Levantou de
mau-humor, colocou uma camisa surrada do Scorpions e óculos
escuros. Saiu para pegar o ônibus da turnê com
cabelos e barbas cuidadosamente desgrenhados. Ficou ainda
boquiaberto com a viagem, tirou várias fotos de si
mesmo em excursão, mas a expressão desolada
não mudou. Fez um show que começou à
tardezinha para um platéia razoavelmente grande, tratou-os
com simplicidade e desprendimento. Tocou músicas intimistas,
com aquela levada de pop perfeito, saudou o público,
com a carinha de trovador prestes a chorar. Cantou mais uma
música para a manhã seguinte. Finalmente foi
dormir para no outro dia fazer tudo de novo.
Fosse esse um mundo simplista, uma figura que alternasse
camisas do Iron Maiden e do Scorpions, tocasse com o Iggy
Pop e fizesse músicas para uma série melosa
estadunidense não existiria - ou no mínimo
seria internado como se tivesse um sério problema
de identidades múltiplas. Só que esse sujeito
meio estranho existe e faz músicas lindinhas e redondinhas:
Pete Yorn, New Jersey, 1974, Show de Talentos, 1990, Café
Largo - LA, 1990 e tantos, musicforthemorningafter, 2001.

Da série "Bonita camisa,
Fernandinho!"
Vamos aos poucos, então,
porque é uma história de uma simplicidade tremenda,
e ao mesmo tempo com fatos paradoxiais que só podem
ser devidos a uma postura (pelo menos aparentemente) inocente
e cândida do músico e seus comparsas. Depois
de nascer, engatinhar, falar e andar, Pete Yorn resolveu brincar
com as coisinhas que viu espalhadas pela casa. Havia o piano
da sua mãe, a bateria e a guitarra de seus irmãos.
Aprendeu a gostar de barulho, talvez, ouvindo a broca do escritório
de dentista de seu pai, mas é mais provável
que seus irmãos mais velhos o tenham levado ao mau
caminho. De qualquer maneira, reza a lenda que aos 9 anos
o menino já dominava a bateria, e aos 12 ganhou completa
afinidade com a guitarra, além de ter tido vários
casos profundos com outros instrumentos por aí.
Por causa de uma garota, dizem,
iniciou-se ao mundo dos Smiths e procurou o rock britânico.
Espalha-se por aí, por falta de melhores comparações
e por uma coceira incurável nas mãos dos "redatores
indies", que seu som é algo com pitadas de Bruce
Springsteen e T. Rex. O fato é que a primeira apresentação
de Pete foi num show de talentos de sua escola, Montville
New Jersey High School, em 1990, quando estava no segundo
grau. A história é confusa: diz-se que ele tocou
bateria e cantou ao mesmo tempo, outros falam que ele foi
recrutrado por duas bandas, dizem até mesmo que trocou
de bandas no momento final. Tem-se notícias que cantou
as músicas Talent Show, do Replacements, de nome nada
evocativo, e a Rocking in the Free World, do Neil Young. Entusiasmado
com a recepção neste primeiro show, bem estilo
adolescente estadunidense, Pete Yorn ganhou confiança
em seu talento e decidiu que mais tarde iria lutar pela sua
música.
Trovador não tão
solitário assim |
Antes
da luta de verdade, Pete Yorn foi dando pequenos passos,
como um menino comportado, mas ao mesmo tempo tentando
se aproximar mais e mais da realização
do seu sonho de viver música. Mudou-se para
Nova Iorque sob o pretexto de ter um diploma em Comunicações
na Syracuse University. Depois de formado, foi tentar
a sorte em Los Angeles, Califórnia, para ficar
mais perto da gravadora Columbia. Enquanto esperava
ser reconhecido tocando em vários cafés,
com uma paciência de monge budista e uma segurança
impressionantes, foi caixa de banco e assistente de
produção. Esteve nas bandas Million
e na Ours, mas decidiu que seu estilo solitário
de tocar era o que realmente queria. |
O plano, um tanto simplório,
parece ter dado certo. Um executivo senior da Columbia Records
insiste ter sido o primeiro a detectar o talento de Yorn através
de uma versão acústica de Life On A Chain. Um
dos um dos produtores do filme "Eu, Eu Mesmo e Irene"
também quer os louros para si, e espalhou por aí
que foi ele quem primeiro notou o trabalho do músico
no Café Largo e encomendou algumas músicas para
o filme. Strange Condition, umas das músicas enviadas,
entrou para a trilha sonora oficial da película, ao
lado de composições do Wilco (um dos preferidos
de Yorn), Foo Fighters, Ben Folds Five e Brian Setzer Orchestra.
Isso foi por volta de 1999-2000.
Nesta mesma época, Pete Yorn foi requisitado para participar
do segundo volume da trilha sonora da série Dawson's
Creek, com a música Just Another. Composições
suas também foram parar na série Felicity. Felizmente,
ele não se contentou em produzir músicas especializadas
para séries e resolveu presentear o mundo com um disquinho
seu.
