Teenage Fanclub
Curitiba (PR), Brasil
- 07 de maio de 2004
Emocionante se tornou um adjetivo
tão banal hoje... Todo pagode rima “emoção”
com “avião”, qualquer zero a zero entre o Prudentópolis
e o Rio Branco é uma partida emocionante, enfim, a palavra
se tornou mais uma dentro da infinita lista de termos que falamos
quando não há absolutamente nada para dizer. Uma pena,
porque é com ela que eu gostaria de descrever o Teenage Fanclub.
Após quase 15 anos de espera,
os escoceses finalmente pisaram em solo brasileiro para uma mini-turnê
em um dos cantos do mundo onde são mais idolatrados. Não
são populares, assim como não o são em qualquer
outro lugar, mas quem ama tem todos os discos, canta todas as músicas
com o coração na boca e provavelmente sabe até
a cor e o modelo da cueca que o Brendan O’Hare usou em um
show qualquer da turnê do Bandwagonesque. Não é
necessário dizer que as expectativas da platéia não
poderiam ser mais altas.
E não é que, com quinze
anos de estrada, o Teenage Fanclub ainda sabe como ninguém
superar quaisquer expectativas? Se longe dos palcos eles não
passam por sua melhor fase – Howdy é um belo disco,
mas muito aquém de um Grand Prix ou até mesmo de um
Thirteen e a colaboração com o Jad Fair não
vale o nome da banda no encarte, apesar deles se esforçarem
o máximo para manter o disco pelo menos mediano -, em cima
do palco eles estão melhores do que nunca. Com um repertório
vasto e riquíssimo e com a platéia jogando a favor,
a banda estava livre para dar shows de competência, carisma
e, o principal, deixar ainda melhor o que nos discos parecia perfeito.
Por motivos de força maior
– não tenho nem tempo nem dinheiro para ir até
São Paulo ou Recife no meio da semana – só pude
ir ao show de encerramento da turnê brasileira da banda, aqui
em Curitiba. Era uma sexta fria inacreditavelmente fria –
esperava que fosse fazer um frio daqueles só em junho ou
julho – e São Pedro parecia ter um desejo sádico
de estragar a festa dos milhares de curitibanos e turistas que desejavam
tanto ver sua banda favorita no palco. Não choveu, menos
mal, mas o frio valia pela chuva e mais um pouco. Devia estar fazendo
uns sete, oito graus quando o Teenage Fanclub entrou no palco e
executou os primeiros acordes de “Start Again”. Mas
a partir desse momento, o frio, a dor nas costas e o vazio no bolso
não importavam mais; tudo o que valia era a melodia delicada,
os acordes limpos e a bela voz de Norman Blake, abrindo o que seria
o melhor show da vida de qualquer fã da banda presente no
local. Tudo bem, o som não estava cristalino, talvez o volume
do microfone do Gerard Love poderia ter sido aumentado – lembrem-se:
ele faz O backing vocal nessa canção -, mas a qualidade
da música e a garra com a qual a banda tocava prevalecia.
E era só o começo de uma longa e bela noite.
Logo na seqüência, os
cinco emendaram “About You”. Nesse exato momento caiu
a ficha: o Teenage Fanclub estava lá, ao vivo e a cores,
e isso era tudo o que bastava para que, por uma noite, seis mil
pessoas fossem felizes. É difícil descrever essa música:
mais fácil ouvi-la e entender por que todos ali se sentiram
tão bem. São só uns cinco acordes, umas seis
frases, é inimaginável que algo tão belo seja
tão simples e direto. Aos poucos, a poeira ia baixando, enquanto
os rapazes mostravam algumas canções menos conhecidas
– porém, da mesma qualidade – de seu repertório,
como a açucarada “I Don’t Want Control Of You”
e a contagiante “Near You”. Mas era só para poupar
o coração do pobre fã por alguns momentos.

Com apenas três versos, o Teenage
Fanclub fez Curitiba inteira pular com um de seus maiores clássicos:
a inacreditavelmente cretina e grudenta “What You Do To Me”.
É aquele tipo de música que entra na definição
de pop perfeito: enérgica, simples e capaz de fazer milhares
de caras estranhos de óculos de aro preto pular e gritar
como crianças em uma piscina de bolinhas. É, música
pop é isso, e é exatamente essa a grande sacada do
Fanclub.
Mas pop também é amor.
