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Review: Blur

avaliação:

"Blur", o auto intitulado quinto álbum do Blur foi uma grande reviravolta na carreira da banda. Aliás, a segunda reviravolta, pois eles já haviam praticamente re-inventado a si próprios no seu segundo disco, Modern Life Is Rubbish. 

Naquela vez, o Blur abandonou algumas referências e influências óbvias do que se fazia na Inglaterra na época (Stone Roses era a referência principal) em favor da retomada de elementos mais clássicos do rock inglês somados a um senso para melodia pop incomum e uma grande dose de criatividade e ironia. Essa nova linguagem, a partir de Modern Life Is Rubbish, rendeu mais dois frutos exuberantes, Parklife e The Great Escape. Parklife, particularmente, estabeleceu um novo marco na música britânica, na época em que foi cunhado o rótulo Brit Pop, do qual o Blur era o principal expoente, e por conseqüência, a maior banda da Inglaterra. Era uma época que tudo dava certo para o Blur, a banda estava no seu auge criativo. Qualquer idéia de música, mesmo a mais simples, era desenvolvida aos últimos detalhes, até que atingissem o posto de clássico, o que quase todas conseguiam. Com o álbum seguinte, The Great Escape, a banda levou os elementos que consagraram Parklife às últimas conseqüências, resultando num disco tão brilhante quanto seu predecessor. Acontece que na época de The Great Escape, os arqui-rivais do Oasis lançavam seu seu segundo disco, o irrepreensível (What's The Story) Morning Glory, que tomou o mundo todo de assalto. Diante do sucesso espetacular do Oasis, de uma hora para outra o som do Blur tinha se tornado ultrapassado, e completamente superado. Em 1996, um ano depois de seu lançamento, The Great Escape era considerado pelos críticos uma tentativa exagerada de igualar o sucesso de Parklife (os mesmos críticos que exultavam as qualidades do disco na época do lançamento). A mídia chegou a ponto de considerar The Great Escape um fracasso comercial (embora o disco tenha vendido na casa dos milhões no Reino Unido), na medida que falhou no mercado americano, ao contrário do Oasis. 


Era hora então de uma nova reviravolta. A mídia alardeava que a banda viria com um disco de rock "americano". De fato, "Blur", o disco, realmente mostra as comentadas influências do Pavement, mas não é tão simples assim. 

A primeira faixa parece uma irôncia resposta a quem dizia que o disco seria meramente um Blur americanizado. "Beetlebum" (que aliás, foi o primeiro single), não tem nada de americana. De início, um riff minimalista estranhíssimo de Graham Coxon (imagine aquela manobra de guitarra não convencional de Kurt Cobain em "Scentless Apprentice" que percorre todo o braço do instrumento). A música vai evoluindo numa melodia delicada, até chegar a um refrão estelar, meio Beatles, com toques de psicodelia e todo o requinte pop característico do Blur, a diferença é que desta vez, a guitarra é o instrumento que está em primeiro plano. 

Na seqüência, temos a excelente "Song 2", o hit involuntário de letra non-sense, que sequer tinha título até momentos antes de finalizado o disco. Acabou como "Song 2", simplesmente a faixa 2 do disco. E nessa faixa percebe-se mais do que instantaneamente a banda usando do pragmatismo do rock americano, no caso uma fórmula bem familiar do chamado grunge e mais exatamente do Nirvana. Sem soar como cópia descarada, o Blur conseguiu emular perfeitamente aquela dinâmica de tocar os mesmos acordes, primeiro leve depois pesado, em favor de uma das melodias mais carismáticas da sua carreira (sim, estamos falando aqui do refrão woo-hoo de Damon Albarn). O arranjo também é espetacular, repare que no refrão, o peso concentra-se todo no baixo (que conta com uma distorção monstruosa), enquanto que a guitarra fica o tempo todo reverberando intermitente, criando uma sensação de caos (que muito bem sacado no videoclip) salvando a música do gratuito.

A seguir, "Country Sad Ballad Man", uma balada bem relaxada recheada dos falsetos de Damon Albarn. A música é levada no violão mas tem muito espaço para Graham Coxon brilhar com seus ruídos guitarrísticos, bem como para as estranhezas do teclado de Albarn. Quase no final, a música ganha um peso inesperado e termina em grande estilo, abrindo espaço para a vibrante M.O.R. ou Middle Of the Road. 

M.O.R. lembra em parte a urgência de "Trouble in the Message Centre" de Parklife. A música (mais uma com forte presença das guitarras sem desprezar os teclados) funciona no chamado "call and response", ou "chamada e resposta" (ou seja, para cada verso há uma resposta do backing vocal), que funciona muito bem na música, primeiro com o backing distorcido, depois alternado várias vezes a distorção para o principal. Destaque também para o solo bem bacana de Coxon.

