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2000
foi um dos anos-chave para a popularização
do Queens Of The Stone Age e para a transformação
dos caras numa das instituições sagradas
do Rock and Roll na primeira década do século
21.
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Alguns podem resmungar que isso se
deu após uma série de golpes baixos, sensacionalismos
e espetáculos cuidadosamente confeccionados para
a mídia, incluindo os strip-teases de Nick Oliveri
frente à platéias de dezenas de milhares de
pessoas (e eventuais passagens pela delegacia de polícia
por atentado ao pudor [mó puritanismo issaê,
hein?]) e músicas que só possuíam nomes
de drogas vomitados um após outro em sequência
brutal. A sorte do QOTSA é que, desconsiderando o
comportamento exibicionista e a ostentação
da Atitude "sou um junkie cool pra caralho", a
música que fazem justifica tudo e dá o desconto
necessário pr'esse excesso de fabricação
de imagens.
Após quase uma década de batalha
no underground, Josh Homme finalmente conseguiu o reconhecimento
de crítica e público com esse "Rated
R" e tomou o mainstream de assalto. O álbum
despencou nas lojas em 2000 causando alvoroço na
imprensa especializada, sendo comparado aqui e acolá
com "Nevermind" (meio nadavê issaê)
e ganhando reconhecimento de várias publicações
musicais, da mais conservadora à mais pesada (nota
10 na Bizz, KKKKK na Kerrang!, 9 na NME, coroado como melhor
álbum do ano na Bizz e na NME). Don't Believe The
Hype?
Durante a primeira metade dos anos 90, Josh
era guitarrista do cultuado Kyuss, que primava pela mistura
de um peso Black Sabbath-iano com doses de psicodelia e
jams de guitarra fenomenais. Quando começou a banda,
Josh tinha apenas 16 anos de idade e não deixou de
surpreender aos poucos que o ouviram pelos espantosos dons
que tinha no comando de sua guitarra, normalmente plugada
num cubo de baixo com a distorção no talo.
O Kyuss lançou 4 discos - entre eles os clássicos
cult 'Blues For The Red Sun' (1992) e 'Sky Valley´
(1994) - e encerrou suas atividades em 1996. Os destroços
se mostraram bastante férteis. O vocalista John Garcia
montou o ótimo combo de stoner metal Unida, o baixista
Nick Oliveri já tocava com os Dwarves de Seattle
e depois montou o Mondo Generator, o batera Brant Bjork
(membro também do Fu Manchu) fez um disco solo e
Josh Homme teve uma rápida passagem pelos Screaming
Trees (nenhum registro em disco), gravou uma série
de encontros jammísticos (o projeto Desert Sessions,
que vem produzindo uma catarata de discos nos últimos
anos) e formou, em 1997, o QOTSA.
Assumindo os vocais de sua nova banda, Josh
lançou com o Queens o tosco e clássico disco
homônimo de 1998 (lançado em terras brasileiras
pela Roadrunner). A inspiradíssima guitarra do mestre
continuava construindo riffs maravilhosos, as composições
ganharam em simplicidade e as letras passaram a ser mais
relevantes do que as do tempo adolescente no Kyuss. Josh,
ainda um pouco tímido e inseguro em seu papel de
vocalista, viria a se desenvolver consideravelmente como
vocalista daí em diante.
Dois anos depois e um bom contrato assinado,
o Queens Of The Stone Age voltou mudado. O ex-baixista do
Kyuss, Nick Oliveri, foi incorporado à banda e trouxe
de brinde o excelente agente de marketing que é seu
emblemático cavanhaque acoplado à sua carequinha
stipeana. 'Rated R', estréia da banda por uma gravadora
major, chegou muito bem produzido e certamente com maior
poderio comercial do que o debut. Enquanto o primeiro disco
dos caras soava como uma demo-tape gravada em um único
take numa garajona, o segundo disco traz intrincados e complexos
detalhes e efeitos de produção, a cargo do
grande Chris Goss, produtor de grande parte dos discos do
Kyuss.
"Feel Good Hit Of The Summer"
poderia ter sido a "Smeels Like Teen Spirit" da
banda, mas acabou não causando a esperada explosão
no mundo pop. Sobre uma guitarra nirvalesca e um esporro
gigantesco, Josh cospe nomes de drogas na música
de um verso só: "Nicotine, valium, vycodin,
marijuana, ecstasy and alcohol". Logo depois o lindo
refrão - "C-c-c-c-cocaineeeeeee!" - vem
pra coroar um hino do rock n' roll junkie. A falha da música
em estourar nas paradas acabou por fazer com que o principal
single do disco acabasse sendo "The Lost Art Of Keeping
A Secret", onde peso e melodia convivem pacificamente
numa das músicas mais pop da carreira da banda, com
Josh conquistando uma inaudita segurança em seus
vocais.
O disco segue com várias experimentações,
alguma psicodelia, guitarras chapadas por todo lado, muita
criatividade. Seja repetindo riffs à exaustão
que colam na cabeça ("Monsters In The Parassol",
"Leg Of Lamb"), seja com longas trips de guitarra
("Better Living Through Chemistry"), em música
instrumental acústica no violão de 12 cordas
("Lightning Song") ou fazendo punk rock modernoso
("Quick And To The Pointless" e "Tension
Head"), o QOTSA sempre se dá bem. Consegue ser
eclético sem soar heterogêneo e se constitui
como um dos raros casos de banda capaz de agradar igualmente
à fãs de pop-rock, punk e alternativo - e
até metaleiros mais cabeça aberta.
Em um disco rápido e enxuto - 11
sons em 40 e poucos minutos - o QOTSA gravou um belo testamento
do rock n' roll século 21, diversificado tanto em
termos de sons quanto no número de pessoas trabalhando.
São 3 vocalistas principais diferentes (Josh, Nick
Oliveri e Mark Lanegan), 2 bateristas, uma série
de backing vocals, caras tocando horns e pianos, violões
de 12 cordas e outras coisinhas mais. As faixas se ligam
umas nas outras, no famoso efeito Sgt. Peppers, que sem
dúvida dá um outro brilho ao álbum
e confere uma certa unidade ao todo. Algumas esquisitices
sem graça atrapalham um pouco o desenvolvimento do
álbum, como os metais que esticam "I Think I
Lost My Headache" para desnecessários 8:40 min,
mas nada muito comprometedor.
O show guitarrístico de Josh Homme
é uma das coisas mais suculentas do QOTSA. Considero
Josh como um dos melhores guitarristas do mundo em atividade,
fugindo do clichê que assola esses posers de merda
tipo Yngwie Malmsteen, Steve Vai e Satriani, com suas escalas
e escalas decoradas e repetidas à velocidade da luz
lá nas casas mais agudinhas, numa chatice punhetória
sem fim. Tomando como modelo um outro estilo de operar o
instrumento, mais minimalista, mais rock and roll, meio
à maneira de Ron Asheton no "Funhouse"
dos Stooges (disco que Josh admira profundamente), o cara
passa de solos graves a "barulinhos" com maestria
e cria paredes de som chapantes através da sobreposição
de guitarras, como um Kevin Shields do stoner rock. Fuderoso.
Com esse disco lançado e os elogios
arrancados da crítica, a banda conquistou a útil
simpatia de um fã famoso, Dave Grohl, que se auto-convidou
para ingressar na banda segurando as baquetas para gravar
'Songs For The Deaf' (2003). O QOTSA é hoje um cometa
em franca ascensão, recolocando o rock and roll barulhento
e de mensagem hedonista no meio do mainstream britneyrizado.
Só nos resta agradecer. E pedir mais.