A Dying Days é um zine eletrônico
dedicado ao rock alternativo em geral. Nasceu no fim de 1999 como
um tributo a Seattle e às bandas que lá surgiram na cena que ficou
conhecida como grunge, mas hoje abrange muito mais. É mantido por
três amigos, Alexandre Luzardo, Fabrício Boppré e Natalia
Vale Asari, e conta com uma equipe e vários colaboradores
regulares. O site é atualizado semanalmente e não retorna lucro
algum. É feito com amor e dedicação, por quem gosta de música para
quem gosta de música, simplesmente.
Era uma vez...
(explanação, longa, mas necessária)
Talvez o termo "revolucionários"
soe exagerado para a maioria, mas o que não se pode negar é que
o tal do grunge trouxe de volta valores que estavam há algum tempo
perdidos no mundo do rock 'n' roll, e que deu uma nova vida ao underground
do referido estilo. Meio este que estava em um grau de marginalização
e hibernação profundo (talvez desde os Sex Pistols
ele não tinha a merecida atenção) e a partir daí voltou a dar grandes
bandas para os fãs do bom e velho rock 'n' roll, cansados do marasmo
de criatividade e conteúdo pelo qual passava o estilo por
aquela época.
Essa cena, cujo palco foi uma isolada cidade no noroeste dos EUA
chamada Seattle, veio a explodir ao redor do mundo no começo
da década de 90, com bandas tocando com muito feeling músicas pesadas
e melodiosas (a principal influência sempre pareceu ser o hard rock/metal
da década de 70, de bandas como Black Sabbath e Led Zeppelin, misturada
a energia punk das décadas de 70 e 80) e pregando atitude (de forma
simplista) de rebeldia com relação às muitas coisas que seus
artistas se propunham a falar. Sim, pois algo que havia tornado-se
raro também era conteúdo. Não era um movimento
proposto, premeditado e disposto a mudar algo, mas nota-se forte
lirismo na maioria das bandas. Outro fator responsável pela popularização
do grunge (aí já começa a parte negativa do
negócio) foi a imediata caricaturização de seus personagens:
camisas de flanela, cabelos compridos, o modo desleixado de ser,
o "live fast die soon", etc. Mesmo superficialidades ridículas
viraram febre comercial, deixando os locais atônitos. Seattle
virou assim o centro das atenções, com o cenário underground voltando
a ter sua força reconhecida e o respeito do público, mas,
infelizmente, com as mazelas recorrentes a esse inesperado foco
começando a aparecer também rapidamente. Antes, não podemos deixar
de citar dois responsáveis diretos pela apresentação
dessas bandas todas ao mundo: Bruce Pavitt e Jonathan Poneman. Eles
foram os fundadores de um pequeno selo local chamado Sub Pop, cujo
objetivo era divulgar e ajudar os potenciais grupos da cidade. Estes
eram, até então, não mais do que bandas de garagem e tocavam
apenas nos bares e pequenos shows da região, como tantas outras
que existem em todo lugar, inclusive em nossas próprias cidades.
Uma iniciativa louvável e imensuravelmente bem sucedida. A história
que veio em seguida é aquela que todos conhecem. Indústria,
consumo, oportunismo, esteriotipação, mídia,
tudo veio de uma só vez e com uma voracidade nunca vista
antes. Os artistas e bandas de lá tentavam não ligar
e minimizar o que estava acontecendo (alguns o fizeram bem, outros
não), riam quando falava-se em "grunge", mas foram
vítimas impotentes do que se transformou, das proporções
que a coisa toda tomou. Melhor assim, talvez.
Acabou convencionando-se chamar esta cena de "grunge",
convenhamos, um termo esteticamente bastante apropriado. Mas, da
maneira como foi exposto e estuprado, o grunge como cena acabou
perdendo a credibilidade e secou bastante prematuramente, se considerarmos
o potencial e o talento de seus heróis-sem-querer. Mas não
sem antes nos deixar um legado eterno. Seu fim foi decretado rapidamente
(a morte de Kurt Cobain foi um dos elementos que aceleram isso)
quando a identificação dos jovens ao redor do mundo
já não era a mesma e o negócio já não
lucrava tanto. Ainda mais naquela época onde a palavra globalização
já era habitual mundialmente. O grunge foi também
o princípio do casamento efetivo que perdura até hoje
entre todos aqueles personagens citados: música, público,
mídia (personificada na MTV), indústria, tudo ligado
por muito dinheiro e oportunismo. Obviamente isso, a medida que
esses personagens foram entrando em cena, foi se desenhando desde
muito antes, mas Seattle foi o caso mais latente até então
de música transformada em produto acessível e descartável.
