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Prolificidade

"Californication" (1999), o disco que marcou o retorno de John Frusciante aos Red Hot Chili Peppers, arrebentou qualquer expectativa de vendas projetada pela gravadora Warner, o que colocou os velhos Peppers na lista de regalias da corporação. O prestígio se estendeu de tal forma que a multinacional topou lançar o terceiro disco solo do guitarrista, provavelmente esperando promover vendas no embalo do êxito comercial alcançado pela banda. John assinou com eles e lançou "To Record Only Water For Ten Days", uma série de gravações caseiras que passavam anos-luz do funk platinado esperado pelos executivos. Provavelmente, sua tática era criar um universo paralelo, onde poderia desenvolver suas infinitas idéias artísticas que não encontrariam espaço nos discos da banda. O disco seguinte, "Shadows Collide With People" (2004) foi a prova cabal: por mais que tenha se esforçado em coincidir seus anseios artísticos com o interesse da Warner, Frusciante deu vida a um álbum que, no máximo, toca em rádios obscuras dedicadas ao rock. A Warner, por sua vez, compreendeu que sua idéia inicial não fechava muito bem com os resultados práticos obtidos, chegando à conclusão que os discos de John não pertenciam às gôndolas do Carrefour. Paralelamente, o lado obscuro de sua carreira solo lançava-o a um status cult, convertendo fiéis adoradores que sequer levavam em consideração a relação entre o guitarrista e uma banda milhardária. John assumiu duas identidades distintas: guitarrista dos Peppers e artista solo.

A saída da gravadora foi, ao invés do rompimento de contrato, colocá-lo em outro universo, não-corporativo. A casa de John passou a ser a Record Collection, um selo da própria Warner que edita música inovadora, sem o objetivo estritamente comercial. A mudança já se fez refletir no anúncio que veio a seguir: a Record Collection editaria, a partir de junho, pelo menos seis álbuns inéditos do guitarrista, em ritmo mensal. Histeria entre os fãs. John passou a descrever os lançamentos em seu site oficial à medida que iam sendo lançados e tudo o que foi prometido acabou acontecendo. O último disco de 2004 acabou de ser lançado, contabilizando cinco lançamentos à disposição do consumidor (seis em 2004, se levarmos em conta "Shadows Collide With People").

O que se pode facilmente observar nos álbuns é a heterogenia de conceitos entre eles. Cada álbum é resultado de uma diferente abordagem musical, seja no desenvolvimento de instrumentos, seja na utilização de influências. Em comum, a participação fiel de Josh Klinghoffer, que compõe, canta e divide as responsabilidades com John, em muitos momentos até se sobressaindo nos resultados. Além disso, segundo o próprio Frusciante, a nova fase reflete uma nova maneira de construir música, alheia a pressões de tempo e perfeccionismo. Todos os discos são resultados de sessões curtas de gravação, onde os erros são encarados com naturalidade e os instrumentos utilizados remetem aos anos 70. Tudo isso trouxe um caráter muito intimista e honesto aos resultados. A Record Collection, por sua vez, mostrou interesse em desafiar os padrões do mercado e não poupou esforços em disponibilizar produtos de qualidade. Os cinco discos foram embalados em digipaks e obedecem a um único design, obedecendo ao caráter série a que se dedicam.

O leitor pode se perguntar se realmente é necessário desaguar tanto material em tempos de pirataria e tanta oferta musical. Por mais incrível que possa parecer, todos os discos, por se diferenciarem bastante, têm alguma coisa a acrescentar. Outros músicos prolíficos como Billy Corgan (Smashing Pumpkins) mantiveram muita coisa em seus porões e decidiram liberá-las através dos próprios fãs, que distribuíram as músicas e as transformaram em entidades com o mesmo valor da discografia oficial. John achou melhor colocar suas músicas nas prateleiras das lojas, mostrando que acredita na qualidade de suas gravações. A atitude dessa série não deixa de ser um grande desafio, já que alguns fãs reclamam de não terem verba para acompanhar os lançamentos mensais, mais um ponto de confronto com os padrões da indústria. Mas jogando-se na fogueira, John e a Record Collection trouxeram à realidade o sonho que muitos fãs mantém em relação a seus artistas favoritos. Abaixo, uma síntese do que encontrar em cada disco:

