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"Ei,
sabe o que eu emprestei de Fulano?", perguntei,
"O NYC Ghosts and Flowers, do Sonic Youth".
"Boa viagem", responderam. O disco mostra
um Sonic Youth diferente do que havia sido o Dirty,
ou Goo. Minha opinião sobre o que o SY criou
neste albúm é algo próximo de
"melodias-entorpecentes"; a música
vai, gradativamente, crescendo, tornando-se mais e
mais envolvente. |
Free City Rhymes começa fantasmabólica.
Sons dignos de um filme de ficção científica,
alguns outros sem distinção, e, por fim, uma
melodia agradável; vocal simples: apenas algumas
rimas livres. Assim segue até que termina, explode,
ao ponto de tornar-se ensurdecedora, sem vocais, mais e
mais, e novamente volta aos barulhos estranhos do ínicio
- faz menção de outra explosão, apenas
termina.
Renegade Princess tem ares
de filme de terror. Versos ditos um por vez, com calma,
por uma ou mais vozes ao mesmo tempo. Súbito, a música
muda - sua melodia torna-se rasteira, emergindo, com Kim
Gordon sussurrando "Make way for the midnight princess".
E os versos voltam a ser ditos e repetidos. A música
cresce, verso a verso, de forma estagnada, se é que
isso é possível, e antes que atinja o ápice,
ela quebra o ritmo, seguem-se barulhos, experimentalismos.
Nevermind (what was it anyway).
Instrumentos que seguem os vocais assim como são
cantados, e instrumentos que solam, um tanto quanto indiferentes.
A melodia muda uma vez, duas. Os versos "Boys go to
Jupiter become more stupider, girls go to Mars become rocks
stars", em berros ora contidos, ora não, de
Kim Gordon. A melodia muda mais uma vez, volta ao início.
E termina, com solos ainda indiferentes ao resto.
Small Flowers Crack Concrette,
suas primeiras notas, me trazem à mente cenas de
um mosteiro chinês. A letra é declamada. Como
uma lenda antiga, contada novamente. Lenda de aparência
envelhecida, de campos inesperados, que torna-se mais urbana,
e duas vozes cantam: "What didjoo expect? Another mystic
wreck?". A música torna-se por alguns momentos
ensurdecedora como Free City Rhimes, a letra volta a ser
declamada, barulhos no fundo, junto à melodia, que
me lembram monitores em mal-funcionamento.
Side2Side é a música
mais estranha do disco. Kim Gordon é ouvida proclamando
alguns versos, algumas palavras, vozes que acumulam-se umas
sobre as outras. E a música vai aumentando a intensidade,
aumentando, mais e mais, até que termina, sem aviso,
sem explosão.
StreamXSonic Subway tem um
melodia bastante interessante. Ela é rápida,
a intensidade também cresce bastante lá pelo
meio, faz menção de explodir (aliás,
o som que se ouve é algo parecido com uma sirene,
depois que alguém apertou o botão de "auto-destruição"),
e, quando atinge seu ápice, quebra bruscamente tudo
o que acontecia e regride ao ínicio, terminando tão
rápido quando Side2Side.
NYC Ghosts and Flowers, a
faixa que dá nome ao disco, é um grande seqüência
de sensações, em uma letra que pode ter muito
mais do que apenas um significado. Em tom de discurso, seguem
os vocais, tornam-se melódicos, e voltam às
falas. "Impersonating real men / not knowing who they
really were", diz a letra, e a música aumenta
lentamente a intensidade, como vinha fazendo de modo tímido
do ínicio. Desta vez não termina rapidamente,
não volta-se ao começo - a música torna-se
uma apoteose de sons, ensurdecedora até que os vocais
acabam, sons que parecem pulsação. E continua
cada vez mais barulhenta, cai a intensidade, como um degrau,
e mais um degrau, encerrando.
Lightnin' é
algo entre: "Acabou, o que você ainda está
esperando?" e "Já viu demais. Agora tem
que ser eliminado". É o último suspiro
do disco: instrumentos de sopro, muitos barulhos, "lightnings"
cantados no meio de tudo isso. E é o fim. Os efeitos
podem variar, tanto quanto as pessoas que o escutem. Beethoven
afirmava que um bom músico é aquele que consegue
fazer o ouvinte sentir-se como músico sentia-se quando
fez a música. E o Sonic Youth, se era o que sentiam,
conseguiram com louvor.