Jarvis
Cocker cultiva hábitos exóticos, a começar
pela sua estranha consciência de que "JC"
são as iniciais de um outro cara bem famoso. Além
disso, é atormentado por suas várias idéias
e tino artístico, sem contar com enorme capacidade
de desviar a atenção da sua música usando
os artefatos mais bizarros, como os tablóides ingleses.
E, como se isso não fosse o bastante, é capaz
de transformar letras imensas e histórias comuns em
hinos instantâneos, cantarolados por qualquer um em
cinco segundos e berrados a plenos pulmões em estádios
lotados.
Jarvis formou sua religião,
digo, sua banda, em 1978, na escola de Sheffield, sul de Yorkshire,
sob o nome de Arabicus Pulp - excêntrico nome tirado
de uma aula de economia e logo abreviado para Pulp. New wave
e glam, David Bowie e the Cure: esse foi o ponto de partida
para o então garoto de 15 anos. A princípio,
a formação era Mark Swift na percussão,
David Lockwood no baixo, Peter Dalton na guitarra e o Jarvis
Cocker na guitarra e nos vocais. O primeiro registro sonoro
feito por eles foi a canção Shakespeare Rock,
mas o primeiro trabalho conhecido foi surpreendentemente um
filme, projeto de universidade: "The Three Spartans".
Em 1979, Lockwood inaugurou algo que iria acontecer muito
durante a vida do grupo: abandonou seus companheiros e foi
substituído por Philip Thompson.
O Rotherham Arts Centre abrigou
o primeiro show do Pulp, em 1980. Foi então que a banda
começou a ser conhecida em South Yorkshire. Contando
com Jamie Pinchbeck no baixo e Wayne Furniss na bateria, o
Pulp gravou algumas de suas músicas e as distribuiu
por aí. O trabalho chegou aos ouvidos do saudoso John
Peel, e a música "What Do You Say" acabou
participando da compilação "Your Secret's
Safe With Us", de 1982.
O debut do Pulp saiu em 1984,
com o simples (e misterioso) nome de "It". Como
não poderia deixar de ser, o line-up já havia
sofrido mais alterações. Constam nos créditos
os músicos Simon Hinkler, David Hinkler, Wayne Furness,
Peter Boam, Saskia (irmã de Jarvis) e Gary Wilson.
Jarvis, como todo bom insatisfeito, não gostou muito
do rumo que o Pulp tinha tomado após o lançamento
de "It". Por um tempo, então, ele divagou
e se ocupou com teatro dadaísta, vários outros
projetos musicais, e até mesmo considerou começar
uma faculdade.
Os senhores Russell, Magnus
Doyle, Peter Mansell e Tim Allcard deram um chacoalhada em
Jarvis e o convenceram a retomar a banda. Foi uma época
de shows com experimentações intelectuais e
conceituais, leitura de poesias entre as músicas e
muito tomate do público pasmo com as mudanças.
Acostumem-se, jovens, nunca se atravessa o mesmo Pulp duas
vezes.

O Pulp nos primórdios
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Mantendo
o espírito de rotatividade da banda, Tim saiu
(talvez constrangido pelas leituras de poesia) e deu
lugar à irmã de Magnus, Candida. Diz-se
que no primeiro show com a moça o selo Fire Records
descobriu o Pulp. Como a boa sorte é sempre acompanhada
de uma onda de azar, Jarvis Cocker caiu de uma janela
e, quando pôde retomar os shows, ainda estava
de cadeira de rodas.
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E parece que a meiga Candida
também provocou outros estragos. Em apenas uma semana
de gravações, o Pulp criou o "Freaks",
o seu segundo LP. Os tons soturnos do novo trabalho chegaram
às lojas no ano de 1987.
O experimento sociológico
continuou. Se alguém ainda estiver acompanhado o folhetim:
Magnus e Manners saíram; Jarvis, Candida e Russell
continuaram; Nick Banks e Anthony Genn entraram. Os shows
cheios de parafernália também resistiram: "a
multi media cosmic tangerine experience", como o profético
Jarvis os chamava. Um belo dia, finalmente, eles perceberam
que o gelo seco, as árvores, os perfumes e o papel
laminado desviavam demais a atenção da música.
Mais do mesmo: Anthony Genn
abandonou o Pulp e foi visto anos mais tarde tocando "al
natural" em shows com o Elastica. As perspectivas não
eram boas em Sheffield, então Jarvis uniu o útil
ao agradável e foi estudar cinema em Londres. Tentando
dar um basta no troca-troca novelesco, Steve Mackey responsabilizou-se
pelo baixo do Pulp e não o largou mais. E, por volta
de 1990, o disco "Separations" já estava
pronto.
A gravadora ficou em um lenga-lenga
e só lançou o terceiro disco do grupos em 1992,
quando ele começou a dar sinais de que havia finalmente
engatilhado. Uma turnê no Reino Unido junto com a banda
St Etienne foi um marco para a expansão das fronteiras
do Pulp.
Com os membros estabelecidos,
foi a vez de migrar para o selo Island. Para aproveitar a
alta cotação, o primeiro lançamento pela
Island foi a compilação "Pulp-Intro - The
Gift Records". O quarto disco, "His 'n Hers",
de 1994, levou Pulp à indicação ao prêmio
viúva negra Mercury Music Awards, que felizmente eles
não ganharam naquele ano. Já grandinhos, foi
a hora de atravessar o canal da mancha e conquistar o continente
isolado. França, Holanda e Suécia foram os primeiros
agraciados.