E amor é o que não faltou na seqüência
“Planets”, “Don’t Look Back” e “Your
Love Is The Place Where I Come From”. A primeira é
de uma doçura que fica muito perto do limite entre o sentimentalismo
gostoso e o romantismo brega à Reginaldo Rossi. Felizmente,
fica no lado bom da coisa. Quando Norman foi apresentar a canção
ao público, pediu para que todos no local dessem as mãos.
Confesso que senti vontade de obedecer ao cara, essa música
merece! E o que não dizer de “Don’t Look Back”?
Bom, só o verso “I’d steal a car to drive you
home” já deixa bem claro do que se trata a canção.
Dispensa descrições mais profundas. E a última
é uma das canções de amor mais sinceras e comoventes
que já foram feitas. Se fosse do velho Macca, já estava
na boca do povo há muito tempo. Mas foi uma das poucas canções
do show que perdeu para a versão original, pela ausência
do violão que fez da música um clássico para
os fãs.
Após a seqüência
matadora, muitos já estavam à beira das lágrimas,
ou até já estavam lá de fato. Para tentar quebrar
um pouco o clima de dor de cotovelo e trazer de volta os sorrisos
do público, Norman, Gerald e Ray soltaram as animadas “Metal
Baby” e “Discolite”. Ambas são o tipo de
música que não vai mudar a vida de ninguém,
mas pode botar a Pedreira inteira para dançar. A bonitinha
“Mellow Doubt” veio em seguida, finalmente com o tão
esperado violão. É, talvez, a música mais acessível
do Teenage Fanclub, num sentido mais específico do termo;
para ser mais claro, garotas de 15 anos que ouvem Matchbox Twenty
e sonham achar um príncipe encantado podem curti-la numa
boa. Fica até chato dizer, mas eu também.
Tudo corria muito bem, até
eu receber uma das melhores surpresas da minha vida. Norman, com
seu fortíssimo sotaque escocês, apenas disse: “Speed
Of Light”. Todo mundo tem aquela música favorita que
virtualmente ninguém conhece ou gosta. É aquela faixa
que fica escondida em um disco famoso de uma banda conhecida –
ou relativamente conhecida – mas poucos pararam alguma vez
na vida para ouvir, e todo o mundo, menos você, aperta o skip
quando soam os primeiros acordes. Bom, “Speed Of Light”
é essa música, e eu jurava que nunca iria ouvi-la
ao vivo, afinal, o Gerard Love devia ter esquecido a letra em algum
armário empoeirado qualquer, e o Ray McGinley provavelmente
não tinha tirado a música na guitarra. Mesmo sabendo
que eles viriam para cá, já não tinha qualquer
esperança: eles viriam para tocar as músicas favoritas
deles e de todos os presentes, e não a MINHA música.
Pois é, eles tocaram, e foi comovente. A melodia perfeita,
aquele refrão levanta-defunto, os dois solos simples e lindos
do Ray, tudo diante dos meus olhos, sendo executado pelo sujeito
que o compôs e seus amigos que gravaram juntos. E eles estavam
sentindo o frio da cidade onde nasci, fui criado e provavelmente
morrerei enquanto tocavam. É demais para minha cabeça...
Desculpem-me se isso é piegas ou antimusical, ou até
mesmo antiprofissional – alguém aqui disse que isso
é um texto de um jornalista profissional? –, mas esse
foi o meu ponto alto do show. Apenas meu e de mais ninguém.
Eu caí ali. E se algum fã
ainda não tinha caído pelo percurso, o Teenage Fanclub
fez o seu trabalho nas músicas seguintes, “My Uptight
Life” e “Neil Jung”. Apesar de não ter
sido lançada como single – talvez por causa da duração
de sete minutos, três “What You Do To Me” e meia,
para fazer uma comparação -, a primeira é presença
garantida em uma lista de clássicos da banda, graças
a seu arranjo fantástico, sua melodia sublime e, principalmente,
seu final, no qual a voz quase silenciosa de Raymond McGinley canta
diversas vezes “all my life I’ve been so uptight, now
it’s all alright”. É uma canção
emblemática para essa fase da banda, na qual todos os integrantes
já estão beirando os quarenta, tem seu nome garantido
na história do rock e podem aproveitar sem medo os prazeres
e os orgulhos da maturidade. Já “Neil Jung” é
quase o oposto: uma letra sincera e direta sobre os relacionamentos
imaturos da juventude, pontuada por uma das melhores melodias da
história do Fanclub, que fez toda a Pedreira se lembrar dos
piores momentos da juventude. É impossível não
se comover, seja pela nostalgia ou pelo simples fato de que essa
canção é linda de morrer.
