É
curioso como muita gente usa a analogia entre pessoas e ilhas.
"Ninguém é uma ilha" é um título de um livro de J.M. Saumell que
ainda jaz em algum canto obscuro deste apartamento sem eu nunca
ter lido. Aliás, até hoje não sei de quem é esse livro e nem o
porquê de ele ter vindo parar aqui. Tem uma garotinha abraçando
alguém na capa. Aliás, se alguém por acaso é o dono deste livro,
eu devolvo, sem problemas.
Por outro lado, Humberto Gessinger escreveu uma música que fala
"...todo mundo é uma ilha / à milhas e milhas e milhas de qualquer
lugar". A música é bacana, a letra diz alguma coisa, e esse trecho
da ilha em especial, nos relembra de nossa solidão, de como vivemos
no isolamento uns dos outros.
Tudo muito certo, tudo muito bem. Mas então por quê J.M. Saumell
estampa na capa de seu livro, como se fosse uma verdade absoluta,
que "Ninguém é uma Ilha"? Talvez porque não sejamos completamente
imunes às atitudes de outras pessoas. Mas isso não é óbvio? Puxa,
vivemos em cidades, moramos em famílias, nos comunicamos uns com
os outros, simples assim. A todo instante estamos na situação
de troca com outro indíviduo, seja do mais profundo sentimento
junto a pessoa amada, seja com um simples bom dia a um ilustre
desconhecido.
Temos, portanto, duas verdades que se opõem. Todo mundo é uma
ilha = Ninguém é uma ilha = Verdade!
Isso é muito comum na política, onde uma informação ou um fato
pode levar a duas leituras completamente opostas. Opostas, mas
absolutamente verdadeiras e legítimas, dependendo dos interesses
ou da ideologia que está por trás dessa leitura.
Então, meu amigo, quando me diz que todo mundo é uma ilha, que
não estás prejudicando ninguém, que todos os teus erros só têm
prejudicado a ti mesmo; eu, com toda a legitimidade que o meu
interesse e a minha ideologia me dão, te digo a minha verdade:
Ninguém é uma ilha. De fato prejudicas a ti mesmo, mas com toda
a certeza meu amigo, prejudica outras pessoas também. Por mais
que exista solidão, ninguém vive completamente sozinho. Se tens
amigos e eu sou um deles, fique sabendo que faz parte da felicidade
ou infelicidade de uma pessoa saber se os seus amigos estão bem.
E existe família, por mais que a família seja distante, ausente,
que vivam em outro mundo e não entendam a tua realidade, eles
se preocupam e com certeza vão sofrer se tu não estiveres bem.
Essa outra idéia do "estou fazendo mal apenas a mim mesmo e ninguém
tem nada a ver com isso" também precisa ser revista por muita
gente que ainda a usa. O tempo passa e de uma hora para outra
já não somos uma criança que necessita de amparo, somos os homens
que precisam dar amparo às pessoas que dependem deles. Não é necessário
ter filhos para entender isso, os filhos são dependentes dos pais,
mas depois de um certo ponto, as funções se invertem. Com o passar
do tempo, o filho torna-se imensamente mais importante para a
felicidade de um pai do que o contrário, e é essa responsabilidade
que as vezes custamos a aceitar. Está na hora de questionar quem
está sendo dependente de quem, e para ser um homem, esses papéis
não podem estar trocados.
Enfim, essa é a minha verdade dita para um amigo especial. Com
toda a certeza, pode ser a verdade a ser dita para outra pessoa,
mas nem sempre os mesmos argumentos funcionam para todos. Exatamente
como na política, a forma e os argumentos necessários para transmitir
uma leitura dos fatos (baseada em interesses e/ou ideologias),
verdeira e legítima, podem variar de acordo com quem será o ouvinte.
Portanto, companheiros, decidam quais são os seus interesses e/ou
qual a sua ideologia (afinal de contas, no que você acredita?)
e fale sempre a verdade! E cuidem-se em suas ilhas, mesmo que
não seja por nós mesmos, afinal cada atitude que tomamos pode
repercutir na ilha do vizinho.
Hate your enemies,
Save your friends,
Find your place,
Speak the truth!
Kurt Cobain
Alexandre Luzardo,
que, se esse texto fizer sentido para pelo menos mais uma pessoa,
já estará realizado...