
Atibaia (SP), Brasil
- 08 de abril de 2006
Um grande evento este 2º Campari
Rock, em função principalmente das apresentações
matadoras de Mission of Burma, Supergrass e Nação
Zumbi. A primeira edição do festival, ocorrida no
ano passado, teve como atração principal um MC5 reforçado
de Mark Arm, ou seja, não foi coisa pouca. Mas desde os primeiros
boatos sobre a vinda da lenda americana Mission of Burma nesta nova
edição, a coisa ganhou ares de evento antológico
e imperdível, que foi o que de fato sucedeu-se na Fazenda
Hípica Atibaia. Mas comecemos do começo.
Após a empolgação
ocasionada pela confirmação da vinda do Mission, novo
fator a se comemorar: o evento aconteceria em Atibaia, cidade vizinha
a Piracaia, onde mora um grande amigo, que por sinal carrega o mesmo
sobrenome que eu - sim, somos primos, mas meio distantes, de modo
que nos tratamos mais como amigos do que como consanguíneos.
Aliás, ele morador de Piracaia, em SP, eu morador de Florianópolis,
em SC, viemos a nos conhecer pela internet alguns anos atrás
justamente em função de um hobby em comum: a boa música.
Tratativas feitas, hospedagem acertada, ingressos comprados, era
só esperar pelo show do Mission of Burma, que teria como
belos bônus os pernambucanos da Nação Zumbi
(show que eu já tinha tido duas oportunidades anteriores
de assistir, mas acabei perdendo ambas em cima do laço) e
os valorosos gaúchos do Walverdes, já velhos conhecidos
de showzinhos aqui, festivais acolá.
E o Supergrass? Bem, o Supergrass
nunca foi uma banda que me despertasse atenção, na
verdade, nunca gostei da música outrora cartão-de-visitas
deles, Allright, e possivelmente por culpa dela nunca me preocupei
em escutá-los com atenção. Até algumas
semanas antes do evento, eu os considerava algo como a quarta força
da escalação. Acontece que nesse intervalo entre a
divulgação do festival e sua realização,
caiu em minhas mãos o "Road To Rouen", disco lançado
pelos ingleses no ano passado. Não tinha porque não
escutar, e essa foi uma das minhas mais acertadas decisões
nos últimos tempos: um belíssimo álbum de uma
belíssima banda, descoberta antes tarde do que nunca - é,
nunca esse chavão foi melhor aplicável. Corri atrás
do resto da discografia dos caras e pronto, tava ainda mais empolgado
para assistir o Campari Rock Festival. Só continuo não
gostando de Allright.
Vamos aos fatos: o evento contou
com uma estrutura bastante elogiável, um local de tamanho
bem folgado para o público esperado, que parece ter sido
de 5.000 pessoas. Antes de ter conhecimento desse número,
eu estimava umas 3.000 pessoas lá, confirmando que dentre
minhas poucas habilidades, não está a de olhar para
um monte de gente e dizer quantas cabeças são. O palco
me pareceu legal (confesso que é um fator no qual costumo
reparar muito pouco) e o som no começo estava ruim, mas foi
melhorando sensivelmente ao longo da primeira metade do festival.
No fim, o volume expelido pelas enormes caixas sonoras era tal que
certamente será lembrado no futuro como mais um motivo para
a perda de audição precoce que todos nós, frequentadores
regulares de shows, estamos destinados.
Chegando próximo a tal Fazenda
Hípica, deu de ouvir o Gustavo Mini se esgoelando em alguma
canção do último disco do Walverdes, "Playback",
bolachinha legal, ainda que inferior ao "Anticontrole",
na minha opinião. Infelizmente, a procura por vaga no estacionamento
(um amplo gramado que iria se transformar num belo lamaçal
caso a chuva que estava ameaçando cair, caísse) nos
fez perder o show dos gaúchos. Mas pra falar a verdade, nem
tivemos chance de ficar muito chateados com isso, uma vez que a
entrada se deu banhada de alívio. Explicando: junto conosco
veio o filho desse meu primo, que tem 16 anos. Como a entrada era
somente para maiores de 18 anos, se o pessoal implicasse com o garoto
teríamos incomodação na certa, não haveria
alternativa a não ser rodar uns 50 quilometros para deixá-lo
em casa e voltar à Fazenda Hípica. Sorte que os recolhedores
de ingressos estavam mais preocupados em conferir a autenticidade
do papelzinho do que o RG de cada um dos ingressantes, e assim passamos
incólumes. Devo citar que antes do Walverdes rolaram apresentações
dos brazucas Digitaria e Montage, bandas que eu não conheço.
