Gostando ou não, é difícil
não admitir que Loser é uma das músicas
que simbolizam os anos 90. Uma época em que, pelo
menos durante um certo tempo, fazer música era
mais importante do que se tornar um rockstar, a sonoridade
era mais importante do que o modo de vestir e era de mais
valia transmitir sinceridade nas letras do que conquistar
as menininhas. O "timing" não poderia
ter sido melhor para uma música como Loser, onde
o personagem da música se autodeclara um perdedor.
Naquela época, o perdedor era aquele que não
fazia questão de seguir regras hipócritas
para ser o vencedor. O Loser não se importava em
usar as roupas certas, não queria impressionar
as menininhas sendo o mais bad boy, mesmo que a conseqüência
fosse se tornar um desajustado, um perdedor.
Claro não demorou muito para ser
surgir uma "estética" loser, que agregou
vários elementos daquela velha hipocrisia, virou
mais uma fantasia, e Beck fez muito bem em não
bater na mesma tecla em seus lançamentos subseqüentes.
Mas se prendendo apenas a música,
"Loser" é um autêntico rap que
deve tanto aos Beastie Boys quanto às alardeadas
influências folk e blues do Beck. O excelente riff
é um sample do próprio Beck tocando. Para
os puristas é um incômodo pensar que aquele
minúsculo trecho vai ser repetido até o
final da música quando qualquer guitarrista poderia
ter reproduzido várias vezes sem dificuldade, e
com alguma variação que poderia dar um colorido
maior a música. Mas na prática funciona,
e o mesmo vale para a bateria, também sampleada,
mas que soa orgânica o suficiente para convencer.
Apenas "Loser" já seria
suficiente para "Mellow Gold" garantir o seu
nome na retrospectiva da década. Mas o disco tem
muito mais a oferecer. "Pay no Mind" traz toda
a simplicidade de canção voz e violão,
a melodia gentil convence e o solo de gaita é uma
das provas de que Beck transpira versatilidade como músico.
"Fucking with My Head" é ainda melhor,
com uma vibrante levada de violão com alguns truques
espertinhos de guitarra. A melodia é uma das melhores
de Beck no disco.
"Whiskeyclone, Hotel City 1997"
é quase um lamento, num arranjo bem tosco de violões,
baixo e percussão modestíssima. Mas a aparência
precária na verdade disfarça uma das mais
músicas mais orgânicas e verdadeiras do disco.
A letra é carregada de desesperança, encarando
uma realidade de sub-emprego que foi bem conhecida de
Beck durante um certo tempo. "Soul Sucking Jerk"
muda completamente os ares, apostando nas distorções
e no vocal hip-hop. A música é riquíssima
nos detalhes de distorções, microfonias
e efeitos, resultando numa audição interessante
mesmo para quem não se interessa com incursões
mais a fundo no hip-hop. "Truckdrivin' Neighbors
Downstairs" mais parece uma demo. Introduzida por
um diálogo "bate-boca" bem no estilo
Pulp Fiction com mais chiado do que vinil. Do meio da
chiadeira surgem dois violões displicentes porém
inspiradíssimos, onde Beck despeja uma melodia
folk bêbada de letra non-sense ("Acid casualty
with a reposessed car / Vietnam vet playin' air guitar...")
numa harmonia vocal das mais bizarras.
"Sweet Sunshine" exagera na dose.
O mais marcante do arranjo é o baixo arrastado,
gosmento, acompanhado de uma bateria bem amadora. Alguns
efeitos de gosto duvidoso (ruídos de moscas) e
um vocal distorcido que beira o insuportável completam
a cena. Skip.
A excelente "Beercan" recoloca
as coisas no lugar. Em retrospectiva, é a música
mais "Midnite Vultures" do "Mellow Gold".
Além da animação contagiante, "Beercan"
acerta no arranjo, com samples dos mais absurdos e inusitados.
"Seal My Body Home" começa em câmera
lenta, com uma melodia assobiável que se assemelha
a um mantra. E assim vai até quase o final, quando
a música passa por uma transformação
e termina alegre, num clima de celebração.
"Nightmare Hippy Girl", mais
uma de voz e violão, é uma canção
de amor (amor?), onde são exaltadas as pequenas
extravagâncias da amada. Lá pelas tantas,
já não se sabe se os versos da letra são
mesmo de admiração ou se trata de uma fina
ironia. Essa interrogação é embalada
pela melodia mais doce e cativante do disco.
"Motherfucker" é insana
e agressiva, com vocal distorcido e gritado. Já
"Blackhole" é mais lenta e contemplativa,
ao estilo "Steal My Body Home", transmitindo
tranquilidade e conforto. O fim do disco apresenta ainda
como bônus uma seqüência de efeitos eletrônicos
nonsense para quem tiver paciência de esperar alguns
minutos, ou for supreendido depois dos instantes em silêncio.
O tempo se encarregou de provar que Beck
tinha muito mais a oferecer do que apenas um hit. Mas
para aqueles que ouviram "Mellow Gold", definitivamente
Beck já não tinha mais nada a provar.