Esta é a versão antiga da Dying Days. A nova versão está em http://dyingdays.net. Estamos gradualmente migrando o conteúdo deste site antigo para o novo. Até o término desse trabalho, a versão antiga da Dying Days continuará disponível aqui em http://v1.dyingdays.net.


Home | Bandas | Letras | Reviews | MP3 | Fale Conosco
Trilhas Sonoras:

 




Singles, 1992
(Vida de Solteiro)
Dir: Cameron Crowe



01. Would? - Alice In Chains
02. Breath - Pearl Jam
03. Seasons - Chris Cornell
04. Dyslexic Heart - Paul Westerberg
05. Battle Of Evermore - The Lovemongers
06. Chloe Dancer / Crown Of Thorns - Mother Love Bone
07. Birth Ritual - Soundgarden
08. State Of Love And Trust - Pearl Jam
09. Overblown - Mudhoney
10. Waiting For Somebody - Paul Westerberg
11. May This Be Love - Jimi Hendrix
12. Nearly Lost You - Screaming Trees
13. Drown - Smashing Pumpkins


-

Original Motion Picture Soundtrack (1992 - Epic)

Parece mentira, mas houve uma época onde as grandes gravadoras lançavam trilhas sonoras com coerência artística, aliando músicos de renome com uma proposta sonora condizente com o filme. Longe da prática atual de reunir um ou outro artista consagrado e mais uma penca de ilustres desconhecidos, alguma trilhas sonoras conseguiram agrupar músicas relevantes que muitas vezes deram o ar de sua graça exclusivamente para aquele intento.

"Singles" saiu na hora certa, em meio à explosão musical do início dos anos 90. Veículos musicais a mil, as bandas alternativas tomavam as paradas e as atenções do público, movimentando dólares nunca antes cogitados pelas gravadoras. O ex-funcionário da revista Rolling Stone, então diretor de filmes, Cameron Crowe sentiu a oportunidade e filmou uma comédia romântica tendo como pano de fundo a efervescente cena de Seattle. Com uma história bobinha e que pouco se relacionava com o que estava acontecendo no momento (ao contrário do filme "Hype" que depois viria a traçar um documento a respeito do que ocorrera naqueles anos), Crowe foi esperto ao ponto de convencer alguns artistas de expressão a fazer pontinhas não-compremetedoras no filme, dando a impressão ao espectador que as coisas estavam acontecendo com simultaneidade, ajudando a saciar a ânsia por material que dali vinham. Além disso, teve a iniciativa de filmar a cidade, localizando as ocorrências do filme em parques, bares, pubs, cafés, condomínios, portos, saciando a curiosidade do espectador em torno de como era aquela meca do rock. Por essa grande sacada, o filme acabou mostrando os artistas em que todos estavam interessados naquele momento, fazendo aparições inusitadas no decorrer da película. Chris Cornell, Pearl Jam, Alice In Chains aparecem como personagens secundários ou fazendo trechos de performances. Lembro que fui assitir ao filme no cinema Baltimore em uma chuvosa tarde de férias, munido de minha camisa de flanela oficial.

Tamanha conexão entre artistas, diretor e proposta do filme resultaram em uma trilha muito superior ao resultado que o filme obteve. O CD reúne artistas selecionados, mesmo sem contar com o grande nome do momento (Nirvana), tocando faixas inéditas e exclusivas, dando à trilha um embasamento ímpar. Ao invés de reedições de canções antes lançadas, de músicas deslocadas do tema ou de qualquer porcaria de uma banda sem expressão, oferece-se um retrato de uma época, obtido com o aval dos que ali participaram. O Alice In Chains abre os trabalhos com a então inédita "Would", que roubou horas e horas de exibição da MTV (naquele tempo ela era muito legal) e dava uma prévia do que estaria em seu álbum subseqüente, o clássico da época grunge "Dirt". O até hoje queridão Pearl Jam meteu duas músicas na trilha. "Breath" remetia aos tempos do álbum "Ten", com aquele metal soft e melódico, soando até um pouco ingênuo se comparado com músicas que eles viriam a fazer no futuro (pensou em "Do The Evolution"?). É deles também "State Of Love And Trust", um clássico entre os fãs da banda que até hoje figura em um ou outro show dos caras, com suas guitarras mais pesadinhas e a empolgação do carismático Ed Vedder. O vocalista do Soundgarden Chris Cornell aparece com uma inusitada canção solo, uma balada com cara de demo ao violão, mas que acabou tornando-se sua melhor aventura fora do Soundgarden. Quem dera seu album solo de 1999 tivesse herdado a mesma inspiração que "Seasons" apresentou. Paul Westerberg entrega as duas faixas pop do disco, provavelmente encomendadas pelo diretor que precisava de um embalo alegrinho para as desventuras românticas de Matt Dillon e Bridget Fonda. Os Lovemongers fazem um cover ao vivo de "The Battle Of Evermore" do Led Zeppelin e assumem o momento baixo do disco. Uma canção dupla do já extinto Mother Love Bone presta tributo ao falecido vocalista Andrew Woods e induz o ouvinte a descobrir o que existia antes do Pearl Jam. "Chloe Dancer/Crown Of Thorns" é uma bela música ao piano, que constava também em versão editada no álbum "Apple". O peso pega com o Soundgarden e suja de vez com o Mudhoney. O primeiro deixa sua contribuição de neo-Black Sabbath e o segundo carimba o CD com a garageira que transformou o grunge em uma febre. Bem sacada é a inclusão de Jimi Hendrix, natural de Seattle e erroneamente dito "pai" da cena (musicalmente ele não tinha a menor relação com os pupilos, que viriam a ser novamente apadrinhados por Neil Young). "May This Be Love" traz um toque psicodélico-retrô. Perto do final, os Screaming Trees colaboram com a melhor música de sua carreira (que seria disponibilizada em seu disco "Sweet Oblivion"), "Nearly Lost You" é um hitzão que funciona até os dias de hoje. As guitarras pesadonas e a voz rouca de Mark Lanegan nunca soaram ao mesmo tempo tão perfeitamente rock e tão inspiradas como nessa faixa. O disco fecha a conta com "Drown", dos então emergentes Smashing Pumpkins. A faixa é um clássico, preferida de dez entre dez fãs do quarteto. As guitarras em estilo sinfônico em contraste com as microfonias, o frágil vocal de Billy Corgan, a produção de Butch Vig eternizaram a música. Chave de ouro para uma trilha respeitável.

Enquanto o filme utilizou de alguns esteriótipos e sacadas hollyoodianas para padronizar uma cena para as grandes massas, a trilha por sua vez serviu para oficializar um número de artistas que, naquele momento, recebiam todas as atenções do planeta. Unindo os interesses comerciais da gravadora com o interesse do público, a trilha de "Singles" mostrou ser possível unir música e imagens de forma coerente e com credibilidade. Empata com "Judgement Night" e "Lost Highway" na minha lista de preferidos.

Vicente Moschetti
setembro/2003
Publicado originalmente no Baby Let's Rock