Entramos com o Ludovic subindo ao
palco. Eu tinha curiosidade de ver estes paulistas em ação,
devido ao bom álbum de estréia dos caras, "Servil".
O show foi intenso, visceral, guitarras no talo, com o baixista/vocalista
exagerando um pouco na performance dramática. Foram prejudicados
com o som embolado ainda - não dava de entender bulhufas
do que o cara cantava, ainda que talvez mesmo um som cristalino
não fosse ajudar muito neste sentido. Mas gostei do que vi,
a gana dos caras é louvável, e sua vocação
para o barulho parece bastante honesta e bem conduzida instrumentalmente.
Saíram agradecendo ao público ainda esparso e ao pessoal
do Walverdes, reconhecidos heróis do underground nacional.
Na sequência, subiu ao palco
mais um grupo gaúcho, o Cachorro Grande. Não gosto
de Cachorro Grande, portanto não me alongarei muito. Apenas
sou obrigado a admitir que a jam instrumental que fizeram no final
foi bem massa. Mas fora isso, boinas, terninhos e uma musiquinha
mixuruca. Saíram ovacionados, confirmando meu desacordo com
o mundo.
Depois, o primeiro grande momento
da noite. Em total contraste com o Cachorro Grande e seu figurino,
aparecem no palco três senhores, que descontando a calça
ligeiramente exótica de Roger Miller, trajavam roupas normais;
experientes profissionais prestes a mostrar seu trabalho, e não
participar de alguma festinha a fantasia. Ali estava o Mission of
Burma, banda lendária de Boston, pai ideológico de
gente fraca como Fugazi e R.E.M., nascida no mesmo ano que eu. Um
grupo que, ainda que não tenha o apelo de um Sonic Youth
ou de um Hüsker Dü, é tão bom e importante
quanto (se não fosse a curiosa carreira dividida em duas
devido a uma interrupção de quase 20 anos, eu não
precisaria estar dizendo isso).

Mission of Burma
Seu show foi espetacular: desfilaram
com maestria clássicos como Trem Two, That's When I Reach
For My Revolver e This Is Not A Photograph, além de sons
extraordinários do primeiro disco lançado após
a volta, "OnOffOn", como Wounded World, Dirt, Absent Mind
e The Enthusiast. Rolou ainda 2wice, do disco novo que deve sair
nos próximos tempos, e Dumbells, pelo o que entendi, solicitada
por e-mail por um fã alucinado que estava ali grudado no
palco. A banda, completando 4 anos após a reunião
(haviam debandado em 1983 e voltaram em 2002), está afiada,
tocando muito. Além de abusarem da precisão em seus
instrumentos de trabalho, os caras revezam-se no vocal (incluso
no rodízio o animal baterista Peter Prescott) e contam com
o ótimo apoio de Bob Weston (que toca no Shellac com Steve
Albini) nos efeitos extras, muito bem encaixados. Um show perfeito
para quem curte um som sem frescuras (mas longe da simploriedade
punk-rock-style), infestado de riffs, com doses iguais de melodia,
dissonância, sujeira e quebradeira rítmica. A dica
é de graça: o disco novo, "The Obliterati",
já pode ser encontrado pelas vias ilegais tradicionais, e
com alguma sorte sai por aqui, no rastro da passagem histórica
do power trio pelo Brasil. Vale a pena escutar, é uma absurdo
de bom.
