Assumir
que nada se espera de discos oriundos do Canadá talvez
seja um pouco de inconseqüência. Por mais que
os artistas canadenses estejam se esforçando em ironizar
as tentativas de vinculá-los a uma suposta cena,
talvez os melhores discos contemporâneos tenham realmente
sido gravados naquelas terras. Aí está contextualizado
o caso do Wolf Parade, banda de Montreal. Eles entraram
na carona do sucesso absoluto dos amigos do Arcade Fire
e foram recebidos pelos ouvintes como a possível
grande banda canadense de 2005, o que também não
está de todo errado. Entretanto, os superlativos
no momento atual estão assumindo significados diferentes.
As novas grandes bandas não necessariamente necessitam
de um palco monstruoso como o do U2, tampouco de estúdios
caríssimos como os utilizados pelos Rolling Stones.
Elas têm acima de tudo produzido discos genuínos,
que não escondem influências e se mostram auto-suficientes,
alheios aos conceitos mercadológicos. O primeiro
disco do Wolf Parade, levadas essas premissas em consideração,
talvez seja mesmo a audição canadense mais
indispensável de 2005.
"Apologies To Queen Mary"
culmina na essência da qualidade verificada nessas
bandas: uma boa dose de despretensão aliada com muita
genuinidade. Ele fica grande justamente por não mirar
uma conquista, suas doze músicas se contentam em
apenas assumir seus papéis, levando o ouvinte a perceber
que há muito a se apreciar no que parece relativamente
simples. A produção de Isaac Brock (líder
do Modest Mouse) consagra o desenvolvimento de uma sonoridade
que nasceu em 2003 e passou por delineações
necessárias que preservaram a essência da banda.
Com Dan Boeckner e Spencer Krug dividindo a autoria do disco,
há uma espécie de batalha interna por quem
consegue escrever a melhor música, o que indiscutivelmente
respinga no ouvinte. Se as de Dan soam mais viscerais, muito
pelo seu vocal mais rasgado e ritmos frenéticos utilizados,
as de Spencer respondem por um lado um pouco mais intrincado,
de confecção mais meticulosa. A fluência
do álbum fica apontando para esses extremos, ainda
que tudo se relacione e fique acomodado na delineação
sonora: vocais sempre característicos, timbres de
guitarra perfeitos, teclados e sintetizadores tomando um
papel importante na consolidação das canções.
Sem falar nas boas letras sobre fantasmas e a alienação
da vida moderna. É uma mesma banda servindo compositores
diferentes. Por mais que existam traços de David
Bowie e Talking Heads, eles não se sobressaem no
resultado final, parecem apenas um ponto natural na música
do quarteto. O som aponta para a ingenuidade das garagens,
mas há uma sensação de vontade e entrega
pulsando pelos músicos que fatalmente jogam o resultado
para longe do comum.
Há faixas que se destacam,
evidentemente. De Spencer, "Grounds For Divorce"
transmite angústias sobre os problemas modernos embalada
por harmonias irresistíveis, com tecladinho Cassio
fazendo sua parte e as guitarras despejando volume. "Dear
Sons And Daughters Of Hungry Ghosts" começa
lembrando Bowie, mas lá pelas tantas é atropelada
por camadas de teclados e la-la-las pegajosos. Como se não
bastasse, acaba brilhantemente emendada em "I'll Believe
In Anything" (do projeto Sunset Rubdown, do próprio
Spencer), que fica empurrando melodias empolgantes sobre
o ouvinte na infalível técnica do crescendo.
Quando a música chega ao pico, guitarras já
estão tomando conta e disputando espaço com
os vocais tortos de Krug. Ele ainda entrega a impecável
"Dinner Bells", um pequeno épico que começa
contido e desenvolve-se ao ponto onde os teclados e as guitarras
recebem atenção incondicional para soarem
melancólicos. Já as músicas de Dan
são mais diretas, com jeito de hit. Sendo assim,
a impecável "Shine A Light" responde pelo
momento mais perfeito de 2005, uma canção
irresistível que consegue chegar num equilíbrio
entre a alegria e uma leve melancolia, elevando o conceito
de "single" para um patamar respeitável
e desejado. E impossível não se ficar com
ela na cabeça, assim como é impossível
se colocar o CD no som e não ficar esperando a música
sete chegar. Mas Dan ainda inclui "We Built Another
World", outra perfeita, onde há um consenso
entre o que é pop e o que vai além, com o
uso incontrolável de sintetizadores e as batidas
flertando com a disco music. "Modern World" confessa
no vocal bêbado de Dan a incapacidade do relacionamento
com o mundo moderno, adornada por backing vocals indispensáveis
e um inusitado violão. Ainda vale mencionar a climática
e preguiçosa "Same Ghost Every Night" com
seus vocais desleixados contrastando um ritmo de valsa desequilibrada.
Só aí contabilizou-se oito músicas,
grande parte do disco, o que justifica as cinco estrelas
listadas lá em cima , de forma alguma desmerecendo
as músicas que não foram citadas.
É fabuloso chegar a esse
ponto onde se pode ouvir discos tão bons que surgem
como num passe de mágica. Os resultados que pipocam
em "Apologies To Queen Mary" não representam
uma nova ordem na música, mas têm o brilhantismo
de revelar suas qualidades à medida que são
sucessivamente digeridos. Isso tudo sem chamar muita atenção
para outros focos que não sejam a música.
Apenas por essas questões, o disco entra na relação
dos contemporâneos indispensáveis, não
sem deixar de representar também essa tendência
de novos artistas aparecendo em nossos monitores com seus
discos deliciosos embaixo do braço.
(Placar: Aqui, o Dan ganhou apertado
do Spencer).
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