O sonhado contrato com a Columbia
estava feito, e foram chamados figurões para ajudar
na sua estréia séria em estúdio: R. Walt
Vincent, Don Fleming e Brad Wood reuniram-se com o recém-descoberto
talento na garagem e no porão de Vincent. Diz-se à
boca pequena que Yorn encarnou o homem-banda e tocou praticamente
todos os instrumentos. Na verdade, ele recebeu, sim, uma pequena
ajuda da sua futura banda de apoio em shows, a Dirty Bird.
Apresento-lhes: Jason Johnson, guitarra, Terry Borden, baixo
e backing vocal, Joe Kennedy, piano-guitarra-backingvocal
e Luke Adams, bateria. A maioria desses já eram colegas
de Pete da época da universidade.

Pete Yorn and Dirty Bird
O boca-a-boca deu conta do
resultado deste trabalho: musicforthemorningafter, lançado
em março 2001, produziu um hype Internet afora. Pete
Yorn foi proclamado o salvador do rock por um dia e seu disco,
por ter um estilão lo-fi e espontâneo, foi considerado
seguidor do Guided By Voices. Outros disseram que ele ia na
onda do rótulo alt-country do Wilco. Esqueça
essas informações-confeito que fizeram o nome
do músico chegar aos seus ouvidos. O disco é
simplesmente espontâneo, uma captura de um momento de
harmonia proporcionada pela combinação de alguns
instrumentos e um vocal carinhoso e poderoso na medida certa.
A produção é somente suficiente para
deixar tudo dentro dos eixos e redondinho. É o pop
perfeito, que muitos procuram por aí, um disco meigo
e singelo. Acho que essa singularidade deve-se ao ensinamento
levado ao extremo: "um trabalho só estará
perfeito não quando não houver mais nada a ser
adicionado, mas sim quando não houver mais nada a ser
retirado". E parece que esse processo, no disco, foi
quase inconsciente.
A partir deste
inconseqüente ato de criar um disco, Pete
Yorn ficou mais requisitado do que nunca.
Queridinho das trilhas sonoras, suas
músicas foram usadas nos filmes "Eu, Eu
mesmo e Irene", "Shrek 2" e "Homem-Aranha". Em
novembro de 2001, lançou o single Life on a
Chain. Em 2002, mais dois singles: For Nancy e
Strange Condition. Trilhas sonoras? Mais duas,
também. Homem-Aranha com a
canção Undercover, deixando seu nome
ao lado de Strokes, Aerosmith, Hives e Jerry
Cantrel. A Estranha Família de Igby, com a
música Murray. O atribulado Pete
também gravou um cover de I Wanna Be Your
Boyfriend para o disco tributo ao Ramones
"We're A Happy Family - A Tribute To
Ramones". Como se não bastasse, teve
tempo de fazer parte do Stooges por uma noite e
mostrar o lado rock 'n' roll do "trovador
solitário". Ele acompanhou, na
bateria, Iggy Pop (claro), Howlin' Pelle Almqvist,
Mike Vigilant e Mike Watt nas músicas I
Wanna Be Your Dog, No Fun e TV Eye. O evento
aconteceu no Shortlist Awards, em Los Angeles,
cidade que parece mesmo ter adotado Pete
Yorn. Antes que se esqueça: Strange
Condition também apareceu em DVD nas
prateleiras das lojas, e Pete Yorn apareceu no
"The Tonight Show with Jay Leno" e
"Late Night with David Letterman", e
isso ainda em 2002.  Quem mandou gravar um
disco?
2003 viu-se
aclamado com o segundo disco de Pete. "Day I
Forgot", lançado em abril, teve como
primeira música de trabalho Come Back
Home. O título do disco já mostra as
contradições singelas na qual o
cantor está imerso. Em suas próprias
palavras: "É um disco de
memórias. Pode parecer estranho, mas quanto
mais eu tento esquecer uma coisa, mais eu lembro
dela". Só você, cara
pálida? Assombrando fantasmas
conscientemente, o segundo disco de Pete Yorn
não tem tanto brilho quanto o debut. Mesmo
assim, ainda é o mesmo lirismo de sempre,
em um disco mais compacto. Em vez do brilho
matinal, as canções cantam o fim da
tarde, aquele momento pouco depois da
preguiçosa siesta e pouco antes da neblina
que prenuncia uma noite tranqüila.
E a noite tranqüila chegou. Para fechar a trilogia
"manhã-dia-noite", 2006 trouxe o disco "Nightcrawler". O
álbum contou principalmente com a banda de apoio Minibar, da
Inglaterra, e a produção ficou por conta de Tony Berg e
Michael Beinhorn. Ainda sob a sombra de "musicforthemorningafter",
"Nightcrawler" deixa a desejar comparado ao charme pop do primeiro
disco, mas supera a timidez do "Day I Forgot". Enquanto isso, Pete
Yorn continua com as boas relações públicas. O
primeiro single lançado foi da música "For Us", que
conta com Dave Grohl na bateria. Esperemos outra manhã.
Natalia Vale Asari
Última
atualização: dez/2006
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