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“Painful”
é um dos melhores discos do Yo La Tengo,
o que considerando a qualidade de sua discografia,
representa logo de cara um belo elogio. A partir
dele, o grupo começou a tornar sua obra um
pouco mais pretensa, já que para Ira Kaplan
e Georgia Huble (casal-núcleo da banda) passou
a não interessar mais unicamente as canções
de trejeitos pops e climas leves que marcaram os
primeiros discos. |
Traçando um paralelo
com outra grande banda, “Painful” funciona
para o Yo La Tengo da mesma maneira que “Automatic
for the People” funciona para o R.E.M.. No trabalho
anterior, "May I Sing With Me", já
existiam destes sinais de maturidade, mas foi em "Painful"
que eles se estabaleceram de vez e de maneira mais efetiva,
definindo uma nova roupagem para o espírito dos
discos da banda.
O que mais se destaca ao
longo das 11 faixas de “Painful” é
a sonoridade que a banda tira de suas guitarras, passando
para elas o papel de personagem principal de sua música.
Elas arquitetam com brilhantismo a maioria das canções
e tornam o disco altamente recomendado para quem gosta
de sons como Sonic Youth, Ride, Jesus and Mary Chain e
My Bloody Valentine; conjuntos que revolucionaram o uso
do instrumento nos anos 80/90. As influências primárias
de Kinks, Byrds e Velvet Undergound ficam um pouco em
segundo plano, mas a banda não as esquece completamente.
Logo na primeira faixa,
Big Day Coming, o Yo La Tengo monta uma sinfonia de microfonias
que desenrola-se ao lado de um onipresente órgão
lúdico, uma memorável abertura. O vocal
de Ira é contido e quase some enquanto o ouvinte
presta atenção no instrumental hipnótico.
From a Motel 6 vem a seguir:
baixo sólido, guitarras tomando a dianteira e o
vocal de Georgia deslizando pela canção
mais pop do disco, sem maiores atrativos. Já Double
Dare, a terceira faixa, é daquelas perfeitas, com
sua ótima melodia inundada de riffs sensacionais,
teclado coadjuvante bem sacado e ritmo um pouco mais acelerado
pela bateria. Uma das melhores do álbum.
Superstar Watcher serve
como um interlúdio, muito bonita com suas guitarras
desaceleradas preparando o ouvinte para a faixa seguinte,
Nowhere Near. Esta é uma simpática e delicada
balada cantada suavemente por Georgia, com arranjos lembrando
as influências de anos 60 da banda e guitarras ingênuas
transbordando nostalgia. A bateria mais presente do meio
da música em diante dá um toque especial
a faixa, mais um grande momento do disco.
Sudden Organ é a
sexta faixa e nos remete diretamente a Jesus and Mary
Chain com suas guitarras mais encorpadas e um tom um pouco
mais psicodélico, resultante da participação
do teclado que dessa vez é mais do que um simples
fundo musical, com suas mudanças histéricas
e andamento tresloucado.
Worrying Thing é
outra excelente canção que reaviva influências
mais antigas, com toques de country nas guitarras dedilhadas.
Ponto novamente para o Yo La Tengo que tem aquele tino
típico de Teenage Fanclub e R.E.M. para criar e
conduzir harmonias simples mas perfeitas, com teclado,
guitarra, baixo e tudo mais formando um conjunto em perfeita
simetria e unicidade. Uma faixa cativante e serena, na
medida para ouvir no fone de ouvido para relaxar e viajar.
Já a canção
subsequente, I Was The Fool Beside You, possui uma certa
agressividade contida bem perceptível, com as guitarras
sempre ameaçnado sair de controle, e em alguns
momentos, soando bem amargas e arranhadas. É outra
ótima canção, que pode servir de
referência também para a evolução
da banda, afinal, não é de se esperar que
uma banda que tenha gravado um disco como “Ride
The Tiger” (o primeiro, de 1986) venha a gravar
depois uma canção como I Was The Fool Beside
You...
Whole of the Law é
uma baladinha meio sem graça, que se salva pelos
vocais dobrados de Ira e Georgia, sempre uma dupla afinadíssima.
Após o momento mais fraco do disco, irrompe outra
versão de Big Day Coming, dessa vez infestada de
guitarras com riffs circulares e cheias de efeitos, onde
antes haviam teclados. A bateria dá uma acelerada
na música e fica dificil escolher qual das duas
versões é a mais legal.
A última música do disco é uma excelente
canção instrumental. Com a guitarra solando
sem parar cheia de inspiração, I Heard You
Looking fecha “Painful” em grande estilo,
com melodia marcante e direito a zoeira e microfonias
nos momentos finais.
A produção
de Roger Moutenot e Fred Brockman é competente,
o disco (que foi o primeiro a sair pela Matador Records,
em 1993) é curto, envolvente e de fácil
digestão. Talvez a presença maior das guitarras
deva-se ao fato de que naquela época o grunge era
a grande sensação mundial, mas o fato é
que o Yo La Tengo criou um belo disco, definindo novos
caminhos para seu som (a obra prima deles, na minha opinião,
viria logo a seguir) e mostrando criatividade e talento
a toda prova.