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Review: Field Songs

avaliação:

Logo na primeira faixa de “Field Songs”, ao ouvir esta inigualável voz erguer-se sutilmente para o segundo refrão, o ouvinte passa a ter a suspeita de que seu dono, Mark Lanegan, conseguiu um feito extraordinário: gravar um disco tão bom quanto o seu antecessor, "I'll Take Care of You". E nas audições seguintes dificilmente esta suspeita deixará de sedimentar-se em verdade. Mas enquanto "I'll Take Care of You" é um clássico exemplo de absorção e apreciação imediata, este "Field Songs", o quinto rebento solo de Lanegan, traz algumas diferenças que o tornam uma obra um pouco mais complicada e exigente. Dos arranjos simples e da aura acústico-rural de "I'll Take Care of You" permaneceram pouquíssimos resquícios, e o que restou foi basicamente desconstruído sob a forma de uma representação campestre cuja tradução musical não é tão doce, nem tão harmônica, mas envolta em melancolia e certa impureza. O que ocorre é que, apesar do título que cria a expectativa de uma continuação de “I’ll Take Care of You” e suas ótimas releituras de countries, gospels e blues antigos, “Field Songs” faz uso de uma gama bem mais variada de instrumentações e climas, por vezes remetendo a cenários mais cinzentos e urbanos. Ou então temos novamente a visão do campo, mas dessa vez ficando lenta e inapelavelmente para trás, enquanto o personagem se afasta em direção de um destino incerto em algum outro lugar.

Tomemos o exemplo da já citada One Way Street, abertura do disco. Seu fundo instrumental entrelaça elegância e uma tristeza vaga, na medida perfeita para o canto magnífico de Lanegan. O elogio ao desempenho vocal de Lanegan é redundante - mas é certo que em One Way Street de alguma forma o efeito é potencializado, talvez pelo bucólico da melodia, talvez pelo refrão pungente e as imagens que ele evoca – provavelmente por causa disso tudo. Logo de cara Lanegan entrega o melhor momento do álbum, que traz consigo também as pistas de que mais do que violões serão ouvidos; efeitos aqui e acolá já emplacam um diluído clima sombrio, esquizofrênico, totalmente diferente da singeleza e nitidez de "I'll Take Care of You".

Na execução, o time é tão variado quanto fora em "I'll Take Care of You". Algumas escalações repetidas são as de Ben Shepherd (que já deu expediente no Soundgarden, Hater e Wellwater Conspiracy) e do fiel parceiro Mike Johnson. Brilham nomes variados ao longo do disco – Mark Boquist na bateria, Keni Richards no mellotron e Wendy Rae Fowler no backing vocal atuam em pé de igualdade com Mark Lanegan na ótima No Easy Action, a canção mais urgente e singular do álbum. Musicalmente, as principais conexões com o disco anterior estão nas baladas: destaques absolutos para Pill Hill Serenade, inundada pelo Hammond de Martin Feveyear, e Kimiko’s Dream House, onde a voz de Lanegan, se esforçando para soar normal, embala sossego e ternura como poucas são capazes.

Outro ponto alto está na sequência que inicia-se com Don’t Forget Me: com a honestidade de quem está com a alma encharcada de whiskey, Mark entoa lamentos como “I know there's somebody new, much better than me, but because my love is true, all my best to you, don't forget me dear”. A culpa implícita parece se desdobrar naquele momento onde o cara percebeu que não há mais motivos para insistir – o melhor é se retirar. Já Resurrection Song aposta na sobriedade para alcançar a redenção. A guitarra dedilhada vagarosamente é a única companhia de Lanegan até a metade da canção, quando entram o piano e mais guitarras, distantes, desparelhadas, escurecendo a atmosfera. Para fechar essa seqüência, a canção mais amarga do álbum, Field Song, de onde escapam as principais lamúrias do autor, em pouco mais de dois pesarosos minutos.

A medida da beleza e equilíbrio encontrado por Lanegan e seus camaradas neste disco pode ser bem resumida em duas das canções finais: a instrumental Blues for D, três minutos e meio de puro encanto musical e espiritual, e Fix, novamente com o vocal grave de Mark Lanegan guiando violões, guitarras descompassadas e distorções rumo à algum local nublado e misterioso – que certamente não é o campo. Deste, a última lembrança que fica é a imagem retratada na capa do disco: na estação um pouco afastada do povoado, esperando o trem, sem muito o que levar e nem expectativa de voltar.

Fabricio C. Boppré
dezembro/2006