Para fechar a primeira parte do show,
“Sparky’s Dream”. Se houvesse uma enciclopédia
sonora das grandes bandas de rock, o verbete Teenage Fanclub seria
representado por essa música. Guitarras distorcidas, harmonias
vocais brilhantes, um refrão perfeito, enfim, tudo o que
melhor representa a banda contido em uma música só.
Não à toa, a Pedreira inteira gritou junto a música
inteira, triste apenas por saber que a noite já estava acabando.
Simpático, Norman Blake deu tchau, todos colocaram seus instrumentos
no lugar e foram para seu merecido descanso. Mas qualquer um com
dois neurônios ativos sabia que esse não era um “tchau”
definitivo, por duas razões: eles não tocaram “The
Concept”, e qualquer banda que encerra um festival sempre
volta, mesmo que tenha sido recepcionada friamente pelo público.
O bis perdeu todo o seu sentido quando foi informalmente institucionalizado,
mas isso já é assunto para outro texto.
Apesar do show ter sido repleto de
grandes clássicos dos escoceses, ainda faltavam pelo menos
umas cinco músicas que eu esperava ver naquela noite. “Star
Sign” era uma delas, e abriu o bis. É uma das melhores
canções da banda, mas não foi o que pareceu
no show. A versão ficou um pouco lenta, faltou um pouco de
garra, mas eles também são humanos. Depois de tudo
o que fizeram, fica chato criticá-los por causa de uma só
música. Em seguida veio “Can’t Feel My Soul”,
o que me decepcionou um pouco. Não pela música em
si, uma espécie de “volta às raízes guitarreiras”
perdida no meio do doce e meigo Songs From Northern Britain, mas
porque eles com certeza não iriam tocar nada do Thirteen,
nem mesmo a clássica “Radio”, que certamente
levaria a Pedreira ao delírio.
Mas qualquer decepção
com o início do bis foi por água abaixo quando Norman
Blake cantou os inesquecíveis primeiros versos de “The
Concept”. Em uma versão simplesmente fabulosa, o Teenage
Fanclub fez todos os fãs cantarem junto a música que
abre Bandwagonesque, disco que garantiu a presença deles
no rol das grandes bandas do rock alternativo. Ela parecia mais
rápida, mais agitada e ainda mais contagiante e grudenta
que a versão original, e essa mudança parece ter agradado
a todo mundo. O final da música – três minutos
de “aaah, aaah, aaaahs” cortados por solos bêbados
de guitarra... bonito, mas um pouco sacal – foi inteligentemente
substituído pelo pseudo-hardcore “Satan”, faixa
instrumental do mesmo disco, que levou a Pedreira ao delírio.
Quem não fez seu air-guitar não sabe o que estava
perdendo! E, pra terminar bem o show, a música que metade
da platéia estava pedindo desde o começo: o hino indie
“Everything Flows”. Só não foi melhor
porque todos ali sabiam que, quando as luzes do palco se apagassem,
voltariam à vida real e ao marasmo do cotidiano. A mágica,
infelizmente, não dura para sempre.
Depois do show, havia apenas duas
opiniões: “cara, esse foi o show da minha vida!”
e “er, bem, tipo, os caras parecem ser bons, mas eu ainda
não saquei qual é a deles”. Isso reflete o fato
do show ser de fã-clube para fã-clube – tudo
bem, podem não rir da minha piada, eu prometo que não
fico de mal. Muitas pessoas presentes podem não ter visto
nada disso do que falei, e não foi porque estavam distraídas
ou com sono. Metade da beleza da apresentação veio
de uma velha conexão com a banda, de muitos anos de devoção
e amor por aquelas seqüências de acordes perfeitas e
animadoras. Não importa se o dia estava frio, ou se o Thirteen
foi esquecido, o que valeu foi ter visto a minha - ou a nossa –
banda do coração tocando algumas de suas melhores
canções, com competência e raça, fazendo
uma noite qualquer em Curitiba durar para sempre em nossos corações.
E, se pedirem uma opinião minha um pouco mais curta e direta,
vou dizer apenas uma frase: foi emocionante!
Francisco Marés
foto: Augusto Olivani
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