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O início da carreira
do Pearl Jam foi surpreendente. Seus três primeiros
álbuns são comentados com um sorriso nos lábios
por todos aqueles que conhecem e admiram o som da
banda. Esses álbuns até hoje são celebrados pela
imprensa e pelo jornalismo musical. O primeiro álbum,
"Ten", foi gravado quatro meses após a
banda ter se formado, e o saldo positivo foi maior
que o esperado.
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A banda ficou "famosa"
do dia pra noite, e aqueles cinco jovens da classe suburbana
de Seattle foram elevados ao posto de "deuses.
"Estourar" no primeiro
disco é difícil para qualquer banda, pois a pressão em cima
do segundo álbum é enorme, queiram ou não. Já virou clichê
os integrantes de diversas bandas darem declarações de que
o sucesso significativo de seu primeiro álbum, em nada influenciará
o segundo. Mas sempre influi. O segundo álbum do Pearl Jam
veio mais pesado, mais político, mais trabalhado e mais turbulento.
A banda estava comprando todas as brigas possíveis, e declarou
guerra já no título do Cd "Vs." [Versus], que à
princípio era pra ser intitulado de "Five Against One",
mas para evitar trocadilhos de mau gosto, optaram por "Versus"
mesmo.
Então veio o álbum "Vitalogy", um pouco mais obscuro,
ainda abusando do peso, dos vocais dramáticos, das guitarras
"grungescas", das letras de protesto, e de todos
os cacoetes típicos do Pearl Jam. Apesar de ser um tanto sinistro,
teve o retorno esperado por parte dos fãs e foi elogiado pela
imprensa. Em outras palavras, "Vitalogy" tinha "hits",
mas não serviu para conter o suspense em torno do quarto álbum,
que tornou-se evidente, e quais seriam os rumos que a banda
iria tomar.
Então o Pearl Jam resolve ficar introspectivo. Espiritual.
Eu poderia citar aqui umas trinta bandas que embarcaram nesse
momento intrínseco e espiritual em algum momento de suas carreiras,
hábito comum, que foi lançado pelos Beatles, em viagem mística
pela Índia.
Finalmente em 1996 o
Pearl Jam concede ao mundo o seu quarto álbum intitulado "No
Code". A atmosfera do álbum já pode ser percebida em
sua volumosa capa feita em papel reciclável. Pequenos quadrados
contendo as mais variadas imagens formam uma espécie de quebra-cabeça.
O encarte do Cd, na verdade não é apenas um, são várias polaroids
dentro de um cartucho de papelão. Atrás de cada uma das polaroids
tem a letra de uma ou outra música do álbum, praticamente
ilegíveis, escritas à mão, ou datilografadas. Ou então, não
há nada escrito, somente a foto. A capa e as polaroids são
cheias de significados, pequenas histórias, enigmas, são vários
códigos que levam ao triângulo da capa que, ironicamente contém
o nome do álbum "No Code" [sem código]. Seria essa
uma maneira que os caras do Pearl Jam recorreram para distrair
seus fãs? Distraí-los do conteúdo musical do Cd? Pura maldade
de muitos comentaristas musicais. Esse é de longe o álbum
mais íntimo, notável, e displicente de toda a carreira do
Pearl Jam. E sem dúvida, o menos compreendido.
A banda que no início da careira levantava multidões com músicas
explosivas e diretas como Even Flow, Alive e Jeremy, agora
demonstrava estar contida e nostálgica com músicas leves,
e outras nem tanto, porém trabalhadas, usando instrumentos
de pouca assimilação aos ouvidos de seu público costumeiro.
É bem verdade que a maioria dos fãs, acostumados com hits
imediatos, esse álbum foi um verdadeiro fiasco. A imprensa
macetou cada acorde de "No Code". Estereotiparam
como "world music", e grande parte do que é classificado
como "world music", é o mesmo que ser figurado como
"lixo" ou "música esquisita". Mas "No
Code" é para ouvidos mais exigentes, pois suas canções
não são apropriadas para tocar nas rádios.
O álbum começa alheio, estagnado, um tanto vagaroso, e de
repente...pancada na orelha, letras consternadas, sons claustrofóbicos
e enérgicos. As músicas variam do rock clássico ao psicodelismo,
do folk às canções de ninar, dos mantras encantadores ao punk
rock maculado. É possível notar a forte influência das gaitas
de Neil Young que no ano anterior ao lançamento desse disco,
apadrinhou o Pearl Jam, gravando inclusive o álbum "Merkinball",
e até hoje quando conseguem combinar as agendas, a banda e
o cantor canadense fazem algumas apresentações juntos. A influência
de Jello Biafra aparece evidente no disco, no excelente vocal
de "Mankind", cantada pelo guitarrista Stone Gossard,
um hino à futilidade da espécie humana. Também é fácil notar
as batidas abafadas de tambores com pianinho angustiado, resultando
num mantra moderno com a música "Who You Are", e
a bateria marcial na hipnótica "In My Tree", influência
óbvia do cantor paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan, com quem
Eddie Vedder colaborou e compôs a trilha sonora do filme "Os
Últimos Passos de um Homem", com os atores Sean Penn
e Susan Sarandon.
Porém, o sucesso de "No Code" foi exíguo. Não vendeu
nem um terço do que cada um dos seus antecessores venderam.
Foi alvo das mais descabidas críticas por parte da imprensa,
dos fãs, enfim, de todo o mundo. Tornou-se o patinho feio
da carreira do Pearl Jam. E até hoje permanece incompreendido.
O quarto álbum do Pearl Jam foi seu divisor de águas. "No
Code" peneirou os fãs entre aqueles que apreciam hits
certeiros, e aqueles que preferem os blefes sinceros. Nesse
álbum, mais do que nunca, eles ficaram irônicos, questionaram-se
sobre os rumos da carreira, as amarguras da fama conseguidas
com a banda, cantaram a alegria de ter filhos, descobriram
os bons sons, homenagearam e escracharam alguns amigos, fizeram
sutis referências ao uso exacerbado de drogas, criticaram
a obviedade da raça humana, soaram líricos. Expandiram o som
que antes era restrito ao baixo, guitarra, bateria e vocal
emotivo, para um rock elaborado, pensado e totalmente autêntico,
provando que nem sempre o que a crítica alveja é descartável.
Com o álbum "No Code", o Pearl Jam desencantou.
Deixou de ser uma banda do gênero "grunge". Mesmo
que esteja para todo o sempre conectado à esse estilo musical. |