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O Lemonheads
já estava na descendente quando lançou
seu 7º álbum, "Car Button Cloth".
A banda que tinha sido uma febre no rock alternativo
em 1992, quando lançou o excelente "It's
A Shame About Ray", passou alguns anos conturbados
depois do irregular "Come On Feel The Lemonheads",
de 1993. |
O vocalista Evan Dando
deu todos os vexames possíveis, basicamente em decorrência
de um envolvimento grave com drogas, e praticamente fechou
as portas da aceitação do público para
sua banda. Chegou a um ponto onde nem mesmo a crítica
via muita relevância no trabalho do Lemonheads. "Car
Button Cloth" foi um disco virtualmente ignorado, passou
longe da Billboard, sequer entrando no top 200 na semana de
seu lançamento (Jesus, estamos falando de uma banda
com dois discos de ouro na bagagem, e vendas no mundo todo
na casa do milhão). Na imprensa, as poucas linhas que
tratavam de "Car Button Cloth" mais davam conta
dos problemas pessoais de Evan Dando do que propriamente do
conteúdo do disco.
É injusto porque mesmo
não estando a altura do melhor disco do Lemonheads,
os bons momentos de "Car Button Cloth" certamente
estão, mostrando que a banda não perdeu o talento,
embora, ao que parece, tenha perdido público e reconhecimento
da crítica.
A renovada formação
do Lemonheads manteve Evan Dando no vocal e guitarra e trouxe
Murphy, ilustre ex-baterista do Dinosaur Jr., além
do baixista Bill Gibson. O som é mais vigoroso que
no disco anterior, contar com Murphy realmente faz diferença
na bateria. Apenas a ausência de Juliana Hatfield e
seu backing vocal meigo e harmonioso pesa negativamente em
"Car Button Cloth".
O disco abre com "It's
All True", um pop competente bem típico do Lemonheads.
Não há nem sinal dos violões que marcaram
presença em "It's A Shame About Ray", embora
a mudança pareça muito mais de estética
do que no tipo de composição. Se fosse trocado
pela guitarra ou simplesmente adicionado um violão,
não se notariam grandes mudanças na intensidade
e na dinâmica da música, ou seja, a essência
das composições do Lemonheads permanece a mesma.
No entanto, a diferença fundamental de "It's All
True" e do restante do disco para os trabalhos anteriores
da banda é um clima de espontaneidade, como se os arranjos
definitivos surgissem a partir de jams, e não em horas
e horas de estúdio. O resultado é um Lemonheads
mais solto que antes, sem se importar com eventuais distorções
ou se a sonoridade daquela guitarra mais parece uma demo.
Na segunda faixa, "If
I Could Talk I'd Tell You", o Lemonheads explora ao extremo
o seu potencial pop. Composta por Evan Dando em parceria com
o escocês Eugene Kelly (ex-Vaselines, ex-Eugenius),
"If I Could..." tem uma linha melódica absurdamente
cativante. Estaria certamente entre os hits do Lemonheads,
se o momento de seu lançamento fosse o adequado. O
arranjo é bem bacana, com direito a um solo assoviante
que imita o canto de um pássaro, uma sacada perfeita
para completar o tom ensolarado e primaveril da melodia. A
letra é um tanto sem sentido: "Khmer Rouge / Genocide
qua / Your place at Mein Kampf / Now I'm giving the dog a
bone", mas lembre-se que se o cara pudesse falar ele
contava... Brilhante! O vocal terno de Evan é uma prova
que sua capacidade como cantor permanece intacta. Sim, até
isso era questionado em 1996, e não sem razão,
já que Evan Dando foi o cara que deu uma entrevista
por escrito para a NME pois tinha perdido a voz por ter fumado
crack na noite anterior (especula-se que o título da
música seja uma referência a esse episódio).
"Break Me" é
mais uma canção simples e acessível da
escola Evan Dando de compor, dessa vez pontuada por um riff
ácido de guitarra que adiciona um tempero mais melancólico
a uma música que no geral seria mais alegre. "Hospital"
segue a receita da simplicidade eficiente dos Lemonheads.
