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Somos
influenciados em todos os momentos de nossas vidas,
em múltiplos sentidos. Não há como
escapar, pois muito antes de nós, já existiram
outros, e mesmo que os tempos mudem constantemente,
há sempre algo que fica e nos marca. Em se tratando
de arte, então, a intensidade é ainda
maior. |
Na verdade, pensar em música
e não pensar em influência é uma tarefa,
no mínimo, ingrata, pois não levará a
lugar nenhum. Portanto, e sabendo disso, alguns artistas resolvem
prestar homenagens àqueles que contribuíram
para sua formação, e mesmo sendo tal coisa um
clichê com 'c' maiúsculo, há quem consiga
fazer disso algo interessante. São poucos, mas existem,
mesmo que por detrás de um pseudônimo.
Chan Marshall, também conhecida como Cat Power, assim
como tantos outros artistas, resolveu prestar uma homenagens
àqueles que, de certa maneira, acabaram influenciando
sua carreira. Não seria muito difícil adivinhar
alguns nomes que entrariam na lista de influências,
por isso não é este o principal ponto de "The
Covers Record", o quinto disco da cantora de Atlanta.
A capacidade de Cat Power de se apropriar das canções
é o que mais chama a atenção neste disco.
A transformação promovida em "Satisfaction",
dos Rolling Stones, por exemplo, é tão bem feita
que, apesar de não lembrar em nada a versão
original, é tão boa quanto aquela. Na verdade,
acaba se tornando uma nova canção, e tal fato
acaba distanciando todos aquelas narizes torcidos que surgem
quando o assunto é música cover, principalmente
de nomes como Bob Dylan, Velvet Underground ou mesmo Mick
Jagger & Cia.
Com apenas um violão,
pianos ocasionais e sua voz melancólica, Cat Power
busca suas influências no gênero que é
a base de sua música: o folk. Não sem querer,
então, o violão é onipresente por todo
o disco, assim como músicas de Michael Hurley –
figura carimbada da famosa cena folk de Greenwich Village
–, ou Moby Grape – banda californiana da década
de 1960 que, muito embora estivesse fortemente vinculada ao
psicodelismo, trazia influências do folk e blues. Há
espaço para nomes mais conhecidos do grande público
como os acima citados Dylan ou Velvet Underground de Lou Reed.
É claro, sendo
ou não de nomes conhecidos, as canções,
após passarem pelas mãos de Cat Power, se tornam
dela. Por isso, a grande sacada do disco é ouví-lo
não como um disco de covers, como propõe o título,
mas como um disco da própria Chan. Canções
como "Kingsport town" e "Paths of victory"
perdem a voz anasalada de Dylan e ganham os contornos delicados
da voz de Marshall, assim como a própria "Satisfaction"
dos Stones ou "I found a reason" do Velvet Underground.
De Michael Hurley, Cat Power gravou "Troubled waters"
e "Swee dee dee", ambas do álbum "Armchair
Boogie", lançado pelo cantor em 1970. Do quinteto
Moby Grape foi escolhida "Naked if I want to", do
disco lançado em 1967 intitulado apenas "Moby
Grape", primeiro da banda. Nomes como Nina Simone e Phil
Phillips & the Twilights, proeminentes na década
de 1930, também aparecem neste trabalho, fechando o
álbum.
Há um ponto curioso
e um emocionante neste "The Covers Records". O ponto
curioso é a música "In this hole".
Apenas no piano, é, com certeza, umas das melhores
faixas do álbum, entretanto, diferente do restante
do disco, esta é uma música da própria
Cat Power, que faz parte do disco "What Would the Community
Think", lançado em 1996, e responsável
pela primeira grande exposição da cantora e
compositora. O ponto emocionante é a interpretação
de "Red apples", música do Smog, pseudônimo
de Bill Callahan, um dos nomes mais chamativos do mundo alternativo
lo-fi da década de 1990. Conhecido por seu minimalismo
e melancolia, não haveria melhor escolha de Cat Power
para o repertório de covers. "Red apples"
é apenas voz e piano para versos como "I slept
in her black arms/For a century/She wanted nothing in return"
"The Covers Record"
é, em poucas palavras, a homenagem de Cat Power a todos
aqueles que de alguma maneira a influenciaram. Até
Chan Marshall recebe sua homenagem, afinal, é uma das
influências mais importantes para Cat Power, sem dúvida.
Cada canção deste "Covers records"
é uma homenagem simples, suave e melancólica,
mas, antes de tudo, original, pois não é para
qualquer um se apropriar de clássicos com tamanha personalidade.
É para quem pode.
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