O
Blind Melon foi mais um exemplo de banda que teve a trajetória
encerrada de forma prematura, deixando a sensação
de não ter atingido a plenitude de seu potencial. Pior
ainda, diferente de bandas como o Alice In Chains ou o próprio
Nirvana, que tiveram desfechos similares, o Blind Melon mal
teve tempo de se afirmar plenamente. Muita gente até
hoje pensa que o Blind Melon foi apenas uma daquelas bandas
'one hit wonder', que por uma conjunção de fatores
muitas vezes fortuitos, descola um grande sucesso com uma
única música e imediatamente desaparece sem
deixar rastro. Na realidade, é até difícil
culpar quem pensa assim, por mais que exista muito mais para
ser ouvido no Blind Melon do que apenas o hit "No Rain"
(e isso é uma obviedade), é cabível afirmar
que os dois únicos discos deixados pela banda (e mais
um terceiro, póstumo) não formam um corpo de
trabalho suficiente para que o Blind Melon seja considerada
uma banda fundamental em qualquer contexto.
Por outro lado, foi sim uma
banda que tinha uma visão devidamente distante do que
acontecia ao redor, praticamente não estando ligada
diretamente a qualquer cena pré-existente. Ainda que
seja possível identificar influências claras
no som do Blind Melon, há identidade própria
nas mesmas proporções.
Formado em Los Angeles em 1990,
a única afinidade inicial entre os integrantes da banda
era o repúdio à cena poser de hard rock e heavy
metal vigente na cidade. Eram todos recém chegados;
Brad Smith (baixo) e Rogers Stevens (guitarra), amigos de
infância, aprenderam a tocar juntos no Mississipi antes
de tentarem a sorte em LA. Shannon Hoon (vocal) vivia em Lafayette,
em Indiana, onde se destacava nos esportes nos tempos de colegial,
antes de virar um adolescente encrenqueiro, brigão
e envolvido com drogas. Hoon já havia sido preso várias
vezes por posse de drogas e pequenos delitos, antes de resolver
se aventurar em Los Angeles. O trio se conheceu numa festa,
onde trocaram idéias sobre a cena local e imediatamente
fecharam a questão de que deveriam formar uma banda.
Depois de alguns ensaios iniciais,
o guitarrista Stevens sentiu a
necessidade de adicionar uma segunda guitarra ao som da banda
e lembrou-se de Christopher Thorn, que havia conhecido durante
um teste para um grupo que ambos haviam participado (e fracassado).
Thorn era mais um recém-chegado a Los Angeles, veio
de Dover (Pennsylvania) e tocava guitarra desde garoto, tendo
integrado uma banda de trash metal na sua cidade. Faltava
apenas um baterista, e foram meses de procura sem sucesso
até que Smith e Steven se lembraram do conterrâneo
de Mississipi Glen Graham. Feito o convite, Glen topou na
hora: desmontou a bateria, juntou suas coisas e seguiu o rumo
de Los Angeles, com apenas 25 dólares no bolso. Estava
completa a formação do Blind Melon, nome tirado
de uma expressão usada pelo pai de Rogers Stevens para
se referir aos seus vizinhos hippies sem futuro.
O som da banda era tão
diferente do que havia na época que mal a primeira
fita-demo ficou pronta, as gravadoras partiram para cima.
A banda tirou proveito da situação: a demo tinha
apenas quatro ou cinco faixas e não haviam outras músicas
no repertório, mas cada gravadora que se aproximava
ouvia juras de que existiam mais de 20 músicas compostas.
Quando executivos iam assistir a algum ensaio, a banda apresentava
as cinco músicas e parava de tocar, alegando cansaço
ou uma indisposição qualquer. A malandragem
surtiu resultado e a gravadora Capitol fechou contrato com
eles.
De imediato, o Blind Melon
entrou em estúdio para preparar seu primeiro álbum,
mas as sessões não foram muito produtivas e
nada foi aproveitado daquele período. No entanto, ocorreu
um fato que iria mudar a relação do Blind Melon
com a mídia dali para frente. No estúdio ao
lado onde o Blind Melon estava, o poderoso Guns n' Roses trabalhava
nas gravações dos álbuns "Use Your
Illusion" I e II. Shannon Hoon conhecia Axl Rose desde
os tempos em que ambos moravam em Indiana, e foi convidado
por Axl para fazer backing vocal em algumas músicas.
Uma delas foi o mega-hit "Don't Cry", que contava
com Shannon Hoon também no videoclipe. O interesse
da mídia pelo Blind Melon foi à estratosfera,
trazendo na prática uma divulgação enorme
para a banda, que sequer havia lançado um single, quanto
mais o álbum de estréia.
