho disco conceitual com a participação
de Stephen Malkmus e Guided By Voices, entre outros. Outro
lançamento bem divulgado foi Revolution, cover dos
Beatles lançada na trilha sonora do filme I Am Sam.
Essa música tem uma história curiosa: a banda
decidiu gravá-la para um comercial francês, mas
ela acabou não sendo selecionada. Por acaso, a V2,
gravadora da banda e da trilha sonora, achou essa música
e decidiu colocá-la no disco, junto com versões
de Nick Cave, Eddie Vedder e muitos outros para várias
canções do quarteto de Liverpool. É lançado
também o EP Through a Frosty Plate Glass, com alguns
lados-B da banda.
Em 2002, o Grandaddy volta
ao estúdio para trabalhar em seu terceiro álbum,
Sumday. Com esse disco, a banda queria se desvincular definitivamente
do rótulo de lo-fi, mas sem abdicar da produção.
Após meses quebrando a cabeça para achar novos
timbres, montando os arranjos e trabalhando em cima das melodias,
a banda descobre que tem música suficiente para preencher
um álbum duplo. Esse rumor é espalhado pela
imprensa, mas eles voltam atrás e decidem fechar em
doze faixas.
E três anos após
o lançamento de The Sophtware Slump, em junho de 2003
é lançado o fruto desse período em estúdio,
Sumday. É um disco simplesmente maravilhoso, com uma
banda mais madura apresentando grandes canções
com arranjos brilhantes, melodias notáveis e uma forte
influência de tudo o que eles haviam feito até
então. Sem dúvida, um dos melhores discos do
ano. Apesar de não ter o mesmo hype do lançamento
anterior, tanto Sumday quanto Now It's On, o primeiro single,
recebem boas críticas e vendem bem. O segundo single,
lançado em agosto, é a alegre El Caminos In
The West.
Novo disco
do Grandaddy, somente em 2006, e vêm acompanhado de
uma má notícia: a banda resolve encerrar suas
atividades. O disco, "Just Like the Flamby Cat",
é lançado em maio e é bem recebido por
público e crítica. A notícia do fim é
revelada no começo do ano, sem uma justificativa muito
clara. Como consolo, a certeza dada por Jason Lytle de que
ele continuará fazendo música.
Francisco
Mares de Souza
julho/2003
Atualizada em agosto/2006 por Fabricio Boppré.
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