É praxe na indústria fonográfica
a aposta em uma banda baseada em um single, uma única
música que faça um sucesso avassalador e renda
uma boa grana sem necessariamente dar continuidade numa carreira.
Assim foi, é hoje em dia e provavelmente ainda vai
ser no futuro. Daí se explicam as ditas bandas de um
sucesso só (one hit wonders), bandas de empresário,
bandas pré-fabricadas e por aí vai. E essas
apostas das grandes gravadoras fatalmente vão ao encontro
do que toca no rádio. Em meados dos anos 90, ainda
sob o impacto da mudança de paradigma que foi o sucesso
do Nirvana para a música pop americana e mundial, o
rock alternativo era a aposta. Ao mesmo tempo em que abria
as portas da mídia para bandas que normalmente ficariam
à margem do grande público, o auge do rock alternativo
foi nocivo em vários aspectos. Um deles é que
as grandes gravadoras passaram a explorar comercialmente o
rock alternativo como qualquer outro gênero, e partiu
à caça de singles de sucesso de bandas descartáveis.
E as bandas de rock alternativo não têm esse
perfil. E é aí que entra o Nada Surf, que teve
sua carreira inviabilizada por sua gravadora. Mas, diferente
de nomes como New Radicals, Semisonic ou Fastball, genuínos
one hit wonders que se contentaram com seus quinze minutos
de fama e desapareceram, o Nada Surf perseverou e trilhou
seu caminho no circuito independente, repetindo a trajetória
bem-sucedida de bandas como o Superdrag e o Spacehog.
O Nada Surf foi formado por volta de 1992 por Matthew Caws
(guitarra / vocal), Daniel Lorca (baixo) e mais tarde Ira
Elliot (bateria). Antes disso, Matthew e Daniel, amigos desde
a infância, já tinham tocado juntos em várias
bandas de vida curta. O Nada Surf (que chegou a se chamar
Because Because Because por um tempo) só foi adiante
mesmo quando Daniel voltou da Espanha, onde morou durante
um ano. Ainda sem Ira na banda, eles gravaram um single para
a gravadora "caseira" de um amigo e, por meio das
conexões de Daniel, espanhol de nascimento, chamaram
a atenção de uma gravadora da Espanha. O selo
espanhol propôs um contrato e o Nada Surf entrou em
estúdio. Com uma demo pronta, as negociações
emperraram porque a gravadora queria um contrato válido
para o mundo todo, e não haveria distribuição
nos EUA. A banda não topou. Justamente nessa época,
saiu o baterista e Ira Elliot, que tocava no Fuzztones, banda
de garage rock de Nova York bastante comentada na área
(abriu shows do R.E.M. na cidade), aceitou o convite de tocar
no Nada Surf. Depois de alguns shows, a idéia era lançar
a demo já pronta pelo selo espanhol na Europa, e assinar
com uma gravadora independente para o mercado americano. Depois
de alguns contatos, a poderosa Elektra Records entrou na parada,
ofereceu um contrato e o Nada Surf fechou com eles. Com um
orçamento à disposição, foi possível
regravar todas as músicas para o primeiro disco. E
veio a calhar o interesse de Ric Ocasek (ex-The Cars, produtor
do 'Blue Album' do Weezer) pela banda. Ocasek assistiu a um
show, recebeu uma cópia da demo, e mostrou interesse
em produzir o Nada Surf. Nesse meio tempo surgiu o EP Karmic,
de cinco músicas, lançado ainda de forma independente.
Com o repertório definido,
a gravação foi relativamente rápida.
Em três semanas o disco foi concluído, com Rick
Ocasek no comando. Após a mixagem e masterização,
o álbum estava pronto para chegar às lojas em
dezembro de 95. A Elektra resolveu esperar o verão
americano para fazer o lançamento. Em High/Low,
o Nada Surf mostrava toda a sua potencialidade, canções
pop acessíveis com muito punch nas guitarras, vocais
limpos e cozinha eficiente e entrosada. Mas a Elektra estava
mais interessada num single, e encontrou na música
"Popular" uma candidata a hit do verão. A
aposta deu certo, o videoclip de "Popular" virou
mania na MTV e o sucesso veio rápido, da noite para
o dia. O disco vendeu razoavelmente bem e a Elektra obteve
retorno imediato no investimento. Mas o segundo single não
teve divulgação, e nunca houve um terceiro.
De uma hora para outra, o Nada Surf já não era
prioridade na agenda de sua gravadora.
A banda permaneceu em turnê durante 1996 e nos primeiros
meses de 97, e em seguida passou a preparar seu segundo álbum.
The Proximity Effect ficou pronto em 1998. O disco
contou com a produção de Fred Maher, que diminuiu
um pouco o volume das guitarras. O Nada Surf desacelerou um
pouco as canções, mas manteve suas principais
características: o pop acessível das melodias
e a mudança de dinâmica em meio as músicas.
No entanto, a Elektra não gostou do resultado e mandou
o Nada Surf de volta ao estúdio para gravar um hit.
