Esta é a versão antiga da Dying Days. A nova versão está em http://dyingdays.net. Estamos gradualmente migrando o conteúdo deste site antigo para o novo. Até o término desse trabalho, a versão antiga da Dying Days continuará disponível aqui em http://v1.dyingdays.net.


arquivo
Home | Bandas | Letras | Reviews | MP3 | Fale Conosco
Review: Whiskey For The Holy Ghost

avaliação:

Se "The Winding Sheet", o primeiro álbum solo de Mark Lanegan, era um disco muito promissor, "Whiskey For The Holy Ghost" assegura um lugar para Lanegan entre os maiores. Trata-se de um belíssimo álbum, que infelizmente foi descoberto por poucos.

Baseado em influências clássicas da música americana, o folk, o rock, o lamento do blues, a simplicidade do country, "Whiskey For The Holy Ghost" é um disco absolutamente atemporal. Foi lançado em 1994, como poderia ter sido lançado neste ano ou na década de 70. E é um disco emocionado, de sentimentos expostos, explícitos e palpáveis, e talvez por isso, é um disco extremamente acessível embora não seja um trabalho necessariamente popular.

O disco abre com a belíssima "The River Rise", uma canção triste e melancólica que fala de perda, de desistência, de conformismo, de coragem, e tantos outros significados de acordo com a interpretação do ouvinte. A música é construída a partir de uma parede de violões e bateria marcial e levada na voz grave e emocionada de Lanegan. Para quem assitiu o indispensável filme Hype!, deve lembrar que "The River Rise" é a música que está ao fundo quando o filme fala da morte de Kurt Cobain. Vai lembrar também que é o momento de maior emoção do filme e isso se deve a esta bela música. Um clássico, que merece ser ouvido.

"Borracho" é o momento mais rock do disco. A guitarra é pesada e distorcida e o andamento da música é errático como sugere o título da música, com acelerações e desacelerações inexplicáveis. Mas o melhor da música é a letra, que retrata com exatidão os conflitos de quem está batalhando os demônios da auto-destruição. A mistura de arrependimento e consciência com um sentimento de impotência e desesperança. "And to you who never need / Fuck yourselves, I need some more room to breathe / Here comes the devil, prowl around / One whiskey for evey ghost / And I'm sorry for what I've done / Cause it's me who knows what it cost (...) And I'm sorry for what I said / I said I just don't care anymore".

Se "Borracho" é pesada e amarga, "House A Home" é de uma leveza surpreendente. É acústica, mas com belos trechos de guitarra de Mike Johnson no final. Os violinos dão um acento country para essa música alegre, onde Mark Lanegan canta com toda a delicadeza que sua voz permite. No entanto, a melancolia também está presente na letra, um recado de quem está prestes a desistir de lutar "Make your house a home / Makes no sense to stay / Through one more lonely last day / Oh no babe, it's not right".

A sombria "Kingdoms of Rain" é lenta e arrastada, lembra Tom Waits em alguns momentos pelo tom grave da voz de Lanegan. O arranjo é simples, quase minimalista, consistindo num acompanhamento no violão e alguns detalhes de teclado. A música conta com backing vocal feminino que fazem um contraponto interessante ao vocal de Lanegan.

"Carnival" retoma o acompanhamento de banda. Violões, baixo, percussão e os violinos (que desta vez não tem nada de country) dão o refinamento ao arranjo que acompanha o crescendo do vocal.

"Riding the Nightingale" é sombria como "Kingdoms of Rain", mais uma canção que lida com as incertezas de quem está lidando com situações "fundo do poço". "I think I dug too deep a hole" diz a letra.

O disco segue alternando momentos de escuridão com temas mais amenos, como é o caso de "El Sol". Mais uma balada de violão e guitarra e bela melodia. "Dead on You" talvez é seja a música que se aproxime mais explicitamente do blues (ao lado da própria "Beggar's Blues"), ao menos pela introdução no violão. O arranjo é simples de novo, violão e teclado, sem bateria ou percussão, ressaltando a melodia. 

"Shooting Gallery" é outra grande música, uma das melhores melodias do disco. Os violões estão perfeitos. Não há guitarras, a percussão é discreta e há baixo e piano no arranjo.

"Sunrise" é delicada, com vocal quase sussurrado. O arranjo é de violões, há percussão e sax. Mas o destaque da música é participação de Krisha Augerot e Sally Barry no backing vocal, com um resultado ainda melhor que em "Kingdoms of Rain".

As guitarras reaparecem brilhando em "Pendulum", outra belíssima. 
Lanegan se supera no minimalismo em "Judas Touch". Em pouco menos de 2 minutos ele dá o seu recado com vocal sussurrado e ecoante, ampanhado apenas por acordes simples no violão a bateria tocada com os brushes (sim, as populares vassourinhas). "Beggar's Blues" encerra o disco com mais um belo arranjo, muito bem cuidado e detalhado e mais uma letra excelente no vocal emocionante Mark Lanegan. 

Depois de "Whiskey For The Holy Ghost", até aqui sua obra-prima, Mark Lanegan ficou mais quatro anos sem lançar um novo álbum solo. Nesse meio tempo, o Screaming Trees lançou sua própria obra-prima, "Dust", e Mark teve tempo de cuidar de seus problemas pessoais e voltou recuperado em 1998 com "Scraps At Midnight". Depois disso ainda lançou mais dois álbuns, os irrepreensíveis "I'll Take Care of You" e "Field Songs". Mas para quem quer se iniciar na obra do cara, a dica mesmo é Whiskey. 

Alexandre Luzardo
2002