A Fire aproveitou o ensejo
e lançou a compilação "Masters of
the Universe". Seguindo o espírito do título,
o Pulp sentiu-se impelido a conquistar os Estados Unidos com
o charmoso sotaque britânico, em uma turnê ao
lado do Blur. A música Common People veio sacramentar
a escalada. Hino do Pulp e clássico imediato, com uma
das inúmeras historinhas legais que Jarvis Cocker sabe
compor, foi figurinha obrigatória por todos os shows
da banda. No festival de Glastonbury de 1995 ficou claro o
quanto o público havia crescido: o coro nesta música
foi assustador. E olha que eles estavam esperando ver o Stone
Roses, e não o Pulp!
A fama não vem sem a
cama, e logo Jarvis entrou no alvo dos "imparciais"
tablóides ingleses. O single duplo "Mis-shapes"/"Sorted
for E's and Wizz", em uma das muitas viagens artísticas
do líder do Pulp, continha instruções
de como fazer embalagens para esconder drogas. Um escândalo,
óbvio, com direito a pegadinhas de paparazzi e o pior
do que o jornalismo é capaz de conceber. Impressa marrom
à parte, o que aconteceu de importante mesmo nesta
época foi a inclusão de Mark Webber, guitarrista
e tecladista, no Pulp. O curioso é que, antes disso,
a sua ocupação era presidente do fã-clube
do grupo.
Mais turnês pela Inglaterra
e outros carimbos europeus nos passaportes anteciparam o lançamento
de "Different Class", o quinto disco. Com as invenções
típicas do Jarvis, o álbum vinha com a arte
ao gosto do freguês, com 12 sabores diferentes de capas.
A divulgação do disco foi exaustiva e, no fim
de 1995, a suposta agenda sobrecarregada fez com que Jarvis
não tivesse mais forças para tocar o bis em
um show em Paris. Nick Banks foi quem acalmou a fúria
da multidão. Parecia que finalmente descobriu-se que
os outros membros da banda também eram importantes.

JC de encontro ao
sucesso
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Em janeiro
do ano seguinte, o Pulp retomou o fôlego para
poder invadir o Japão e a Escandinávia.
Entrementes, Jarvis e Candida ainda arrumaram tempo
para invadir o palco do então escandaloso Michael
Jackson e protestar contra suas "performances profanas".
A picuinha foi parar na polícia e o Pulp ganhou
publicidade por ser processado - ironia - pelo Michael
Jackson. |
A Fire, ainda com seu faro
para dinheiro, lançou então "Countdown",
uma coletânea que incluía músicas desde
1983 até 1992. A pendenga na justiça também
virou a favor da banda. A turnê nos Estados Unidos e
Canadá ganhou notoriedade e os shows lotaram. No fim
de 1996, aconteceu: o Mercury Music Awards foi entregue ao
o Pulp, prenúncio de tempos de vacas magras.
Depois disso, a banda passou
por um pequeno hiato, mas a aparente aposentadoria foi apenas
para a mídia, na verdade. Cansados de tanta correria,
pressão e Jacksons, eles deram um tempo nos holofotes
para fazer música do jeito que queriam e gostavam.
E longe dos jornais. Foi quando Russell Senior resolveu que
não ia agüentar mais, e retomou aquela antiga
tradição do Pulp: abandonou o grupo.
Os dias seguiram-se e o mundo
continuou a girar, com os membros do Pulp reunindo-se no estúdio
como assalariados cansados durante ano e meio. Em 1997, para
já seguir o caminho de contribuir com trilhas sonoras
(Trainspotting já havia sido agraciado com uma música
do Pulp), essas sessões renderam músicas para
os filmes Velvet Goldmine e Grandes Esperanças. O
grande retorno aconteceu na rádio XFM, com os músicos
brincando de DJs por um dia inteiro e fechando o programa
com o seu novo single, Help The Aged.
"This
is Hardcore", o sexto disco, foi lançado em 1998.
As mudanças na banda foram profundas e mostraram-se
na audição do novo trabalho. Nenhum hit imediato,
apenas músicas mais maduras. As vendas também
ficam aquém do que havia sido atingido com o disco
anterior. Para que ninguém diga que eles cuspiram no
prato que comeram: "This is Hardcore" abre com os
três últimos segundos de Bar Italia, a última
música do "Different Class". E, como não
poderia deixar de ser, a sociedade britânica ficou chocada
com a capa sugestiva.
Foi então que
o Pulp ousou mais uma vez. Começou a gravar
um disco com o célebre produtor Scott Walker.
"We Love Life", de 2001, continuou com o
frescor e o entusiasmo de sempre. Orquestras permeiam
todo o disco, e a preocupação com a
elaboração e trabalho das músicas
é evidente, coisa que não era tão
perceptível nos trabalhos anteriores.
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A Banda em "We Love Life" |
E, claro, o disco carrega aquele
estigma de distrair o público que Jarvis não
consegue evitar: uma porcentagem das vendas foi revertida
para causas ecológicas. De qualquer modo, política
à parte, as músicas falariam por si só.
Atualmente, o Pulp está
em mais um de seus períodos de hibernação,
uma das idiossincrasias de uma banda que teve diversas formações
e é sustentada por JC e suas idéias mirabolantes.
Jarvis disse recentemente que a banda ainda existe, e não
faria sentido "fazer drama por aí" e dar
declarações de que ela acabou. Em sintonia com
cinema, como é comum nos períodos de calmaria
do Pulp, Jarvis parece que vai contribuir com a trilha sonora
do novo Harry Potter. Esperemos que seja mesmo apenas um daqueles
hiatos típicos porque, desculpem a infâmia, We
Love Pulp.
Natalia Vale Asari
abril/2005 |