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"Prometo não fazer mais curvas", disse o capitão
Certas letras de músicas encantam porque espelham com perfeição um
momento ou um sentimento recém-descoberto. Outras valem pela
nostalgia. Algumas, ainda, marcam por serem inusitadas, aquelas de tom
mágico e filosófico somente atingido nas palavras cantadas. E existe o
resto.
O resto, no entanto, não é constituído só de banalidades ou de Afghan
Whigs. O resto merecia ser segmentado e, se possível, ganhar uma
melhor reputação. "Missed the Boat", do Modest Mouse, está entre essas
músicas aconchegantes, de letra tão clara que só pode estar escondendo
o jogo. Mesmo que esse seja o jogo, não vou cair na tentação de me
aventurar esclarecer o que é de tão sutil que ela esconde.
E, para dar as cartas, "miss the boat" é simplesmente uma expressão
corriqueira para dizer "perder a oportunidade". Odeie ou não os jogos
de palavras, "Missed the boat" mescla essa idéia com a outra batida do
mar como metáfora para a vida. Quantas vezes isso foi usado? Quantas
vezes foi usada com tanto charme quanto em Missed the boat? Passemos
por algumas ondas, ou linhas, e vamos ver para onde o vento vai.
While we're on the subject
Could we change the subject now?
Um início espertinho, mas cantado bem sério. Deve ter sido inspirado
em uma fala engraçada no meio de um melodrama. Devem andar remexendo a
lata de lixo da casa do Woody Allen.
Looking towards the future
We were begging for the past
Well we know we had the good things
But those never seemed to last
Oh, please just last
Pessoas propensas a derramar lágrimas deveriam parar por aqui. Só isso
já é o suficiente. Apenas a maneira de falar "oh please just last"
intimida qualquer um.
Continuemos, mesmo assim. Está aí o gênio de escrever músicas. Isaac
Brock e companhia (quem quer que tenha tido a idéia para a frase geral
da letra) são competentes. Não é nada fácil escrever sobre algo
específico, mas de um modo tão geral e nada misterioso. E que possa
ser facilmente ser lido dentro de outra situação específica! Explico
os específicos, já que a generalidade foi, afinal, a justificativa
dessa música figurar aqui.
A situação específica do lado do compositor nós nunca vamos
saber. Será que essa música foi feita para a namorada ("We were
begging for the past")? Ou então fala dos desafios da carreira musical
("Tiny curtains open and we heard the tiny clap of little hands")? Ou
de uma infância de negligência dos pais ("But you were always out")?
Do caos aéreo no Brasil e das medidas interrnacionais ridículas
anti-líquidos ("And we'd already missed the plane")? Da vida após a
morte, ou da vida antes da morte, ou da vida antes da vida ("We didn't
read the invite / We just dance at our wake")?
A verdade é que pouco importa agora no que o senhor aquele estava
pensando quando desenhou esse blá blá blá nessa canção. A letra serve
para tantas trilhas sonoras perfeitas que seria um desperdício perder
a generalidade dela para uma situação específica do letrista apenas.
Aqui entra o segundo caso específico: um exemplo de o que essa música
poderia significar para outra pessoa. O seu vizinho. Um astronauta, na
volta de uma viagem espacial cheia de imprevistos, com a Terra tanto
tempo em perspectiva. Tudo para ele toma as proporções devidas. Uma
vida humana constantemente lembrada que não é nada comparada à idade
do universo. E, mesmo assim, esperando o passado. Voltar de uma viagem
espacial e saber que nunca mais voltar a ver e a sentir a
grandiosidade do espaço. Existe uma música mais perfeita para esse
astronauta?
Well nothing ever went
Quite exactly as we planned
Our ideas held no water
But we used them like a dam
No fim, é uma música para voltar à realidade, aquela que nunca mais
será a mesma depois da sua última desventura. Olhar para trás, para
tudo que não vai voltar, tudo que foi feito errado, tudo que ainda não
é, e simplesmente resolver dançar e contar as estrelas. Algum dia pode
ser útil. Mas útil mesmo é ouvir o resto da letra. E, se você não
gostar desse tipo de coisa, pode pelo menos se impressionar com a
música em si. Ela é a última palavra em recriar a imagem de um mar
revolto sem os velhos barulhinhos "chuá chuá" new age.
Natalia gosta de realidades e oportunidades.
26/06/2007
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