The Will To Death (22/06/04): John apresenta o conceito da nova série de discos. Influências setentistas, ambiência natural, erros eventuais. Em momentos o ouvinte pode se imaginar junto de John e Josh no estúdio. As influências deprê de Joy Division e Nico são o fio condutor das faixas mais lentas, o que não impede John de dar uma arregaçada nas mais rápidas. O mix mostra que poucos instrumentos são usados, embora a versatilidade de idéias encha os ouvidos. Tudo se encaixa perfeitamente: conceito, execução e resultado – com a vantagem da existência de excelentes composições. O meu preferido da série.
Ouça: An Exercise / Time Runs Out / Loss / A Loop
Automatic Writing (10/08/2004): John e Josh convidaram o baixista do Fugazi, Joe Lally, para uma apresentação experimental em São Francisco. Gostaram tanto do resultado que resolveram entrar em estúdio e deixar o lance rolar. Sob o codinome Ataxia, a banda fez um disco de longas cinco faixas, onde o baixo de Lally segue repetitivo, como um berço para as guitarras furiosas de Frusciante. Pitadas de sintetizadores aqui e ali acertam em cheio. Muito climático, é o mais experimental e que talvez mais exija do ouvinte até que este possa começar a pescá-lo. Por esse motivo, devolve retorno surpreendente a quem lhe dá a chance. O Ataxia deve lançar uma segunda parte de gravações no início de 2005.
Ouça: Dust / The Sides
DC EP (14/09/2004): Fã confesso de Fugazi, John deu uma de Dave Grohl e aceitou o convite de Ian Mckaye de entrar nos estúdios Inner Ear, onde o Fugazi costuma gravar seus discos. Com Jerry Busher na bateria, gravou quatro faixas em dois dias, sob produção de Mackaye. A idéia refletiu diretamente nas faixas, onde é possível notar o diferente acabamento na produção. Até mesmo os solos de Frusciante soam diferentes, já que foram utilizadas as guitarras de Guy Picciotto em suas gravações. Acaba sendo um apanhado de muita coisa que John desenvolveu até ali, condensado em músicas bastante acessíveis.
Ouça: A Córner / Repeating
Inside Of Emptiness (28/10/2004): O mais roqueiro dos discos e, por conseqüência, o que menos explora idéias. Um festival de riffs e o uso de vários conceitos comuns a discos de bandas de rock. Omar Rodriguez-Lopez empresta suas mãos em "666", e, contagiado pela simplicidade das gravações, acaba mostrando um trabalho bastante convencional para seu padrão. Josh Klinghoffer mostra por que foi escolhido baterista na turnê de PJ Harvey, arrebentando o instrumento a pau. As boas idéias estão em tentar distorcer conceitos de rock n' roll tradicional, embora o impacto final não seja tão surpreendente quanto pode-se imaginar. Ainda assim, há belos momentos de arregaços, misturados com trechos memoráveis.
Ouça: Inside A Break / Look On / Emptiness
A Sphere In The Heart Of Silence (23/11/04): Desde 2001, Frusciante passou a usar sintetizadores em seus discos. Sua fixação em desenvolver esse instrumento chegou ao ponto da Electro-Harmonix, fabricante de sintetizadores, publicar em seu site trechos em MP3 de John testando um de seus modelos. Este disco dirige-se para as experiências com tais máquinas, resultando em um híbrido de rock e eletrônica. Radiohead-fase-Kid-A e Kraftwerk são boas referências. Neste álbum John divide a autoria com Klinghoffer, citado na capa do álbum. John puxa as faixas para um lado mais acelerado enquanto Josh aposta em faixas mais climáticas. Bala.
Ouça: Sphere / The Afterglow / Surrogate People

Vicente Moschetti, 26 anos, é vítima incurável da voracidade comercial das gravadoras.
15/12/2004