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Review: Mellow Gold

avaliação:

Mellow Gold nasceu a partir de Loser, o single que Beck Hansen havia produzido e gravado com equipamentos caseiros em um fundo de quintal qualquer. Quando Loser espontaneamente foi ganhando espaço nas rádios mais alternativas da California, cresceu o olho das grandes gravadoras para assinar o sujeito. E foi a Geffen quem se saiu melhor, lançando Mellow Gold em Março de 1994.

Gostando ou não, é difícil não admitir que Loser é uma das músicas que simbolizam os anos 90. Uma época em que, pelo menos durante um certo tempo, fazer música era mais importante do que se tornar um rockstar, a sonoridade era mais importante do que o modo de vestir e era de mais valia transmitir sinceridade nas letras do que conquistar as menininhas. O "timing" não poderia ter sido melhor para uma música como Loser, onde o personagem da música se autodeclara um perdedor. Naquela época, o perdedor era aquele que não fazia questão de seguir regras hipócritas para ser o vencedor. O Loser não se importava em usar as roupas certas, não queria impressionar as menininhas sendo o mais bad boy, mesmo que a conseqüência fosse se tornar um desajustado, um perdedor.

Claro não demorou muito para ser surgir uma "estética" loser, que agregou vários elementos daquela velha hipocrisia, virou mais uma fantasia, e Beck fez muito bem em não bater na mesma tecla em seus lançamentos subseqüentes.

Mas se prendendo apenas a música, "Loser" é um autêntico rap que deve tanto aos Beastie Boys quanto às alardeadas influências folk e blues do Beck. O excelente riff é um sample do próprio Beck tocando. Para os puristas é um incômodo pensar que aquele minúsculo trecho vai ser repetido até o final da música quando qualquer guitarrista poderia ter reproduzido várias vezes sem dificuldade, e com alguma variação que poderia dar um colorido maior a música. Mas na prática funciona, e o mesmo vale para a bateria, também sampleada, mas que soa orgânica o suficiente para convencer.

Apenas "Loser" já seria suficiente para "Mellow Gold" garantir o seu nome na retrospectiva da década. Mas o disco tem muito mais a oferecer. "Pay no Mind" traz toda a simplicidade de canção voz e violão, a melodia gentil convence e o solo de gaita é uma das provas de que Beck transpira versatilidade como músico. "Fucking with My Head" é ainda melhor, com uma vibrante levada de violão com alguns truques espertinhos de guitarra. A melodia é uma das melhores de Beck no disco.

"Whiskeyclone, Hotel City 1997" é quase um lamento, num arranjo bem tosco de violões, baixo e percussão modestíssima. Mas a aparência precária na verdade disfarça uma das mais músicas mais orgânicas e verdadeiras do disco. A letra é carregada de desesperança, encarando uma realidade de sub-emprego que foi bem conhecida de Beck durante um certo tempo. "Soul Sucking Jerk" muda completamente os ares, apostando nas distorções e no vocal hip-hop. A música é riquíssima nos detalhes de distorções, microfonias e efeitos, resultando numa audição interessante mesmo para quem não se interessa com incursões mais a fundo no hip-hop. "Truckdrivin' Neighbors Downstairs" mais parece uma demo. Introduzida por um diálogo "bate-boca" bem no estilo Pulp Fiction com mais chiado do que vinil. Do meio da chiadeira surgem dois violões displicentes porém inspiradíssimos, onde Beck despeja uma melodia folk bêbada de letra non-sense ("Acid casualty with a reposessed car / Vietnam vet playin' air guitar...") numa harmonia vocal das mais bizarras.

"Sweet Sunshine" exagera na dose. O mais marcante do arranjo é o baixo arrastado, gosmento, acompanhado de uma bateria bem amadora. Alguns efeitos de gosto duvidoso (ruídos de moscas) e um vocal distorcido que beira o insuportável completam a cena. Skip.

A excelente "Beercan" recoloca as coisas no lugar. Em retrospectiva, é a música mais "Midnite Vultures" do "Mellow Gold". Além da animação contagiante, "Beercan" acerta no arranjo, com samples dos mais absurdos e inusitados. "Seal My Body Home" começa em câmera lenta, com uma melodia assobiável que se assemelha a um mantra. E assim vai até quase o final, quando a música passa por uma transformação e termina alegre, num clima de celebração.

"Nightmare Hippy Girl", mais uma de voz e violão, é uma canção de amor (amor?), onde são exaltadas as pequenas extravagâncias da amada. Lá pelas tantas, já não se sabe se os versos da letra são mesmo de admiração ou se trata de uma fina ironia. Essa interrogação é embalada pela melodia mais doce e cativante do disco.

"Motherfucker" é insana e agressiva, com vocal distorcido e gritado. Já "Blackhole" é mais lenta e contemplativa, ao estilo "Steal My Body Home", transmitindo tranquilidade e conforto. O fim do disco apresenta ainda como bônus uma seqüência de efeitos eletrônicos nonsense para quem tiver paciência de esperar alguns minutos, ou for supreendido depois dos instantes em silêncio.

O tempo se encarregou de provar que Beck tinha muito mais a oferecer do que apenas um hit. Mas para aqueles que ouviram "Mellow Gold", definitivamente Beck já não tinha mais nada a provar.

Alexandre Luzardo
abril/2003