Nunca a influência country
funcionou tão bem para o Lemonheads como em "The
Outdoor Type". O arranjo é quase simplório,
mais uma vez, a guitarra faz as vezes de violão. O
grande destaque é a letra, leve e divertidíssima
com aquela temática mundana que o Lemonheads sabe muito
bem explorar. Na letra, o protagonista reconhece que estava
mentido quando disse que era um 'sujeito do ar livre', na
verdade ele não passa de um guri de apartamento que
não sabe nadar, não consegue ter barba e nem
mesmo brigar, ele nunca teve um xxx quanto mais uma mountain
bike!!!
"Losing Your Mind"
é um desabafo de Evan Dando. Como música pode
até ser enfadonha, repetitiva e com arranjo descuidado
e sem imaginação. Mas como depoimento de um
cara que está com problemas, chega a ponto de ser comovente.
"Burnt the beyond when you learned how to fly / just
to learn later on that there isn't a sky". Força
Evan!
"Something's Missing"
é mais uma grande canção pop, das mais
vibrantes. As guitarras relembram o passado punk da banda,
onde a pegada se une a uma boa melodia e o resultado é
excepcional (não é a primeira vez que isso acontece,
uma outra referência seria a excelente "Year of
the Cat", do disco "Lovey", 1990). A melodia
de "Something's Missing" é naquele esquema
"chamada-resposta", onde seria no mínimo
curioso ouvir a voz de Juliana Hatfield no backing vocal (quem
fez o backing aqui foi o próprio Evan).
"Knoxville Girl"
é a segunda faixa do disco a explorar mais abertamente
as influências da country music. Na verdade, a música
é um cover de um clássico popularesco do country.
A letra é bem linear, conta a história do cara
que assassinou o amor de sua vida. Assim como "The Outdoor
Type" também tem os seus trechos engraçadinhos,
como a parte onde a mãe preocupada do assassino pergunta
o porquê de todo aquele sangue e ele responde no maior
sarcarmo: "meu nariz estava sangrado". Não
chega no nível de "The Outdoor Type", mas
"Knoxville Girl" também é bastante
divertida.
A letra da amalucada "6ix"
foi inspirada no filme de suspense "Seven", com
Brad Pitt e Gwyneth Paltrow. Para quem ainda pretende assistir
esse filme (recomendável), a letra não vai ser
comentada aqui, pois entrega o destino da personagem de Gwyneth!
No mais "6ix" é bem desleixada, com bastante
zoeira nas guitarras. Mas ainda assim pop por excelência,
pois estamos falando de um Lemonheads.
"Come On Daddy" é
a balada do disco, que, com sua letra de gosto duvidoso, não
impressiona. Sem percussão, passa uma atmosfera intimista
ao contar somente com guitarra e vocal delicado de Evan Dando.
Em "One More Time"
o Lemonheads capricha no rock n'roll, numa levada irresistível.
A música é que parece semi-acabada, muito simples,
letra minúscula. Ainda assim, pela vibração,
é um ponto alto. "Tenderfoot" é outro
rock mais rápido, que peca pela falta de um bom refrão.
A música, que crava apenas dois minutos, vai enrolando
até chegar no pseudo-refrão de letra completamente
inusitada "It's irrelevant / I'm an elephant / she's
a mouse".
"Secular Rockulidge"
encerra o disco com cara de jam. O resultado funciona mais
como um bônus. Segue num riff melancólico e arrastado
(a lá "Losing Your Mind") e quem tiver paciência
para ouvir mais alguns minutos vai ser brindado com um poderoso
riff pesado. Soa como uma banda se divertindo e que ao acaso
ganhou tempo de estúdio para preencher o álbum.
Depois de "Car Button
Cloth" e uma longa turnê, o Lemonheads acabou sem
maiores repercussões. Mas ao ouvir o último
trabalho da banda percebe-se que, se já não
estava no auge, e realmente não estava, a banda chegou
ao seu final transpirando dignidade. |