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Review: Diorama

avaliação:

O Silverchair é a banda que não pode. Ao longo de sua carreira eles cometeram alguns "crimes" conforme o que está previsto no livro não-escrito das regras de credibilidade no rock. Senão vejamos: a) O vocalista é bonitinho e faz sucesso com as menininhas. b) eles não têm qualquer pretensão "indie" e jamais tomaram uma atitude simplesmente para mostrar para o mundo o quanto são alternativos.

c) não são bons marqueteiros. Por último e não menos importante: d) Sim, entre os pontos fracos de seus discos anteriores está o fato das músicas refletirem de forma muito direta as influências (leia-se Seattle + Helmet) do Silverchair, em alguns casos com semelhanças de riffs.

Obviamente, as três primeiras justificativas não passam de hipocrisia, mas não dá para negar que um pouco da rejeição do Silverchair vem disso. Já a última delas é verdadeira e por muitas vezes a banda foi justamente criticada. Agora, não dá para superdimensionar o que acontecia no início da carreira da banda quando os integrantes tinham 15 anos e jogar no lixo todos os trabalhos subseqüentes da banda se baseado sempre no mesmo argumento, ignorando previamente qualquer possibilidade de evolução. "Neon Ballroom", de 1998, já havia sido um disco mais consistente e amadurecido. E agora com "Diorama" o Silverchair apresenta o seu disco mais ambicioso e bem acabado, o melhor de sua carreira. Mas e daí? O Silverchair não passa de um Nirvana wanna be mesmo.

Não adianta, por mais que o Silverchair evolua e se supere a cada disco, sempre será visto banda do segundo time, como um mero aspirante à cópia de Nirvana ou Pearl Jam (sim, porque mesmo que Nirvana e Pearl Jam sejam entidades completamente diferentes, o Silverchair ora é chamado de cópia de um, ora de outro).

Indo direto ao que interessa, logo nos primeiros momentos de Diorama, em Across The Night, percebe-se que o Silverchair não estava brincando quando resolveu aprofundar o uso de arranjos orquestrais, fazendo a experiência com piano e arranjos de cordas do disco anterior parecerem meros flertes. E o arranjo orquestral de Across The Night é riquíssimo, cortesia de Van Dyke Parks, que entre outros trabalhos, participou das sessões do lendário Smile dos Beach Boys. Quando a melodia de Across The Night começa a perder o fôlego, a banda dá uma guinada e muda completamente num encerramento belíssimo. Across The Night foi escolhida como o terceiro single na Austrália, seria interessante ouvir uma música como essa no rádio.

E por falar em singles, Diorama está bem servido de hits, "The Greatest View" alia estruturas básicas de verso-ponte-refrão a outro arranjo inspirado, desta vez com guitarras em primeiro plano, com direito a solos em estilo Led Zeppelin. "Without You" também faz bonito, com suas guitarras supersônicas, e boa pegada de bateria. O refrão logo pega de primeira, mas talvez seja um tanto insistente demais. Outro destaque que "Without You" são as excelentes guitarras do trecho final. "Too Much Of Not Enough" também daria um bom single. Começa com violão até a entrada triunfante da guitarra. Na segunda parte, volta o violão e o ouvido já fica esperando a guitarra repetir a dose, só que na hora quem brilha é Daniel Johns que tira da manga um agudo inesperado. Aliás, como está cantando esse Daniel Johns! Ele oscila com facilidade do agressivo à delicadeza sem medo de explorar todo o seu alcance. O cara está como os jogadores de futebol que adquirem confiança e começam a se expor em jogadas de efeito. O problema é que as vezes se está sujeito a perder um lance por conta daquele drible a mais, no caso do vocalista, daquele agudo a mais. E Daniel até derrapa algumas vezes pelo exagero, mas nada que comprometa o resultado final do disco. (N.E. nada como escrever em dia de vitória consagradora do Inter. Mas sem analogias futebolísticas daqui para frente).

Diorama também tem seus momentos de peso. Mas pela sonoridade do disco, as músicas mais pesadas infelizmente são as que não se encaixam bem. Principalmente "One Way Mule", que soa um tanto forçada. Quase no final, o peso desaparece para mais uma repetição do refrão só com a voz, dedilhados de guitarra e cordas. Ali fica evidente que a música não exigia as guitarras pesadas, como se a banda tivesse optado pelo peso apenas para entrar em sintonia com seu passado. Já "The Lever" é bem melhor, talvez por naturalmente se parecer uma música mais típica da banda, com refrão claustrofóbico e andamento mais agressivo.

Há também muitas baladas, entre elas "Luv Your Life", que soa como uma homenagem ao Beach Boys naquele acompanhamento de "doo-doo-doo's" na melodia (ou uma referência a mais recente "At My Most Beautiful" do R.E.M., você escolhe). Daniel Johns está mais cativante do que nunca no refrão (mais 'doo-doo-doo' por sinal). "World Upon Your Shoulders" fica exatamente no limite entre o belo e o excesso de sentimentalismo. Já "My Favourite Thing" é daquelas que vai se revelando aos poucos, crescendo bem lentamente até um final grandioso. A ultra-meiga "After All These Years" é a faixa que encerra o disco, e só por isso não soa fora de lugar. Tem alguns momentos certamente bem bonitos mas fica no ar uma sensação perigosa de André Mattos-cantando-Kate Bush ou qualquer coisa que o valha.

Mas é inegável que a peça central do disco é "Tuna In The Brine", onde os arranjos orquestrais convivem com a música do Silverchair com mais harmonia. A música não segue estruturas convencionais do verso-refrão, seguindo num todo que vai surpreendendo o ouvinte a cada movimento mais inesperado da melodia. É daquelas músicas que quando chega na metade, já não dá para lembrar como começou, e muito menos imaginar como vai terminar. Parece mais longa do que os seus 5:40 dão a entender e em nenhum momento perde a atenção do ouvinte. "Tuna In The Brine" é provavelmente a música mais ambiciosa do Silverchair até aqui, e a banda deve estar orgulhosa do resultado.

Passado quase um ano de seu lançamento, já para perceber que Diorama não serviu para mudar o senso comum que tem da banda. O que é uma grande pena, pois fosse o mesmo disco lançado por uma banda mais conceituada, é possível que fosse um dos lançamentos mais festejado de 2002. Mas Diorama é do Silverchair e as pessoas sentem vergonha de ouvir Silverchair. Como se a satisfação pessoal fosse maior no respeito que o seu gosto musical gera em outras pessoas do que a satisfação pessoal por simplesmente ouvir música.

Eu gostei do disco. Mas não conte a ninguém.

Alexandre Luzardo
abril/2003