"On Your Own" é uma balada bem alegre que traz a combinação com efeitos eletrônicos (na bateria inclusive), guitarras distorcidas e violão. Mas dessa mistura toda, o que se sobressai é a melodia de Damon Albarn, uma das melhores e mais cativantes da carreira da banda. Quase no final surge "nah-nah-nah's" infantilóides bem característicos do Blur em meio a guitarreira e às distorções e efeitos. É o Blur no seu bom humor de sempre.

A arrastada "Theme From Retro" surge para cortar um pouco o clima com seus teclados retrô e vocais ecoantes e etéreos. A seguir vem o momento "lo-fi" do disco, "You're So Great". Trata-se de uma baladinha romântica composta e interpretada por Graham Coxon solo. Foi a primeira vez na carreira do grupo que Coxon ficou responsável pelo vocal e não fez feio. A música tem ainda um efeito que recria o som de um vinil velho (com direito aos riscos e tudo). Quem diria! O Blur, que já foi até pomposo em alguns momentos de sua carreira, esbanja simplicidade nessa música que poderia muito bem estar em discos do Sebadoh ou Pavement. Mas "You're So Great" não pode ser considerada um acidente ou oportunismo. Esse tipo de som é realmente a praia de Graham Coxon, como ficou provado em seus álbuns solo, o primeiro deles lançado logo após esse disco.

"Death of a Party" segue a tendência de "Theme From Retro", com andamento arrastado e teclados. A diferença (e que diferença!) é que a presença de uma boa melodia e refrão. Não se deixe enganar pelos teclados exagerados do início, a música é bem interessante. "Chinese Bombs" é tão explosiva quanto "Song 2", com uma levada punk-anárquica-caótica. Desta vez, o peso é na guitarra mesmo (a distorção é tanta que quase não dá para compreender muita coisa), mas Alex James garante umas manobras interessantes no baixo de novo, enquanto que a bateria é seca e envolvente.

"I´m Just A Killer For Your Love" quebra o ritmo de novo e essa é uma característica desta segunda metade do disco. Depois de um início coeso nas primeiras 5 músicas, o disco passa por sobressaltos erráticos nas faixas restantes. Voltando a "I´m Just A Killer For Your Love", com seu refrão enfadonho, tem muito da levada das outras músicas mais experimentais como "Death of a Party" e "Theme From Retro", a diferença é que desta vez, o teclado é ausente, embora as distorções na guitarra garantam quase o mesmo clima.

E mais uma vez o disco muda o tom com a emblemática "Look Inside America", que parece uma resposta irônica para quem não estava reconhecendo o Blur de Parklife e The Great Escape. "Look Inside America" é cheia de auto-referências, como se o Blur estivesse relembrando a si mesmo, ou reunindo todos os elementos clássicos da banda como fórmula para compor uma música nova. A música, uma balada, abre com uma frase bem marcante de Damon, "Good morning lethargy!", com Damon cantando direto sem introdução, junto ao violão, bem ao estilo "End of a Century". Antes da segunda estrofe Graham Coxon entra com a guitarra com uma frase rítmica quase idêntica a já usada em "Best Days", a seguir, cordas, o único arranjo de cordas desse disco (e era raro alguma música dos dois álbuns anteriores sem cordas ou metais). Para terminar, já no refrão, repare que o som da guitarra no refrão é muito parecido com a introdução de "Country House". O fato é que "Look Inside America" poderia parecer deslocada nesse disco depois desta nova reinvenção no som da banda, mas isso de certa forma não acontece. O "novo" Blur é absolutamente multi-facetado e percorre com facilidade entre o experimentalismo, o pop e o rock, usando arranjos e elementos tão díspares entre si quanto as próprias composições. 

Seria uma forma extremamente emblemática de encerrar o disco com "Look Inside America", mas ainda temos três músicas ainda para o gran finale. "Strange News From Another Star", mais uma balada, está entre as músicas mais delicadas da banda até então (possivelmente ao lado de "This Is A Low" e "Best Days"), embora o início errático deixe uma impressão equivocada do que vem a seguir, até que se dá o início definitivo da música (depois que entra o violão). A alegre e pop "Movin' On" acelera o ritmo novamente, embora não seja inesquecível, tem um andamento bem interessante e descompromissado. "Essex Dogs", que encerra o disco, é outra jornada da banda no experimentalismo. A música abre com um ruído ritmado que acelera e desacelera, lembrando um motor. Na seqüência a letra é praticamente sussurrada em meio a uma melodia de baixo, uma outra melodia de "nah-nah-nah's" e ruídos de teclado e guitarras, com o barulho do motor indo e voltando. 

Com "Blur" (o disco), se os críticos ainda tinham dúvidas do talento e da criatividade do Blur (a banda), certamente foram obrigados a se calar. E, com toda a justiça, o prestígio do Blur estava definitivamente recuperado, com a banda se reafirmando como o principal nome do rock inglês nos anos 90 (ao lado daquela outra banda que começa com O).

Alexandre Luzardo