Pausa para o cachorro quente de 6
e a água de 3 reais, noite já escura, e pela montagem
do palco, fica claro que o próximo show é o da Nação
Zumbi. Apesar de ser fã dos caras já há alguns
anos (e simpatizante da idéia de que eles vem ficando cada
vez melhores, a despeito da morte de Chico Science em 1997), eu
realmente não esperava pelo o que estava por vir. Um show
da Nação Zumbi é algo que você só
tem noção depois que assiste - definitivamente, algo
para presenciar, e não para simplesmente ler. Os caras geram
no palco uma massa sonora avassaladora, resultante dessa química
perfeita forjada por eles mesmos, que mixa percussão (toneladas),
guitarra (a competência de Lúcio Maia em seu instrumento
é impressionante), psicodelia e o sotaque nordestino das
letras e do vocal de Jorge Du Peixe. Se nos discos já é
algo bastante interessante, ao vivo é grandioso. O público
em comunhão perfeita com a banda foi arrepiante - para se
ter uma idéia da mágica da coisa, a chuva rápida
que caiu no refrão de Mormaço ("Vai chover/Vai
chover") foi algo natural. A Nação mandou, e
a chuva caiu, simples assim.

Nação Zumbi
Depois do grande show dos pais do
manguebeat, bem que podíamos ir direto pro Supergrass. Como
não estamos em um mundo perfeito, tinha um show do Ira! no
meio. Ok, estou sendo maldoso, na verdade conheço muito pouco
do Ira!, mas o suficiente para saber que não gosto nem um
pouco da música da banda. Assistir um show deles só
serviu para reforçar bem isso. Desculpem-me os fãs,
mas o tipo de som que os caras fazem é dos mais irrelevantes
de acordo com meus critérios, por isso nem vou entrar no
mérito de dizer o que achei do show. Para isso, também
vou relevar o fato de terem destruído um clássico
do Jimi Hendrix (Foxy Lady), outro do Clash (Train in Vain) com
uma risível tradução em português, além
do ridículo discurso infantil contra "críticos
que ouvem MPB cabeça" ou alguma merda desse tipo.
Finalmente finado o show do Ira!,
era só esperar o Supergrass para fechar a noite com chave
de ouro. Pena que essa espera foi bem maior do que vinham sendo
os intervalos entre as apresentações e passada uma
hora de expectativa, as primeiras vaias começaram a ressoar
- ao menos serviu para abrandar a chuva que em certo momento começou
a cair mais implacável (nos fazendo lembrar do estacionamento).
Finalmente apareceram os ingleses para delírio do povo que
claramente estava ali em sua maioria para vê-los, e a banda
retribuiu a gentileza sem maior cerimônia mandando Lenny e
Caught by the Fuzz em um sequência inicial alucinante. Rolaram
mais algumas dos discos anteriores até que Gaz Coombes, em
seus indefectíveis suspensórios, anunciou que a banda
tocaria algumas canções de "Road to Rouen",
o que me deixou bastante feliz. Rolaram Kiss of Life, Road to Rouen
(cujos trechos iniciais de guitarra me lembram muito os sons do
Led Zeppelin na época do "Houses of the Holy"),
a excepcional Tales of Endurance (parts 4,5 & 6), a preferida
pessoal Kick in the Teeth, além de uma sessãozinha
violão/teclado com as ótimas St. Petersburg (essa
protagonizada inteiramente por Gaz, em performance irretocável),
Low C e Roxy, tudo isso emoldurado por um pano de fundo com a bela
capa de "Road to Rouen". O pessoal vibrou quando o líder
da banda tirou o violão dos ombros e disse que era hora de
voltar ao rock 'n' roll, e eu me dei por satisfeito. Pouco depois
disso, cansados e temendo a confusão na saída da turba
após o fim do Supergrass, resolvemos rumar para casa, trilhando
o caminho da saída ao som empolgante de Grace.

Supergrass
O 2º Campari Rock foi bastante
além das minhas expectativas, que já eram bastante
altas. Curitiba Rock Festival e Tim Festival terão que se
esforçar para manter o alto nível estabelecido nesse
primeiro semestre de 2006 pelo Campari Rock - se tiverem êxito
nessa empreitada, é certo que teremos um 2006 tão
memorável quanto foi 2005, quando Pearl Jam, Mudhoney, Wilco,
Arcade Fire, Sonic Youth, Flaming Lips, Stooges, entre outros, passaram
pelo Brasil.
Fabricio Boppré
fotos do site oficial do evento
http://www2.uol.com.br/camparirock/
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