Hoje em dia o termo grunge é
quase pejorativo e serve para muitos daqueles que percebem a ligação
suja entre mídia-indústria-música como argumento
para desancar aquilo com que não se identifica ou não
se gosta. "O nu-metal é uma porcaria inventada pela
MTV assim como o grunge, e vai desaparecer logo". Foi dessa
maneira, ridicularizado pela crítica de "mais alto nível"
e menosprezado por parte do público que começou a
comprar discos e a ouvir rádio a partir de 1995, que o grunge
foi envelhecendo. Injustiça maior não poderia ter
lhe restado, ainda que a grande maioria que viveu naquela época
continue adorando sua coleção de discos e lembranças.
E também o tempo todo muita gente nova descobre e torna-se
fã de sons como Alice in Chains, Soundgarden, Nirvana, Mudhoney,
Screaming Trees. Estes percebem a fonte de influências de
muita coisa atual, percebem ecos dos grandes mestres de antigamente,
percebem o ciclo da história musical se desenrolando, a despeito
de todo o capitalismo ao seu redor. O grunge foi um dos primeiros,
mas não o último, a ter esse destino. Virou um esteriótipo,
engraçado para uns tantos, mas para aqueles que o viveram,
inesquecível e único.
O objetivo inicial da Dying Days
e que preservaremos para todos aqueles que viveram e se identificaram
com aquela época de ouro reside nesse ponto: resgatar e manter
viva a lembrança de todas aquelas bandas, os discos perfeitos,
a sonoridade forte, a honestidade musical, o feeling e a poesia.
E também um pouco do que veio antes e muito do que veio depois
(afinal, é a nossa época).
As bandas e suas músicas falam por si só e são elas que sobreviverão
para sempre. A caracterização do que houve como "movimento"
é quase que desprezível, mas desconectar completamente
algo desse porte da época e da sociedade correntes é
historicamente ingênuo. O berço foi os EUA, o país
que todos adoram odiar, mas façamos um esforço e pensemos
em um mundo sem fronteiros, onde seres humanos são seres
humanos iguais independente do chão em que pisam. Assim,
vemos claramente que a música de Seattle foi também um espelho
da realidade cultural e social de muitos jovens ao redor do mundo.
Refletiu uma parcela significativa e representativa o suficiente
para "incomodar" bastante gente e ainda hoje ser objeto
de estudo e reflexão. As mortes trágicas de Andrew Wood,
Kurt Cobain, Layne Staley, as letras auto-destrutivas, o individualismo,
o senso de "do it yourself", a naturalidade no consumo
de drogas, e o esteriótipo da "geração
X" formam um legado característico e nem sempre positivo,
mas que faz parte de nossas vidas, nossa juventude, nossa bagagem
para histórias pessoais. Uma lembrança nostálgica,
cheia de referências, descobertas e boa música para
todos aqueles que viveram com intensidade e estavam começando
de verdade suas vidas por aquela época. Trilha sonora perfeita
para momentos de tristeza mas também de alegria, esperança,
crescimento e reflexão. E deixando de lado toda essa parte
"sentimental" envolvida, se quisermos apenas sentir a
música e apreciá-la unicamente como manifestação artística
(ou barulho indistinguível, como costumam dizer nossos pais), então
aí estão obras do quilate de Nevermind, Facelift, Ten, Down on the
Upside, Temple of the Dog, Dirt, In Utero, os acústicos,
Jar of Flies, Dust, Vs, Superfuzz Bigmuff, Sweet Oblivion, Inhaler,
Vitalogy, Bleach, Stardog Champion, Superunknown, Above, Whiskey
for the Holy Ghost e muitas outras. Cada uma dessas com sua história
e suas canções perfeitas. Tudo isso e muito mais lançado
em um período de mais ou menos 7 anos, entre bandas praticamente
irmãs. E sem contar o impulso dado a muitas outras bandas
e cenas ao redor do mundo, que resultou em um renascimento perante
a mídia e o grande público (pois, como todos sabem,
o rock nunca irá morrer) do estilo mais importante da música.
O grunge sucumbiu e hoje, quase uma
década depois de seu momento mais brilhante, é uma
mera lembrança. Muitos negam-se a ver a importância
histórica de Seattle, mas isso é normal. Esperamos
que em nossas páginas você consiga relembrar de uma
parte da magia que existiu, e do espírito que mantém-se
vivo em tudo que veio depois: novas bandas, novos estilos, novos
discos e cenas alternativas. Ou para os novos fãs de Seattle,
esperamos que aprendam bastante lendo as biografias e conhecendo
as discografias e letras. O site cresceu e continua desenvolvendo-se
nesse ritmo, com novas bandas e seções sempre sendo
adicionadas, mas não esqueceremos nunca da semente que deu
origem a tudo isto... obrigado Seattle, obrigado Nirvana, Pearl
Jam, Mother Love Bone, Soundgarden, Alice in Chains, Melvins, Trees,
Mudhoney, Sub Pop... e longa vida à boa música!
Para terminar, fica o consolo da frase de Neil Young, que Kurt Cobain
soube usar perfeitamente (e profeticamente) para descrever, não
apenas a si, mas ao grunge também: "It's better to burn
out than to fade away".
Dying Days - The Grunge Years
Alexandre Luzardo, Fabrício Boppré e Natalia Vale Asari
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