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Esqueça tudo o que
você vem escutando. O importante agora é você conhecer
o último disco do Wilco. Yankee Hotel Foxtrot é um
disco fora do comum. Pelo menos o comum atual. Lembra
daqueles discos que você acha em qualquer lista de
melhores de todos os tempos? Pet Sounds, Revolver,
Blonde On Blonde, Velvet Underground And Nico...pois
é, YHF estará nessas listas nos próximos anos. |
Por ser um disco diferente, empolgante
e criativo. Pela banda ter tido dificuldades de lançá-lo,
mas bravamente o fez e hoje colhe os frutos de um reconhecimento
artístico enorme, merecidamente.
Gravado em 2001, o disco seria lançado no fatídico 11 de
setembro, mas, horrorizada com o que ouviu, a Warner travou
o lançamento. O contrato da banda foi rescindido e o disco
acabou vazando na internet. Logo se espalhou notícias sobre
a qualidade do material, entrando em várias listas de melhores
do ano sem nem ter saído. A Warner tentou recontratar a
banda, mas não teve sucesso. Jeff Tweedy e companhia se
mandaram para a pequena Nonesuch, que - ironia do destino
- é distruibuída pela Warner. O disco saiu e novamente o
Wilco marcou presença nas listas de fim de ano. Dois anos
seguidos e com o mesmo disco.
Jeff Tweedy é, sem dúvida. um ser humano especial. Não faz
o gênero clichê de artista sofredor. Você pode se identificar
com suas letras, que são doídas sim, mas são reais. É um
compositor genial, que sabe que além de boas letras, também
são necessários bons refrões. E isso não falta na sua obra.
Já no excelente Summerteeth ele provou que tinha deixado
pra trás o rótulo alt-country de A.M. e Being There. O Wilco
não pode ser rotulado, é apenas bom pop. Aqui temperado
com barulhos, ruídos e alguma eletrônica, cortesia do multi-instrumentista
Jim O´Rourke, que também vem realizando um bom trabalho
com o Sonic Youth. Mas, definitivamente, são 11 singelas
silly love songs.
Um piano esquisito abre o disco. É "I Am Trying To Break
Your Heart" (que deu nome a um documentário sobre as gravações).
O Violão aparece, junto com um baixo dissonante. A bateria
aparece às vezes e Tweedy começa a cantar, de maneira desleixada.
O piano faz o riff, e tudo fica psicodélico ao extremo.
Nos 4 minutos de música chega o refrão. Jeff ainda sobe
o tom para cantar com emoção a última estrofe, já ao som
de ruídos esquisitos ao fundo. Depois de 6 minutos, um final
anti-pop. Alguém canta "I´m The Man Who Loves You". Um delay
chora e termina. Começa "Kamera", a segunda canção, bem
pop. Lembra Big Star. Depois de tentar quebrar um coração,
Jeff afirma: "No, it´s no ok". Mas é uma canção radiofônica.
E o tom de voz continua baixo. Ainda mais em "Radio Cure".
Bem arrastada, aqui Jeff admite de vez que há um problema.
"There is something wrong with me". O refrão aparece tímido.
Quando aparece de novo já aumenta o astral. E na terceira
vez, tudo explode, entra a bateria o teclado deixa tudo
mais "pra cima". É como se o vocalista tivesse acordado,
depois de cantar as duas primeiras faixas cochilando.
"War On War" já vem na empolgação. Levada nos violões, simples
(3 acordes), com um teclado bizarro zunindo até o piano
entrar e fazer a melodia. É alegre, psicodélica e você fica
com a letra na cabeça: "You have to lose/you have to lose/you
have to learn how to die/if you wanna wanna be alive/you
have to die". Uma das melhores canções pop feitas nos últimos
anos. Não é a melhor. Até porque a melhor é "Jesus, etc",
imbatível. Levada no piano e no violino é triste e adorável.
Tem outro refrão inesquecível. Jeff canta delicada "tall
building shakes/voices escape singing sad sad songs/tuned
to chords strung down your cheeks/bitter melodies/turning
your orbit around". Uma guitarra steel ainda entra e deixa
tudo com um clima country delicioso, que lembra coisas boas
do Neil Young. O violino sola no final e é capaz de levar
alguém as lágrimas. "Ashes Of American Flags" pega pesado
na lisergia. É estranha pra caramba, e genial. "I could
spend three dollars and sisty cents/on diet coca-cola and
unlit cigarettes". O refrão comove de novo. "I know i would
die if i could back new". Mas mesmo assim, "i want a good
life with a nose of things(...)to enjoy my suffering". O
problema é que "all my lies are always wishes". A psicodelia
segue nos riffs ocasionais e começa uma barulheira sgt pepperiana,
que lembra o final de "Wish You Were Here", do Pink Floyd.
Aparecem acordes de piano e a música acaba do nada. Logo
começa uma introdução de bateria, acompanhada por aqueles
acordes de piano que terminaram a música anterior. "Heavy
Metal Drummer" é up. Os rapazes se superam no refrão, que
é cínico: "I miss the innocence I´ve known/playing Kiss
covers/beautiful and stoned". Ao vivo, Tweedy não hesita
em trocar os mascarados na letra por outros astros da música
pesada, como Iron Maiden e Black Sabbath.
"I´m The Man Who Loves You" é potente, com riffs sujões,
que lembram os momentos elétricos de Neil Young. A letra
é apaixonada, e o refrão mostra alguém com força de vontade.
"But if i could/you know i would/just hold your hand and
you´ll understand/i´m the man who loves you!". O solo é
lindo, distorcido, uma Jazzmaster apitando saudavelmente.
Os metais entram e recheiam o refrão até o final, onde novamente
a guitarra faz barulho. "Pot Kettle Black" segue o clima
de "Kamera". Animada, com tom baixo de voz. É o tipo de
canção que fica na cabeça por algumas boas horas. "Poor
Places" é bonita, com um piano fazendo a melodia antes de
o violão entrar. "I´m not going outside". Isso ecoa com
ruídos esquisitos e percussão. Uma voz feminina ao fundo
repete, incessantemente, o nome do disco. E se YHF tinha
começado com um épico, termina com outro. Mas nada da estranheza
de "I Am Trying To Break Your Heart". "Reservations" é uma
das mais emocionadas canções de amor já feitas. Até por
começar totalmente sincera: "How can i convince you it´s
me i don´t like". O refrão apresenta um homem desesperançoso,
mas que, apesar dessa merda toda, ainda acredita no amor.
Se você não caiu em prantos em "Jesus, etc", vai ser aqui:
"I´ve got reservations/About so many things/But not about
you". Ao fim da canção, o piano se arrasta por mais 3 minutos,
lembrando "A Day In The Life". E acaba. Fim. Você passou
por uma experiência inesquecível. Yankee Hotel Foxtrot.