A
adolescência é engraçada - e não
somente pelo pipoco das espinhas pela cara, dos pêlos
pelo corpo e da Vozona de Macho na garganta, mas pelo monte
de contradições e desejos conflitantes que fazem
essa época tragicômica da vida: que adolescente
sabe ao certo o que quer ser? Olhando para trás, em
direção aos discos que mais marcaram essa época
de pesadelo que é a adolescência, acabo por descobrir
altas contradições musicais... Eu parecia dividido
em pelo menos dois "eus" (mas é claro que
eram muitos mais!): um lado meu tinha aquele ímpeto
rebelde e iconoclasta e se sentia atraído pelas Bestialidades
Sonoras, pelas guitarras imundas, pelos gritos e urros mais
raivosos – música que tinha aquela indispensável
característica de fazer todas as "pessoas normais"
ficarem loucas de raiva e reprovação - e com
dor de ouvido, claro. Já a tendência melancólica,
a inevitável tristeza que por vezes dominava, solicitava
algo de mais doce, carinhoso, amável... Na minha prateleira
de CDs, conviviam sem briga os discos do Slayer, do Iron Maiden
e do Nirvana com os do Belle and Sebastian, do Radiohead e
do Teenage Fanclub... Os primeiros, ouvidos no volume máximo,
pra infernizar os vizinhos e a família, só pra
dar provas de rebeldia. Os segundos, secretamente apreciados
no escuro, com fones-de-ouvido e por vezes vergonhosas lágrimas
inseguráveis. Através da música, era
dada a mensagem para o mundo lá fora: ou te ensurdeço,
ou não te escuto...
O Teenage Fanclub foi uma dessas
bandas que mais marcou a minha adolescência, uma das
que eu adorei com mais fanatismo, uma das que fizeram aqueles
anos de pesadelo um pouco mais suportáveis, um pouco
menos sombrios... Eu suspeito que aquilo que os jovens dos
anos 60 descobriram ouvindo Help!, Rubber Soul, Sgt. Peppers
ou Pet Sounds, eu descobri ouvindo Grand Prix, Bandwagonesque
e Songs From Northern Britain. O quê? A banda pop perfeita.
Com tudo redondinho e impecável, sem uma nota fora
de lugar, sem uma mínima desarmonia pra incomodar:
música praticamente impossível de não
curtir na hora, sem pensamento, sem juízo, na simpatia
mais espontânea. Depois da experiência Teenage
Fanclub, tirei pra mim uma lição que uso até
hoje pra julgar a música: se eu tenho que pensar pra
decidir se uma banda é boa ou não, essa banda
tem muita chance de não ser realmente boa. Com o Teenage
Fanclub eu nunca precisei pensar ou “procurar razões”
para justificar se a banda era boa ou não: gostava
de cara e pronto – e quem precisa outra razão
a não ser o sentimento?
Esse quarteto escocês
de Glasgow nunca explodiu comerciamente em lugar nenhum (e
mesmo nos EUA é banda pequena, que nem tem certos de
seus discos lá lançados), mas conseguiu compensar
a falta de sucesso nas paradas com a conquista de um séquito
de fãs extremamente fiel. São poucas as pessoas
que chegam a conhecer o Teenage Fanclub; mas dessas poucas,
são muitas as que passam, daí em diante, a chamá-la
de Banda da Minha Vida...
Os caras foram pescar nos anos
60 e 70 as maiores inspirações para o seu power-pop
guitarrento e doce, erguendo, em plena década de 90,
um monumento estupendo em homenagem aos seus heróis
do passado: principalmente os Quatro Bês (Beatles, Beach
Boys, Big Star e Byrds), mas também gente como Neil
Young, Gram Parsons, Badfinger, entre outros. O nome da banda
já entregava a intenção: o Fã-Clube
Adolescente compunha melodias grudentas em adoração
ao pop-perfeito do passado, com nenhuma intenção
"revolucionária" ou "vanguardista".
E confesso que por vezes eu chegava a pensar que o que eles
fizeram, muito mais do que somente um ato de adoração
a grandes bandas antigas, era... superação.
Sim: cheguei a me convencer,
com aquela tradicional pagação-de-pau exagerada
característica de todo fã adolescente, que o
Teenage Fanclub tinha superado qualquer banda dos anos 60
em termos de perfeição pop. Hoje já não
tenho tanta certeza, e nem me importo em ter - afinal, não
é preciso escolher entre o Teenage Fanclub e os Beatles,
por exemplo, quando se pode ter os dois... O fato é
que o TFC permanece ainda hoje como a principal referência
do Revival do Power Pop nos anos 90, e é banda ainda
insuperada por tantas outras bandas que tentaram fazer o mesmo
(Posies, Matthew Sweet, Cosmic Rough Riders, Shins, Sloan,
Ash, Brendan Benson...). E permanece o mistério: como
é possível que o Teenage Fanclub, essa banda
tão irresistível, não tenha vendido milhões
de cópias e se mantenha ainda hoje como uma banda cult
de baixas vendagens?
