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Review: Odelay

avaliação:

Todo mundo tem um disco que revoluciou sua vida, uma daquelas peças que nascem com a tarjeta de Clássico fixada na capa. Eu ouvi falar do Beck em 1994, num programa da Rádio Atlântida no Rio Grande do Sul, quando eles tentaram colocar Looser na programação, e infelizmente não pegou.

Naquela época eu era suficientemente imaturo para desprezar uma obra-prima. Dois anos depois, quando ainda vivia emergido num mundo de pop, baladas melosas e Legião Urbana, leio na saudosa Showbizz uma crítica elevando um álbum do Beck à categoria de clássico. Posso falar sem vergonha que mais me chamou atenção aquele cãozinho saltando um obstáculo na capa do que o próprio texto, mas me chamou a atenção. Era Odelay nascendo na minha vida. Um dia por curiosidade numa loja de discos resolvo ouví-lo, e o estrago estava feito, nascia meu primeiro disco de rock alternativo.

Na contracapa do álbum diz Je suis revolutionaire, suficientemente auto-explicativo para o que Beck faz neste álbum. A entrada da primeira faixa, Devil's Haircut já toma você covardemente pelo que há de melhor no rock, barulho, um certo caos, uma neurose pulsante, "Got a devil's haircut in my mind", numa pegada meio blues, meio showgazing, meio rock, cheia de barulhinhos, e barulhões, vozes sintetizadas, e a voz do próprio Beck em microfone aberto, aveludada, suave, mas cantando demências. Isso, meu caro amigo, isso sim é sem volta. Eu não precisei ouvir o resto.

O disco conta com a produção dos tarimbados The Dust Brothers, especialistas em fundir eletrônica e guitarras, sempre fazendo fusões interessantes. As fusões de Odelay transcendem o interessante, vão muito além disso, sem chegar nunca próximo ao perigo de se repetir e nem tampouco à chatice do típico disco experimental para as massas. Odelay é concebido a partir de bases simples, muito parecidas umas com as outras, porém com arranjos e variacões tão geniais que fazem com que cada cancão pareça ter saído de um catálogo diferente. Tem rap, tem country, hinduísmos, folk, indústrial, bossa. Tem quase tudo, e tem sempre o mesmo, e convenhamos essa não é uma formula muito fácil de aplicar.

Hotwax, a segunda cancão do disco lembra Looser (vide Mellow Gold), um rap com violões e barulhinhos espertos com refrão em espanhol: Yo soy un disco quebrado, yo tengo chicle en el cerebro. Surge uma gaitinha que deveria mudar tudo na canção, mas tudo continua assim, esperto, e termina num diálogo onde Beck é categórico e se auto proclama: "who are you?","I'm the enchanting wizard of rhythm.", "why did you come here?", "I came here to tell you about the rhythms of the universe....". Um berro, vozes baixas no estéreo, batidinhas, ruídos, você tem uma nova cancão, um country, tranquilo, gostoso, só falta o cavalo e o chapéu, Lord Only Knows.

Um dos hits do disco é The New Pollution, uma das remodelacões que Tomorrow Never Knows dos Beatles recebe nos anos 90. Funcional para pistas de dança, essa canção aparenta vir completamente entorpecida, desde a letra até o ritmo hipnótico e um pouco malemolente. Derelict traz cítaras, o vocal sintetizado e um clima completamente hindu, você pode até imaginar o moço vestido como o Gandhi. Na minha opinião não é uma faixa brilhante, porém ela é muito esclarecedora de que os Beatles e sua trajetória, principalmente o álbum Revolver, atuam na elaboração de Odelay.

Novacane pode ser ensurdecedora, dependendo da sensibilidade do ouvinte, irritante talvez, mas eu prefiro dizer claustrofóbica, é a canção mais claustrofóbica e barulhenta do disco. Jack-Ass é folk, folk doce, suave com fortes referências a Bob Dylan, cheia de barulhinhos, pegada leve, porém irônica até o dedão do pé. O grande hit do disco foi mesmo Where It's At, uma mescla de rap, soul e jazz, altamente dançável, tão representativa como o Beck, tanto que ambos foram parar na tela do Futurama, onde aparece o beckcionário, de onde teria vindo o verbete Odelay, inexistente na língua inglesa. Minus é new wave, enfurecida e explosiva, forte e contundente. Sissineck é o contrário, um alt-country leve, risonho e altamente assobiável.

Punk, blues, country, folk, rap, soul, jazz, rock, hindí, tudo entra na salada de Odelay, até Readymade traz um sampler de Desafinado, e High 5! Uma cuíca sambando em meio a um caos sonoro que pode ser um rap, um rock porra-loca ou um talk-show. Ramshckle quebra o clima, é a mais soturna de todas, tristonha e solitária, ilhada entre High 5! e Discobox, que é uma espécie de ensaio final. Talvez no fim do disco você possa rever seus conceitos de criatividade...

Este disco passou a definir o que um disco experimental representa no rock, é incessantemente copiado sem ter tido até hoje algum que chegue perto, além de que certamente será ouvido por um bom tempo com aquele assombro com que todo clássico é ouvido, por ter transcendido de tal forma o próprio tempo. Um clássico absoluto e revolucionário dos anos 90 q ue nem o próprio Beck parece conseguir repetir, e que me preparou para muitos outros que vieram depois daquele dia naquela loja discos.

Éverton Vargas da Costa
out/2004