Dos
artistas mais representativos do rock dos anos 90, Billy Corgan
talvez seja uma das figuras com a carreira mais marcada por
mudanças. Impostas ou conscientes, desde os primórdios
dos Smashing Pumpkins elas se apresentaram constantes no seu
trabalho, deixando reflexos facilmente perceptíveis
nos álbuns gravados pelo guitarrista. Das guitarras
orquestradas de "Siamese Dream", passando pela grandiosidade
de "Mellon Collie And The Infinite Sadness" e pela
emotividade de "Adore", seus Pumpkins sempre se
mostraram um passo adiante aos demais – seus discos
não necessariamente obedeciam a tendências ou
se relacionavam estritamente com uma vertente musical. Eram
mesmo resultados da combinação entre os quatro
integrantes (ou seria apenas um?).
Famoso por seu suposto egocentrismo, Corgan
atravessou mais de uma década apontado como uma figura
autoritária, responsável por toda e qualquer
decisão que valorizasse ou prejudicasse os frutos produzidos
pelo quarteto. Se foi mérito dele a composição
de músicas tão delicadas como "Stumbleine",
foi também dele a culpa pela escolha de um teor tão
massivo de guitarras processadas em "MACHINA", o
último disco dos Pumpkins. Acima de qualquer coisa,
fosse o que ele fizesse, seu trabalho sempre se mostrou alvo
de sentimentos polarizados – o famoso "ame-o /
odeie-o" – por parte da audiência. Apesar
disso, Corgan sempre mostrou-se um artista convicto de suas
decisões, agarrando-se até o último suspiro
em suas obras, fosse com os louros do sucesso ou com o naufrágio
total.
Dentro dessa visão, talvez o sentimento
que mais deveria transpirar em seu primeiro trabalho solo,
"TheFutureEmbrace", fosse essa citada confiança,
uma vez que ele pôde desaguar sua música sem
intermediários, sem guerras de egos, sem necessidades
de acomodar imagens egocêntricas. Eis que o debut representa
um Corgan fiel à única lei existente em sua
carreira – a lei das mudanças, da ousadia –
porém, dessa vez, deixando transparecer uma certo receio
ao que está sendo apresentado. Optando por uma sonoridade
desassociada de seu perfil, o músico compôs músicas
de esqueleto simples, submetidas a um tratamento eletrônico
voraz. Tal abordagem fez de "TheFutureEmbrace" um
disco sintetizado, quase oitentista, gótico, resgatando
pelo menos duas fases de sua grande banda: as baterias eletrônicas
dos primórdios dos Pumpkins e a eletrônica onipresente
de "Adore". Imerso em tais recursos, nem tudo o
que se esperaria de um "primeiro disco solo do ex-líder
dos Pumpkins" é entregue, uma vez que o álbum
não atende às expectativas dos fãs moderados
de Pumpkins (inflamados com o fiasco do Zwan) e talvez não
tenha conteúdo suficiente para justificar-se individualmente
como um disco memorável. Na verdade, a famosa verve
musical de Corgan parece mascarada, retraída, talvez
um sintoma da comentada falta de confiança na capacidade
de produzir música nos mesmos patamares de inspiração
de outrora (o que ficou mais evidente com a inexplicável
tentativa de ligar o disco aos Pumpkins, através de
um anúncio de página cheia no jornal Chicago
Tribune no dia do seu lançamento oficial). Uma saída
pela tangente?
Isolando-o de todas as recorrências
que o rodeiam, "TheFutureEmbrace" prima pela necessidade
de seu autor localizar novos meios de expressão. Produzido
pelo escudeiro Bjorn Thorsrud e por Bon Harris, dupla que
já havia contribuído com a produção
de "Adore", o disco se auto-define nas primeiras
drumbeats de "All Things Change", faixa ligada pela
crítica ao shoegazer de My Bloody Valentine. Nela residem
muito mais as idéias de colagem de camadas sonoras
do que guitarras convencionais (e, lá pela sua metade,
nota-se que Corgan triunfa em aplicar nela os ensinamentos
de Kevin Shields). Poucas músicas tendem a cair como
uma luva nas aspirações de ouvintes que esperavam
reminiscências de "X.Y.U.": embora faixas
mais agitadas como "Mina Loy (M.O.H.)" e "Walking
Shade" recorram ao rock, a linguagem aplicada não
faz a menor questão de abrir concessões, onde
abundam as guitarras processadas e os ritmos notadamente artificiais.
Mesmo em "DIA", onde Billy conta com a contribuição
de Jimmy Chamberlin nas baquetas e Emilie Autumn no violino,
a sonoridade segue pasteurizada, sem os traços orgânicos
dos convidados. O mesmo serve para a inusitada cover dos Bee
Gees, "ToLoveSomebody", onde a voz do ilustre convidado
Robert Smith é soterrada por inúmeros efeitos.
Há uma necessidade de reclusão/preservação
dentro da atmosfera que o disco propõe, o que causa
estranhamento para o ouvinte acostumado a um músico
que chegou ao auge expondo suas entranhas. Ainda assim, faixas
como "Now (And Then)" e "I'm Ready" não
deixam de representar a boa vontade de Corgan experimentar
outras alternativas para sua música. Fica do disco
pelo menos uma canção para a posteridade, "Pretty
Pretty Star", onde o autor acerta melodias sensíveis
e chega muito próximo do que seria uma música
dos Pumpkins se eles não tivessem pendurado as chuteiras.
Ao seu modo, a faixa permite encontrar parentesco com canções
frágeis como "Sweet Sweet" e "Lily (My
One And Only)", dos tempos áureos dos Abóboras.
"TheFutureEmbrace" sobrevive plenamente
como uma iniciativa sincera, que reflete a tentativa de ampliação
de possibilidades e afastamento de seu autor das pressões
oriundas de sua trajetória anterior (principalmente
da mais recente, com o Zwan). Ele claramente se mostra como
uma entidade particular, talvez propositalmente afastada da
"maneira Pumpkins de fazer música" –
principalmente da fase que vai até o "Mellon Collie
And The Infinite Sadness". O trabalho tende a ser mais
facilmente aceito pelos que acompanharam o mergulho gótico
de de Corgan iniciado no "Adore". Talvez seu conteúdo
não seja tão frustrante para merecer a indiferença
que recebeu do público e certamente não é
sólido e desenvolvido o suficiente para figurar ao
lado dos grandes álbuns gravados pela ex-banda de Corgan.
Mas, acima de tudo, há intenções desbravadoras
e inconseqüentes de seu autor – e isso por si só
já o torna diferente do convencional que está
por aí.
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