Grand Prix, segundo a opinião
quase unânime dos fãs, é a obra-prima
- se bem que haja quem prefira o lado mais "sujo"
dum Bandwagonesque ou Thirteen, discos com um peso maior nas
guitarras distorcidas, ou os discos mais "fofos"
e baladeiros que virão depois, como Songs From Northern
Britain e Howdy!. Mas Grand Prix, com sua produção
cristalina, com suas guitarras menos feedbackadas e microfonadas,
com seus vocais perfeitamente harmoniosos, com seu trabalho
de equipe muito bem coordenado, é onde está
reunida toda a verve dos Teenages. Um disco um tanto "humilde",
sem dúvida, que não se propõe a salvar
o mundo, fazer espetáculo, revolucionar o rock ou instaurar
uma nova vanguarda - e retrô, também, sem nenhuma
grande ousadia... Mas eu não vejo como reclamar de
um disco desses por ser um tanto “revisionista”
e por soar como coisas que já ouvimos antes, pois tudo
por aqui é inspiradérrimo, apaixonado, sincero,
borbulhante de vida e de sentimento...
O ano era 1995, no miolo de
uma década um tanto cínica e sombria, que tinha
sido dominada até então pelo niilismo anárquico
e suicida de Kurt Cobain e pelo punk ensombrecido de Seattle.
Tempo de sombras. E o Teenage Fanclub ousou cometer um disco
que ninguém ousava então: cheio de silly love
songs cantadas sem um pingo de ironia, de cinismo, de rebeldia
ou de escuridão. Esse quarteto de Glasgow, composto
por jovens bem-educados e certinhos, não tinha nada
a ver com a imagem do rock-star cabeludo, fedido, bêbado,
auto-destrutivo e comedor de groupies - chegaram mostrando
que havia espaço para a doçura e para a delicadeza
no rock dos 90. "Música de mariquinha!",
alguns vão dizer... Mas quem disse que só os
Machões marcam a história do rock? Bobagem.
Na década da descrença, o Teenage Fanclub veio
e disse, sem vergonha: acreditamos no Amor, na Honestidade
e na Gentileza! Divindades que estavam, naquela época,
tão fora-de-moda... Fora-de-moda, sim, mas a moda é
algo que não dura: e as divindades cultuadas pelo Teenage,
no fundo, são atemporais e sempre terão seus
cultuadores. E eu não me importo de estar entre eles.
Tudo bem que há momentos
não-tão-perfeitos em Grand Prix, principalmente
por causa das músicas do Raymond McGinley, o menos
talentoso dos três compositores da banda. Sempre achei
que o Norman Blake e o Gerard Love teriam feito melhor se
tivessem barrado as composições de Ray, as três
que eu menos gosto no disco ("Verisimilitude", "Say
No" e "I Gotta Know"). Apesar de serem perfeitamente
audíveis e agradáveis, elas empalidecem em comparação
aos grandes clássicos, que são mesmo da dupla
Blake e Love (ouso dizer: o equivalente noventista ao Lennon
e McCartey do passado). Infelizmente, Raymond não é
o George Harrison do Teenage Fanclub. Minhas prediletas, até
hoje, são "Sparky's Dream", com seu idealismo
romântico exagerado, "I'll Make It Clear",
com sua ingênua simplicidade, e, óbvio, o clássico
dos clássicos, "Neil Jung", talvez a melhor
pepita da história do power pop e séria candidata
à Música da Minha Vida...
E as letras, que muito crítico
sério considera o ponto mais fraco do Teenage Fanclub,
podem mesmo parecer um amontoado de clichês românticos.
À primeira vista, os escoceses não trouxeram
nada de extremamente original ao formato, usado e re-usado,
da canção de amor. Mas nunca me importei muito
com isso. Tudo parecia sincero, e era o que importava. E eu
me lembro bem o quanto os caras do Teenage Fanclub conseguiam,
por vezes, expressar exatamente o que eu tava sentindo: decepção
por não conseguir concretizar certos platonismos ("It
gives me pain when I think of you / And the things together
we'll never do..."); cansaço e melancolia derrotista
("You're tired and you're broken / Your true feelings
remain unspoken / You couldn't hide behind your name"...);
sonhos amorosos bobalhões ("Just someting simple
and unaffacted / We're getting closer than we expected...");
sem falar nas frases bobocamente românticas, mas que,
num tinha jeito, eu gostava ("Love is easy to define
/ Mine is yours and yours is mine / Through the pain, through
the pain...").
Sim, já cheguei
a desprezar o meu Teenage Fanclub, a achar que era uma banda
"bonitinha demais pra ser verdade", a encostar os
CDs no fundo da gaveta e deixá-los tomando pó...
"Lixo kitsch! Música de marica!", dizia nos
meus momentos mais rebeldes. Mas o fato é que sempre
que eu ponho algum disco deles pra ouvir, e em especial o
Grand Prix, isso me faz um bem danado: a vida fica instantaneamente
mais leve, mais fácil, mais simples. Sem falar do prazer
da memória: talvez os momentos de maior alegria da
minha adolescência inteira tenham se dado ouvindo o
Teenage Fanclub, esse refúgio musical contra as tempestades
do mundo... Se eu pudesse escolher morar dentro de um disco,
me exilando numa Casa de Música, esse seria provavelmente
o meu escolhido. Como não posso, me contento em ir
até esse Poço de Doçura que é
o Grand Prix e pegar pra mim, vez ou outra, um pouco de alegria
- com meu balde furado...
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