O
Velvet Underground foi, inegavelmente, uma das bandas mais
importantes e influentes já surgidas. Originais em
seu tempo e cultuados hoje em dia, a banda de Lou Reed praticamente
criou uma cultura para o rock ‘n’ roll, inserindo
valores insuspeitados até então e tornando-se
uma referência para 9 a cada 10 bandas que tenham qualquer
pretensão de soar alternativa após ela. Coverizados,
citados e copiados, artísticos e malditos, geniais
e chapadaços, cult para a maioria e no mínimo
familiar para o resto, a influência e a importância
histórica da banda é difícil de traduzir
em palavras, pois está presente em todos os aspectos
e obscuridades da música contemporânea.
Lou Reed e Sterling Morrison
eram amigos na Syracuse University nos anos 60 em Nova York.
John Cale, que nasceu no país de Gales, se juntou a
eles em 1963 para formar um grupo que tirasse do papel as
letras que Reed costumava escrever. Como um trio chamado The
Primitives, a banda gravou uma demo de 4 músicas que
possuia Heroin e Venus in Furs em seu tracklist. Enquanto
procuravam mercado no Reino Unido, onde a demo teve alta circulação,
uma oportunidade surgiu no terreno de casa: o promotor Al
Aronowitz ofereceu a eles a abertura de um show do Myddle
Class, uma das bandas que ele cuidava. Aceitando a oferta,
Reed, Morrison e Cale saíram atrás de um baterista.
Reed lembrou de um colega seu de faculdade, Jim Tucker, cuja
irmã que era baterista: Maureen Tucker aceitou o convite
e estava fechada a formação do grupo, que tinha
Lou Reed na guitarra e vocais, Morrison também na guitarra
e Cale no baixo. A essa altura, o nome The Velvet Underground
já tinha sido instituído, tendo sido tirado
de um livro de ficção barata popular na época.
Aronowitz ficou impressionado
com a performance da banda e conseguiu novas apresentações
para Reed e seus companheiros, e assim começava para
o mundo a história do Velvet Undergound. Enquanto os
Beatles ainda estavam na fase do iê-iê-iê
e a surf-music inocente fazia sucesso nos EUA, ou seja, a
música ainda era um tanto quanto boba e sem maiores
pretensões, o Velvet logo de cara quebrou estes conceitos
reinantes querendo fundir arte e loucura em sua música.
Um exemplo do impacto que a banda gerava foi sua expulsão
do Cafe Bizarre, no Greenwich Village. Isso foi devido à
insistência em tocarem a música The Black Angel’s
Death Song, o que havia sido proibido pelos donos do lugar.
O Velvet não apenas ignorava essa ordem como também
apresentava versões extendidas da canção.
Mas as apresentações no Cafe Bizarre renderiam
um encontro fundamental para a história da banda e,
porque não, para a história da arte pop. Foi
numa das últimas apresentações do Velvet
neste local, em 1965, que um grupo local de artistas underground
compareceu para assisti-los.
A idéia tinha
sido de Paul Morrisey, um dos cineastas do grupo. O
líder, o artista plástico Andy Warhol,
gostou do que viu e ofereceu ao Velvet uma parceria
com seu grupo artístico, que ele chamava de The
Fabric (ou The Factory), no qual, ao lado de diversos
artistas marginais, ele produzia filmes, teatro, exposições
e música. |
O Velvet Underground fotografado
por Lisa Law,
em Los Angeles, maio de 1966 |
Bancados pela Fabric, a banda
poderia produzir seu primeiro disco. A proposta era irrecusável,
e, a princípio, somente uma coisa incomodava Reed e
seus amigos: Warhol insistia para que eles incluíssem
em seu line-up um quinto membro: a atriz e modelo alemã
Christa Paffgen, mais conhecida como Nico. Nico, cuja participação
mais famosa no cinema foi no filme La Dolce Vita de Fellini,
também gostava de cantar e a idéia de Warhol
era fazer sua voz gélida ser o vocal único da
banda. Por fim, o grupo aceitou a idéia e ficou combinado
que Nico cantaria algumas canções e tocaria
tamborim quando não estivesse cantando. Sucessivamente
limada por Lou Reed, Nico acabaria protagonizando somente
três canções no debut da banda.
Finalmente então o Velvet
começou a gravar seu primeiro disco, em abril de 1966,
no TTG Studios, na Califórnia. Seu lançamento
não ocorreu logo após findadas as gravações:
devido ao pesado conteúdo lírico, a musicalidade
pouco convencional da banda e até a controversa capa
da banana bolada por Warhol, o disco encontrou resistências
e só conseguiu ser lançado no começo
de 1967. Sua repercussão foi irregular: enquanto algumas
publicações o consideravam revolucionário,
o público em geral não entendeu e as vendas
fora baixíssimas, com as lojas de Nova York retirando-o
das prateleiras logo a seguir. De qualquer modo, reza a lenda
que as poucas pessoas que ouviram o disco formaram suas bandas
logo depois, empolgadas com a proposta artística que
ouviam pela primeira vez, onde a fácil assimilação
e os atalhos para o sucesso não eram os objetivos primários
a serem atingidos. Pode-se dizer que o conceito de underground
adquiriu sentido a partir de aí. Mesmo que a banda
acabasse logo a seguir e “Velvet Underground and Nico”
fosse seu único álbum, o grupo de Lou Reed já
havia escrito de maneira definitiva e indelével seu
nome na história da música.