O
lado negativo foi a vinculação do Blind Melon
ao Guns n' Roses, que desagradava a banda. Em praticamente
todas as entrevistas da banda na época, a pauta era
centrada muito mais no G'N'R e em Axl do que propriamente
no trabalho do Blind Melon. Ao mesmo tempo, a pressão
da Capitol aumentou para que eles aprontassem o primeiro álbum
logo. Sem ceder às pressões, a banda achou melhor
cair na estrada do que entregar ao mercado um álbum
finalizado às pressas. Depois de uma rápida
turnê, onde tocou em pequenos clubes e também
abriu alguns shows da turnê do Soundgarden, o Blind
Melon retornava a Los Angeles direto para o estúdio.
No entanto, a banda novamente estava dispersiva e não
conseguiu finalizar as músicas. Era hora de buscar
refúgio em um lugar mais afastado da agitação
de Los Angeles. A pequena Durham na Carolina do Norte serviu
para esse fim, e finalmente o Blind Melon concluiu o que acabou
sendo a pré-produção de seu primeiro
álbum. Em janeiro de 1992 a banda foi até Seattle
para gravar o
disco com o produtor Rick Parashar (o mesmo de Ten, do Pearl
Jam). Em maio, a banda embarcou numa turnê patrocinada
pela MTV, abrindo para Big Audio Dynamite II e PIL. A repercussão
da turnê foi boa e as expectativas pelo álbum
aumentavam. As gravações terminaram em junho,
mas o disco, auto-intitulado "Blind Melon" só
chegaria ao mercado em setembro. O disco refletia as influências
setentistas da banda, de Led Zeppelin a Lynyrd Skynyrd, e
de Pink Floyd a Allman Brothers num clima vibrante e celebratório,
quase hippie.
Ironicamente, naqueles tempos
o cenário se modificava rapidamente e a espera pelo
disco parecia ter sido tardia demais. Com isso, o interesse
do público pelo álbum foi muito pequeno, diluído
entre inúmeras outras bandas que ganhavam maior destaque
no momento. O Blind Melon partiu em turnê que se estendeu
por vários meses, mas as vendagens estavam bem abaixo
do que a Capitol esperava. O primeiro single, "Tones
Of Home", passou despercebido e o disco já era
encarado como causa perdida pela gravadora.
A banda não esmoreceu
e seguiu em turnê apesar da baixa repercussão,
e a sorte acabou virando de lado. Em meados de 1993, o disco
ganhou uma segunda chance com o lançamento do single
de "No Rain". Para o videoclipe, o diretor Sam Bayer
(com "Smells Like Teen Spirit" do Nirvana no currículo)
recriou a menina-abelha da capa do álbum. O carisma
da abelhinha, interpretada por Heather DeLoach, conquistou
o mundo, e passado um ano de o seu lançamento, o álbum
ganhava nova vida nas paradas, chegando à terceira
posição na Billboard.
Com o inesperado sucesso, a
turnê do Blind Melon se estendeu até o final
de 93, incluindo a abertura de shows de Neil Young e Lenny
Kravitz, além de apresentações como atração
principal. Em 1994 a banda planejava entrar em estúdio,
mas a gravadora queria extrair cada centavo que fosse possível
do álbum de estréia e com isso o Blind Melon
seguiu na estrada. Foi a partir dali que começaram
os problemas. O Blind Melon sempre foi dado aos excessos da
vida em turnê e especialmente o uso de drogas do vocalista
Shannon Hoon tornava-se preocupante. A situação
saiu de controle e a turnê foi abortada para que Hoon
pudesse se internar em uma clínica para desintoxicação.
O retorno foi ainda em 94 com alguns shows abrindo para os
Rolling Stones e uma elogiada participação na
segunda edição do festival Woodstock. A partir
de então o Blind Melon passou a se dedicar ao seu próximo
álbum, contando com o conhecido Andy Wallace na produção.
O balanço daquele ano
foi bastante positivo, o álbum Blind Melon ultrapassou
4 milhões de cópias vendidas somente nos Estados
Unidos e a banda foi indicada ao Grammy daquele ano. As perspectivas
eram boas. O sucesso do Blind Melon chegou a criar um 'revival'
dos anos 70, que ia da moda à música, onde surgiam
bandas claramente com as mesmas influências do Blind
Melon como 4
Non Blondes e outras. Mas o grande desafio mesmo era mostrar
que o Blind Melon ia muito além de "No Rain".
Incomodava a banda o fato de que boa parte do público
pensava no Blind Melon como a banda do clipe da abelhinha.
A própria Heather DeLoach participou de alguns eventos,
inclusive subindo ao palco do MTV Video Music Awards de 1993
fazendo a performance da menina-abelha ao som de "No
Rain". A performance da garotinha foi no mínimo
desconfortável para a banda, já que o próprio
Blind Melon não se apresentou durante a premiação.
