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Review: Stories From The City, Stories From The Sea

avaliação:
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Em 2000, PJ Harvey brindou seus fãs com "Stories from the City, Stories from the Sea". Polly Jean nasceu em uma pequena cidade inglesa à beira-mar chamada Dorset, mas adotou a metrópole por excelência Nova York para morar. Ela conhece as antíteses da vida destes dois lugares tão diferentes entre si e expressou isso no título deste álbum.

Outro detalhe revelador é a capa, onde ela aparece caminhando na cidade com bolsa a tira-colo, uma personagem diferente das que ilustram as capas de seus discos anteriores - assim como "Stories from the City, Stories from the Sea" é um álbum diferente. Estes dois detalhes são os indicativos externos do conteúdo deste 5º rebento de PJ Harvey: um disco para espíritos sensíveis ao ambiente ao seu redor, e como este interage com nossos sentimentos - em especial, o amor.

Detalhes extra-musicais à parte, trata-se de um trabalho mais assimilável e melhor produzido do que a característica geral dos álbuns que formam a discografia de PJ Harvey até aqui (discografia de altíssimo nível, diga-se de passagem. Confira aqui). É ao mesmo tempo mais direto e mais suave sonoramente falando, menos bruto e mais básico, mais feliz e menos colérico, com potencial de fazer Polly Jean passar a ser conhecida por um público mais amplo. Mas não deixe-se enganar: sua intensidade habitual aqui ganhou somente uma roupagem diferente, pois o impacto de suas composições é o mesmo. Então, você não precisa ler a resenha até o fim para saber a conclusão: o disco é excelente.

Big Exit abre o disco com guitarras estridentes a la Byrds e vocal urgente, que desembocam em um refrão redondo ("but I want a pistol / in my hand / and I want to go to / a different land ") onde Polly canta a plenos pulmões sobre a insanidade de nosso mundo. Um começo altamente eficaz e empolgante. Good Fortune, o primeiro single, não deixa a peteca cair: atmosfera altamente pop, com bela melodia e andamento envolvente. Nesta segunda faixa destacam-se sobretudo o vocal de PJ e o final com a frase "on the run again" repetindo-se hipnoticamente.

A terceira faixa, A Place Called Home, é um tanto difícil de descrever. Uma canção cuja mágica pode ser sintetizada em seu refrão, onde diversas frases de PJ sobrepõe-se, cantando em tons diferentes. O resultado é magnífico e inspirador, uma música que passa uma sensação de tranquilidade sem limites, tal o fascínio que sua atmosfera levemente melancólica e sua letra esperançosa exercem sobre o ouvinte. O arranjo acompanha essa perfeição, com leves camadas de guitarra, teclado e percussão fazendo o suporte ideal para a voz de PJ Harvey brilhar novamente. "With you / I wait / to be born / again / with love comes the day / just hold on to me". Com frases assim PJ Harvey tranquiliza seus fãs, que estavam preocupados com os boatos de que a cantora estivesse sucumbindo às drogas. E, com uma canção assim, PJ torna a vida de qualquer um uma experiência mais rica e plena.

One Line vem a seguir, mais ou menos na linha da faixa anterior, e é a primeira das três participações de Thom Yorke, que aqui faz backing vocals quase imperceptíveis e toca teclado. A segunda participação vem logo a seguir na tocante Beautiful Feeling, que é ainda mais lenta e meditativa do que as duas faixas anteriores, e possui uma participação mais efetiva de Thom nos backing vocals.

Mudando completamente o clima, entra a excelente The Whore Hustle And The Hustlers Whore, com guitarras estouradas e densas como uma trovoada. PJ esbanja vigor e domínio em seu vocal cantando versos como "speak to me / of heroin and speed / genocide and suicide / of syphilis and greed", o mesmo que minutos antes entoava baixinho "and when I watch you move / and I can't think straight / and I am silenced / and I can't think straight". Logo depois volta a calmaria com This Mess We're In, com Thom Yorke no vocal e PJ participando do refrão, em nova letra versando sobre o amor e a vida urbana, temas onipresentas ao longo do disco.

You Said Something tem ar folk e conta uma pequena história onde Nova York é uma das personagens principais. Kamikaze, a faixa de número 9, é a mais visceral do disco, e justifica as comparações que vez ou outra ligam PJ a Patti Smith. A seguir, This Is Love começa com PJ cantando "I can't believe life's so complex / when I just wanna sit here and watch you undress" e discorrendo novamente sobre o amor, amparada por guitarras espessas.

Horses In My Dreams faz retornar o clima sombrio e intimista de Beautiful Feeling para adornar uma belíssima canção sobre libertação. O piano de Rob Ellis é lento e doloroso, e a atuação de PJ Harvey é novamente emocionante. A última faixa, We Float, sai um pouco da linha harmoniosa do disco até então, utilizando uma variedade maior de instrumenos, entre eles um e-bow (apetrecho usado por alguns guitarristas, que faz vibrar as cordas da guitarra através de eletromagnetismo). O resultado é excelente, fechando muito bem "Stories from the City, Stories from the Sea".

O álbum foi celebrado por quase a totalidade dos críticos e fãs. PJ viria a soltar um novo disco somente 4 anos depois, "Uh Huh Her", de 2004, que traz de volta o estilo mais rústico e menos acessível de seus primeiros trabalhos, e o fato mais significativo de "Stories from the City, Stories from the Sea" talvez seja justamente a explícita competência e naturalidade com que PJ Harvey abre o leque de suas facetas e influências. Facetas estas que muito em breve os brasileiros terão a imperdível oportunidade de ver ao vivo, no Tim Festival, que acontecerá em novembro deste ano em SP, e já tem esta brilhante compositora e cantora confirmada como uma de suas atrações.

 
Fabricio Boppré
set/2004