A banda se negou e foi dispensada pela gravadora. Simples
assim. O Nada Surf já não era prioridade, mas
também não fazia partes dos planos da Elektra
ter uma banda com vontade própria e independência
artística.
Mas o pior foi que
a Elektra reteve os direitos sobre o álbum,
impossibilitando o Nada Surf de lançá-lo
por outro selo dentro dos Estados Unidos a menos que
comprasse os direitos. Na Europa, a banda estava livre
e The Proximity Effect foi lançado
ainda em 1998.
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Nada Surf na época do álbum
The Proximity Effect |
A repercussão além-mar
foi boa, especialmente na França, onde "Popular"
havia feito um enorme sucesso. O Nada Surf,então, embarcou
para uma bem-sucedida turnê européia. De volta
aos EUA, a banda estava num completo anonimato, sendo vista
como mais um one hit wonder. Foram anos difíceis, tendo
que dividir o tempo para fazer música com empregos
formais. Matthew trabalhou numa loja de discos e Daniel enganava
como programador. Nesse ínterim, o Nada Surf encontrou
espaço em coletâneas, contribuindo no álbum
tributo aos ídolos Iggy Pop e Pixies. Para não
ficar parado também na Europa, em 1999 saiu a coletânea
de demos e b-sides North 6th Street, pelo selo Noneties.
O impasse com a Elektra durou mais de dois anos, até
que finalmente a negociação deu resultado e
os direitos do álbum foram comprados pelo Nada Surf.
A banda montou seu próprio
selo, MarDev, e assim The Proximity Effect foi lançado
nos EUA em agosto de 2000. A recepção de crítica
e público foi fria e era evidente que o Nada Surf não
mais ira reconquistar o espaço que teve na época
de "Popular". A banda sabia disso, e nem era essa
a sua vontade. O Nada Surf praticamente não tocava
seu único hit nos shows. As dificuldades eram imensas.
Em meio à turnê, a distribuidora com que a MarDev
tinha contrato foi à falência e o disco desapareceu
das lojas.

O
Nada Surf em cima do palco: confiança
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Mas
o Nada Surf não esmoreceu e fez os shows mais
importantes de sua carreira, tocando com a gana de fazer
o disco ser aceito pelos seus próprios méritos,
sem divulgação. O público respondeu
e a banda firmou uma base de fãs alheia ao sucesso
de "Popular". Um dos momentos mais empolgantes
da turnê foi quando Joey Ramone subiu ao palco
com o Nada Surf, e juntos tocaram três músicas
dos Ramones com Joey no vocal.
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Ao final da turnê, já
havia repertório para o próximo disco e o Nada
Surf entrou em estúdio. A idéia era produzir
o álbum novamente com Fred Maher, mas não havia
dinheiro e Fred teve que aceitar o convite para trabalhar
no disco novo do Korn. Assim, o próprio Nada Surf cuidou
da produção, com a ajuda do engenheiro de som
Chris Fudurich. O resultado foi Let Go, o disco mais
ambicioso do grupo até então, mais distinto
entre as músicas mais pesadas e momentos mais calmos
e reflexivos, com espaço até para canções
acústicas, como "Blizzard of 77", que soa
incrivelmente parecida com o Posies.
Novamente o Nada Surf teve
mais facilidade na Europa. O disco foi lançado bem
antes por lá, ainda em 2002, pela gravadora Label na
França e pela Heavenly na Inglaterra. A popularidade
da banda permanecia em alta no velho continente, especialmente
na França, ajudado pela familiaridade de Matthew e
Daniel com o idioma. Matthew é filho de professores
enquanto Daniel tem no francês o seu primeiro idioma,
pois vivera na Bélgica até os cinco anos. Let
Go contava até mesmo com uma música em
francês, a balada "Là Pour Ças".
Nos EUA, o disco só
apareceu em 2003, e desta vez a banda optou por lançá-lo
em uma gravadora convencional, a independente Barsuk Records.
Let Go chegou ao número 2 na Billboard e vendeu
cerca de 4 milhões de cópias. Ops, desculpem,
esse é o Let Go da Avril Lavigne. Na verdade,
por causa da sombra de "Popular", o novo álbum
do Nada Surf novamente não foi unanimidade entre a
crítica. Mesmo assim, o disco foi muito bem recebido
pelos fãs, muitos considerando o melhor álbum
da banda até então.
Depois de uma intensa turnê
americana, o Nada Surf chegou aos palcos brasileiros em 2004,
recebido por um público entusiasmado, que surpreendeu
a eles próprios. A banda deixou o Brasil fazendo juras
de voltar em breve.
Em 2005 sai o quarto trabalho
de estúdio da banda, intitulado The Weight Is A
Gift. O álbum foi produzido por Chris Walla (que
já havia trabalhado com Death Cab For Cutie e The Decemberists)
e recebeu boas críticas e ótima recepção
por parte dos fãs.
Alexandre Luzardo
dez/2004
Atualizado por Fabricio Boppré em dez/2005 |