Mas o ano de 1995 começou
muito difícil; os problemas de Shannon
Hoon com as drogas persistiam e as gravações
do segundo álbum foram tumultuadas. Aos trancos e barrancos,
o disco foi completado em junho, mas o lançamento foi
adiado. Quem convivia com os integrantes do grupo sabia que
era temerário encarar a maratona de divulgação
e turnê nas condições em que Hoon estava.
A banda pressionou Hoon para que fizesse um programa completo
de reabilitação numa clínica antes que
o disco chegasse às lojas. Em julho nasceu a filha
de Shannon Hoon e sua namorada Lisa Crouse. A chegada da pequena
Nico Blue Hoon deu novo ânimo ao vocalista que chegou
a declarar em entrevistas que o bebê foi o impulso que
faltava para ele se livrar das drogas de vez (alguém
já ouviu essa história antes? Kurt Cobain disse
o mesmo).
"Soup", o segundo
álbum do Blind Melon, finalmente chegou às lojas
em agosto. A recepção da crítica foi
a pior possível e o novo álbum foi duramente
criticado. Injustamente, diga-se; "Soup" é
um belo disco construído a partir da sonoridade do
primeiro álbum acrescentando arranjos mais pesados
e intrincados, sem perder a espontaneidade característica
de uma jam session em vários momentos. Principalmente
se destacavam temas mais sérios, não havia aquela
atmosfera alegre do álbum da abelhinha. Aliás,
não havia outra música como "No Rain".
O primeiro single, "Galaxie", refletia o novo momento
da banda: nada de videoclipes carismáticos dessa vez,
a ênfase devia estar na música.
O resultado foi que "Galaxie"
não teve grande repercussão na MTV, as rádios
não pegaram carona e somando-se as duras críticas,
"Soup" começou mal nas paradas, atingindo
apenas a posição número 28 na Billboard
na semana de estréia e caindo rapidamente. Pressionado,
a saída para o Blind Melon reverter a situação
era pegar a estrada imediatamente, mas Shannon Hoon ainda
não estava pronto para confrontar o vício nas
drogas com o estilo de vida em turnê. Mesmo assim, o
Blind Melon encarou a estrada contando com um profissional
acompanhando Hoon. Mas não durou muito, com poucas
semanas de shows, Hoon dispensou o profissional e voltou a
se drogar. Numa quinta-feira, dia 21 de setembro, a banda
iria se apresentar em New Orleans, ironicamente a cidade onde
"Soup" foi gravado. Naquela tarde, o técnico
de som foi até o ônibus da turnê chamar
Shannon para a passagem de som e encontrou o vocalista morto.
Overdose de cocaína.
Foi
o fim do Blind Melon. Na segunda-feira, 25 de setembro, seria
o lançamento do novo single de "Soup", "Toes
Across The Floor". A Capitol cumpriu rigorosamente o
previsto e o single chegou as rádios e MTV. Mas a música
foi superada pela tragédia. A morte de Shannon Hoon
ganhou todas as manchetes e comoveu fãs no mundo todo,
mas diferente do que se podia imaginar, "Toes Across
The Floor" foi constrangedoramente ignorada. Sem dúvida
foi melhor assim; teria sido doloroso demais para os integrantes
da banda ver "Soup" virar o jogo nas paradas em
função da morte do amigo.
Em 1996 dois lançamentos
póstumos do Blind Melon chegam às lojas. Um
deles foi o álbum "Nico" contendo sobras
de estúdio e faixas inéditas que foram retrabalhadas
em estúdio pelos integrantes remanescentes. Muitos
fãs e parte da crítica consideram "Nico"
o melhor disco do Blind Melon, mas, sem divulgação,
o álbum ficou restrito à base de fãs
da banda. O vídeo "Letters From a Porcupine"
também foi lançado, contendo todos os clipes
e imagens de shows e bastidores, sendo indicado ao Grammy
no ano seguinte.
O vídeo foi relançado
em DVD com vasto material inédito em 2001. A data não
poderia ter sido mais trágica: 11 de setembro. No ano
seguinte, a coletânea Classic Masters reunindo os maiores
sucessos e músicas mais importantes da carreira da
banda, foi lançada em janeiro.
Após
o fim do Blind Melon, Brad Smith e Cristopher Thorn formaram
o Unified Theory com o baterista Dave Krusen (ex-Pearl Jam
e Candlebox) e o vocalista Chris Shinn, lançando um
álbum auto-intitulado em 2000 (exatos 5 anos após
o lançamento de "Soup"). O disco teve pouca
repercussão e a banda se separou no ano seguinte. Brad
Smith seguiu solo sob o nome Abandon Jalopy lançando
o disco de estréia, "Mercy", em 2001.
Alexandre Luzardo
Outubro
/ 2004 |