Difícil
acreditar que um palco com mais de vinte pessoas vestindo
togas brancas entonando canções ensolaradas
sobre a luz e o céu possa ser o local de uma banda
com raízes em um acontecimento trágico. Em outubro
de 1999, o guitarrista da banda texana Tripping Daisy, Wes
Berggren, foi encontrado morto em seu apartamento, vítima
de uma overdose de cocaína. A menos de um mês
do lançamento de um novo disco, a banda, que obteve
relativo sucesso em algum ponto dos anos 90, sentiu-se fraturada
com a ausência de uma de suas peças indispensáveis,
assumindo, em dezembro, o fim oficial de suas atividades.
O líder e vocalista Tim Delaughter, sua namorada e
manager Julie O'Doyle e o baixista Mark Pirro juntaram-se
a amigos para dar continuidade ao selo que haviam criado,
Good Records, onde lançaram em 2000 o canto do cisne
da finada banda, o póstumo "Tripping Daisy".
Em seguida, agregaram ao selo uma loja de discos no Texas,
de mesmo nome, onde comercializam até hoje discos das
mais variadas bandas.
Abalado com o fim de sua banda, Tim casou-se com Julie e teve
filhos, destino que tendia a traçar seus futuros passos,
uma vez que não mais buscava as luzes do estrelato
e uma vida de rockstar. A partir dali, Tim tocou o selo e
a loja, dividindo o seu tempo entre o convívio com
sua família e seus amigos e os momentos em que escrevia
novas canções ao violão. Embora mantivesse
sua veia artística viva, a música naquele ponto
existia única e exclusivamente por satisfação
pessoal e convívio com seus colegas músicos.
Delaughter percebeu que em suas novas incursões sonoras
ele comumente buscava as referências de sua infância,
nos sons que escutava quando era criança.
Na tentativa de reviver
os sentimentos de seu passado, Tim visualizou a possibilidade
de utilizar melodias grandiosas para alcançar
um formato que trouxesse sua idéia à vida,
mesclando as sonoridades infantis com altas doses de
pop sessentistas, influência constante de sua
finada banda. Os relatos que Tim fazia à esposa
e ao companheiro na Good Records Chris Penn a respeito
de sua fixação sonora fizeram com que
os dois agendassem com duas semanas de antecedência
um show do novo projeto de Tim, como abertura para a
banda Grandaddy – detalhe – sem que Tim
sequer soubesse e tivesse noção de como
materializar seus anseios. |
Tim Delaughter: "é
o sol, cumpadi" |
Tim então não
encontrou outra saída senão encarnar o Brian
Wilson de Pet Sounds e conduzir, no curto espaço de
tempo que dispunha, a formação do conjunto que
daria vida às suas canções. Reuniu treze
músicos na casa de um amigo, entre elas a esposa Julie
e o ex-baixista do Daisy Mark Pirro. No dia 15 de julho de
2000, após uma única semana de ensaios e criações
de arranjos subiu ao palco do Dallas' Gypsy Tea Room o Polyphonic
Spree. Como forma de evitar a dispersão visual causada
por mais de uma dezena de integrantes, foram criadas togas
brancas como um uniforme oficial, conferindo unidade ao conjunto
(gerando também uma série de comparações
equivocadas com seitas e religiões). A boa receptividade
que a banda recebeu do público espalhou a notícia
do "coral pop sinfônico" e, pouco a pouco,
outros músicos locais se aproximaram de Tim oferecendo
"uma harpista ou um tocador de tuba". Com o único
pré-requisito do talento e da comunhão musical,
novos participantes foram agregados à banda, até
que em seu formato final o número de integrantes chegou
a mais de vinte pessoas.
Em outubro de 2000, o Polyphonic Spree gravou uma demo em
dois dias, com o objetivo de utilizá-la como divulgação
para a obtenção de novos shows. Mas a crescente
pressão do público local para que uma gravação
fosse disponibilizada fez com que a própria Good Records
lançasse em 2001 a demo em caráter oficial.
"The Beginning Stages Of... The Polyphonic Spree"
deixou de ser demo e tornou-se o debut do grupo. Em março
de 2002 o rebuliço em torno da nova atração
local já atravessava fronteiras regionais e, com a
ajuda da internet, não tardou para que as recomendações
cruzassem os oceanos.

Toda banda precisa de um
líder |
Em outubro, fizeram
uma aclamada turnê pela Europa, sendo selecionados
por David Bowie para integrar seu Meltdown Festival,
tocando no tradicional Royal Festival Hall de Londres.
Platéias européias foram contagiadas show
a show pelas melodias alegres dos americanos, marcando
o sucesso e a instantânea receptividade com que
a nova banda de Tim cruzou as fronteiras.
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Já
o ano de 2003 marcou a rápida ascensão do conjunto
e sua supremacia entre os novos artistas, com seu álbum
sendo indicado em diversos veículos musicais do planeta
e seus shows marcados pela grande procura. Passaram em um
único ano por grandes festivais americanos (Coachella)
e europeus (Reading, Glastonbury), o que contribuiu com a
consagração entre os grandes artistas daquele
ano e os levou às revistas (e computadores) de ouvintes
do mundo todo.
"The Beginning Stages Of... The Polyphonic Spree"
foi lançado na Europa pelo selo 679 Recordings, o que
facilitou a sua distribuição e conseqüente
acessibilidade naquele continente. Ainda em 2003, recebeu
novos relançamentos, uma vez que a Hollywood Records
(selo das empresas Disney) assinou contrato com a banda e
editou versões com CD bônus nos EUA e DVD bônus
no Reino Unido. A popularidade da banda e a universalidade
de suas canções foram marcadas pela inserção
do single "Light And Day" no comercial da Wolkswagen/Apple,
veiculado em cadeias de TV americanas. Suas canções,
que falam sobre o sol e a prática de voar (muitas vezes
interpretadas como manifestações hippies ou
trilhas-sonoras de uma seita hipotética) parecem suavizar
as angústias de uma sociedade que inaugurou o século
em meio à guerra e atentados terroristas. O Polyphonic
Spree não deixa de encarnar um refúgio que o
povo americano busca em tempos obscuros como os que vive.
Together We're Heavy: Polyphonic
Spree em novos estágios |
Tim e
seus colegas retornaram ao estúdio em 2004 para gravar
seu segundo disco, "Together We're Heavy", junto
do produtor Eric Drew Feldman (que produziu "Jesus Hits
Like The Atom Bomb", do Tripping Daisy). O álbum
surge em meio a muita espectativa, por ser o primeiro registro
na nova gravadora e ter sido projetado como tanto, além
de cumprir com o dever de entregar aos ouvintes mais doses
de alegria em estado bruto embaladas por melodias sublimes.
Chega às lojas em julho de 2004 e, de acordo com os
anônimos usuários de internet que já escutaram-no,
cumpre com maestria a tarefa que, quem já escutou o
debut já sabe, não é para qualquer um.
Cabe agora ao Polyphonic Spree encontrar uma maneira rentável
de movimentar mais de trinta pessoas pelo mundo todo, fazendo
shows em diversos países, sem que isso signifique prejuízo
para a organização da banda. Afinal de contas,
Tim e Julie têm agora três bocas para alimentar
o que, convenhamos, não combina muito com luxúrias
de rockstars.
Vicente Moschetti
julho/2004 |