Nico e Lou Reed |
Para
se ter uma idéia do alcance e atemporalidade
do debut da banda, basta lembrar de onde veio a inspiração
para o nome da revolução checa que em
novembro de 1989 derrubou pacificamente o regime comunista
daquele país: Velvet Revolution. Seu tracklist
hoje em dia parece uma coletânea: estão
lá clássicos como Heroin, All Tomorrow’s
Parties, Femme Fatale e Venus In Furs. |
Warhol, que aparece
creditado como produtor do disco, tinha mais planos de como
a Fabric podia aproveitar o Velvet. Foi então que ele
criou um espetáculo musical-teatral para as apresentações
da banda, que incluia dançarinos, luzes, projeção
de filmes e outras psicodelias. Paul Morrisey sugeriu que
o espetáculo deveria se chamar “The Exploding
Plastic Inevitable” e logo eles partiam para apresentações
pelos EUA e pela Europa, sempre deixando um rastro de extâse
e espanto atrás. Surgiram também boatos sobre
envolvimentos amorosos de Nico com Cale e Reed, e também
nessa época começou a polarização
em torno destes dois membros, que pouco a pouco destruiria
o grupo.
Nico
viria a deixar a banda logo depois, expulsa por Lou
Reed. Andy Warhol também começaria a
se desinteressar, descontente com os sinais de discórdia
que nasciam. Fora do Velvet, Nico teria um caso com
Iggy Pop, participaria de mais alguns filmes e lançaria
4 discos solos, antes de falacer em 1988, vitima de
um aneurisma cerebral. |
Cartaz anunciando uma apresentação
do The Exploding Plastic Inevitable |
Já Andy Warhol sofreria uma tentiva de homicídio
em 1968, escreveria uma biografia, apresentaria programas
de televisão, pintaria mais quadros e viria a falecer
em 1987, após uma operação de vesícula
aparentemente bem sucedida.
Em setembro de 1967, a banda
voltou aos estúdios para a gravação de
um novo disco. Dessa vez o local escolhido para a gravação
foi o Mayfair Studios, em Nova York, com Tom Wilson (que já
havia trabalhado no primeiro disco) como produtor. “White
Light / White Heat” foi lançado pouco depois,
e, apesar de ser mais uma obra fantástica, teve retorno
comercial ainda menor do que o de “Velvet Underground
& Nico”. Definitivamente, o Velvet estabelecia-se
como uma banda à frente de seu tempo e que viria a
ter sua genialidade devidamente reconhecida somente após
alguns anos. O disco foi gravado ao vivo em alguns trechos
e com o volume no máximo na maior parte, com a banda
abusando de experimentações e distorções.
Destacam-se a faixa título, Here She Comes Now e a
epopéica Sister Ray.
Pouco tempo depois, o difícil
relacionamento entre Cale e Lou Reed atingiu o limite, e Cale
deixou a banda para seguir carreira solo. Para seu lugar,
foi chamado o multi-instrumentista Doug Yule. No final de
1968, a banda voltou ao estúdio TTG, na Califórnia,
para a gravação de um novo disco. Lançado
no começo do ano seguinte e com o simples nome de “The
Velvet Underground”, este terceiro álbum apresenta
uma face mais leve da banda. Definitivamente sem a influência
de Andy Warhol (que havia rompido com Lou Reed logo após
o lançamento de “White Light / White Heat”)
e sem a disputa de egos entre membros, o Velvet já
era praticamente uma banda de apoio para Lou Reed, que registrava
faixas clássicas como Candy Says, What Goes On, Pale
Blue Eyes e Beginning to See the Light. Em função
disso tudo, um público maior começou a prestar
atenção ao Velvet.
Em 1971, novo trabalho de estúdio,
dessa vez sem Maureen, que estava grávida e impossibilitada
de tocar. Billy Yule, irmão de Doug, assumiu as baquetas.
“Loaded” conta com grandes canções
como Sweet Jane e Rock & Roll e potencial para difundir
de vez a banda para as massas. A impressão é
que o Velvet Underground estava prestes a se tornar a maior
banda do mundo, se não fosse o fato de que, pouco antes
de seu lançamento, Lou Reed havia pulado fora do conjunto
que ele criara.
Capa de um bootleg contendo a
apresentação de Nico, Lou Reed e
John Cale em Paris, 1972 |
A banda,
sem Reed e com Doug Yule se tornando o novo líder,
resolveu continuar fazendo turnês. Gravaram um
disco em 1972 chamado “Squeeze”, que nem
costuma ser considerado como parte da discografia irretocável
do Velvet Underground. Neste ano aconteceria a primeira
reunião entre membros originais do Velvet após
o fim não-oficial da banda (a saída de
Reed): em 29 de janeiro, Lou Reed, John Cale e Nico
fizeram juntos um show no Le Bataclan, em Paris. |
Alguns dos lançamentos
póstumos foram os discos ao vivo “Live at Max’s
Kansas City”, “1969” e “Live MCMXCIII”.
Esse último é fruto de uma reunião dos
quatro membros originais para um mini-turnê pela Europa
em 1993, cujas apresentações foram consideradas
decepcionantes, pois o relacionamento entre eles no palco
ainda era visivelmente frio e distante. De qualquer modo,
foi um evento histórico: diz-se que nessa mini-turnê
o Velvet Underground foi mais prestigiado e ovacionado do
que havia sido em toda sua carreira. Sterling Morrison viria
a falecer logo depois, de causas não reveladas. Coletâneas
como “VU” e “Another View” também
foram lançadas e pouco a pouco a banda foi ganhando
o status de a mais importante já surgida nos EUA, e
uma das mais influentes de nosso tempo. Lou Reed mantém
até hoje uma bem sucedida carreira solo, tendo gravados
clássicos como “Transformer” e “New
York”. John Cale lançou também diversos
discos solos após sua saída da banda. Cale e
Reed gravaram novamente juntos em 1988: “Songs for Drella”
é um álbum em homenagem a Andy Warhol, que havia
morrido um ano antes.
Fabricio Boppré
out/2003
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