Esta é a versão antiga da Dying Days. A nova versão está em http://dyingdays.net. Estamos gradualmente migrando o conteúdo deste site antigo para o novo. Até o término desse trabalho, a versão antiga da Dying Days continuará disponível aqui em http://v1.dyingdays.net.


discografia,
letras e reviews:

* principal
* complementar

arquivo
letras traduzidas
Home | Bandas | Letras | Reviews | MP3 | Fale Conosco

Review: Frengers

avaliação:
Observando rapidamente os caminhos que os artistas percorrem para chegar num nível respeitável (leia-se "separação do joio-trigo"), logo concluímos que a música recente possibilita múltiplas possibilidades para que um disco seja capaz de chamar a atenção do mais ouvido-de-tuberculoso ouvinte.

Seja através da desconstrução (Radiohead em "Kid A"), do forte uso de referências (Interpol), da atitude suicida (Lightning Bolt) ou do genuíno e sempre bem-vindo talento intrínseco (Los Hermanos), o grande desafio de se chegar em uma obra diferenciada flerta com a inovação e a imposição de uma personalidade seja qual for o caminho escolhido.

Como então explicar o caso do Mew, uma banda que surgiu do meio da improvável Dinamarca e que sedimentou sua música com base no que se fez nos anos 90, um som que por si só já agregava visíveis influências de outras épocas? Obviamente, os caras não se deixaram levar pelas prováveis e óbvias comparações com o (de novo) Radiohead de "The Bends", até porque de intragáveis clones desse som o planeta Terra já está cheio. Não que não hajam traços dessa influência, mas no caso do Mew, ela é apenas uma das doses que compõe a receita.

Vamos encarar os fatos: esses caras começaram a escutar música junto conosco, usaram camisa de flanela e compraram os mesmos discos que a gente. Na hora em que se reuniram para formar a banda, foi com a mesma empolgação e as mesmas referências musicais que você tem e que gostaria de usar. Todas essas evidências nos levariam a esperar de "Frengers" nada mais nada menos do que um punhado de conceitos requentados, que nada poderiam fazer por você que já não tivesse ocorrido há uma década atrás. Days Of The New, Creed e Audioslave são alguns exemplos díspares de que a geração dos anos 90 não levou muito tempo para procriar filhotes, sejam eles exemplares com pedigree ou guaipecas de porta de boteco. É debruçado sobre esses conceitos que me atrevo a colocar o desconhecido Mew em uma página diferente.

O conteúdo de "Frengers" tem muitos recursos que você conhece e venerou: as paredes de guitarras dos Smashing Pumpkins, os vocais "franzinos" como os do Placebo (aqui, ressalto, mais angelicais e suaves mas igualmente improváveis), os toques eletrônicos do Radiohead, a orquestração e a busca pela grandiosidade que muitos discos da década anterior perseguiram. Até a arte gráfica do CD deixa fortes evidências de que alguém ali têm a coleção de singles do Placebo. O segredo do Mew, no entanto, está na maneira como esses pontos são combinados e na reconhecida qualidade que eles têm ao escrever suas canções. No final das contas, a banda consegue imprimir toda uma personalidade por meios convencionais, meio que reunindo tudo o que suas influências fizeram de bom de forma convincente, resolvida o suficiente para que seja dado um voto de credibilidade ao trabalho. "Am I Wry? No" abre o disco com uma das duas principais faces da banda: rock com guitarras vigorosas, ritmo pulsante e melodias vocais tocantes, automaticamente fazendo a gente recorrer ao encarte para confirmar se o CD é mesmo dessa década ou se não ficou perdido lá pelos 90. "156" dá de Smashing Pumpkins e consegue unir melodias vigorosas com trechos dramáticos, ora em dedilhados ora com os pedais no talo. Aquele tipo de eletrônica que você ouviu nos últimos discos do Placebo dão uma boa idéia de como eles anabolizam as canções, com suaves toques de piano e alguns efeitos sutis complementando as ruidosas e caprichadas guitarras, tudo feito com muito bom gosto e sem exageros. A bateria, um show à parte, dá pique às canções, como se pode perceber de cara em "Snow Brigade" e a riqueza de melodias não só toma conta das músicas como um todo, mas inventam de crescer ainda mais no refrão, onde a banda mostra a manha de se fazer músicas poderosas ("Behind The Drapes"). O Mew ainda honra com a prática de escrever canções lentas e tristes, o que para os mais radicais vai acabar soando como momentos de afetação/sono. Na verdade, eles criam momentos de delicadeza, dando um clima gélido e espacial às suas baladas, como o caso de "Symmetry" (com vocais femininos que quebram o andamento da coisa) e "She Came Home For Christmas", de refrão (again) mestre. Eles encerram a brincadeira com "Comforting Sounds", um resgate de quase tudo de legal que ocorreu na década passada, com momentos que beiram o post-rock (transforme Smashing Pumpkins, Radiohead, Mogwai e Aereogramme numa coisa só).

Ao contrário de um Silverchair, o Mew parece ciente de suas influências e seguro de suas canções podem subsistir sem que tenham de encher o público de justificativas, tendo de provar ao mundo que são originais. Todos sabemos de antemão que "Frengers" não é um novo passo na história do rock, tampouco dita tendências para os robôs do futuro. Entretanto, ensina que às vezes podemos encontrar feitos grandiosos dentro de padrões que já conhecemos e cansamos de gostar, desde que o tão valioso talento esteja incluído no pacote. E pensar que isso foi apenas a estréia.

Vicente Moschetti
março/2005