Nesse
ano que passou, um dos hypes da mídia foi o Dandy Warhols,
uma estranha banda glam cheia de referências aos anos
80 com um vocalista performático e estiloso chamado
Courtney Taylor-Taylor. Mas, apesar das aparências,
essa não é apenas uma bandinha de final de semana,
inventada por uma revista especializada qualquer, e sim uma
banda com 10 anos, três discos e toda uma história
por trás. E esse lado anos 80 é apenas uma das
diversas facetas da banda, que explora desde o folk caipirão
até os experimentalismos de Jason Pierce no Spaceman
3, passando pela pseudo-intelectualidade urbana, pelo grunge,
pelo punk rock, pelo David Bowie... é, referência
não é o que falta para os Warhols.
Tudo começou em Portland,
cidade próxima de Seattle, em 1993, início do
declínio da cultura grunge. Pete Holmstrom, guitarrista,
passava o tempo todo importunando seu amigo de longa data
Courtney Taylor, ex-baterista e também vocalista e
guitarrista, para formar uma banda. Quando foi finalmente
convencido a entrar na brincadeira, Courtney chamou seu conhecido
Eric Hedford para assumir as baquetas e uma menina chamada
Zia McCabe, que trabalhava em um café na cidade e não
sabia tocar absolutamente nada na época, para assumir
o baixo e os teclados. Estava formado o Andy Warhol’s
Wet Dream que, sabiamente, teve seu nome mudado para The Dandy
Warhols em pouquíssimo tempo.
Em 94, a banda já era
razoavelmente conhecida na cidade, e seus shows eram bem concorridos.
Era um bom clima para o lançamento da primeira fita
demo, com o bizarro título “The Instruction And
Incidentals Of Automobile Handling In Four”. Tanto as
apresentações da banda quanto a fita encantaram
Thor Lindsay, proprietário do selo independente local
Tim/Kerr, que chamou os Warhols para fazer parte de seu elenco.
A banda aceitou a proposta e, ainda em 94, foi lançado
o primeiro single comercial da banda, um cover de “Little
Drummer Boy”. O trabalho dividiu o público: alguns
acharam-no uma obra-prima, outros, puro lixo pretensioso.
Nesse mesmo ano, começaram as gravações
para o que seria o primeiro LP da banda, “Dandys Rule,
OK!”
Sexo, drogas e Velvet
Underground
A estréia dos Warhols,
lançada em 95, foi modesta, e não foi muito
longe dos arredores de Portland. Produzido por Tony Lash,
o disco contava com algumas boas canções pop,
como “The Dandy Warhols TV Theme Song”, “(Tony,
This Song is Called) Lou Weed” e o single “Ride”,
mas o experimentalismo lo-fi, com guitarras sujas e repetitivas
e vocais discretos e distantes, era o que predominava. No
final do disco, há um épico experimental de
16 minutos chamado “It's A Fast-Driving Rave-Up With
The Dandy Warhols Sixteen Minutes”, que acaba sendo
emblemático para a banda nesse estágio: apesar
de todo o seu potencial, a banda não conseguia se distanciar
muito da sombra de bandas como Spaceman 3, My Bloody Valentine
e principalmente Velvet Underground, seja em seus momentos
mais simples e diretos, seja nas longas viagens experimentais.
Apesar da repercussão
modesta, a banda começava a subir os degraus da longa
escada para o sucesso. No final de 95, a banda fez uma grande
turnê nos Estados Unidos, e começou a chamar
a atenção das grandes gravadoras. Os shows contribuíram
muito para isso, e ainda em 95 a banda assinou seu primeiro
contrato com uma major: a Capitol.
O Dandy Warhols em ação
No ano seguinte, os Dandy Warhols
voltaram aos estúdios para gravar o que seria sua estréia
pela Capitol. A produção ficaria sob responsabilidade
dos próprios Warhols. Mas, segundo fontes extra-oficiais,
a banda estava chapada demais para tocar qualquer coisa, e
o resultado foi típico de grandes bandas de rock: assim
como o Beach Boys nunca lançou “Smile”,
as tais gravações nunca viram a luz do Sol de
forma oficial. Não se sabe se foi a banda ou a gravadora
quem decidiu que o disco não deveria ser lançado,
mas o fato é que esse misterioso trabalho foi deixado
de lado. Como todo material desse tipo, caiu na Internet com
o nome de “Black Album”. Oito anos depois, em
2004, a banda finalmente lança o disco por seu site,
junto com uma coletânea chamada Come On Feel The Dandy
Warhols – brincadeira com o famoso disco Come On Feel
The Lemonheads, da banda de Evan Dando.
Projeto abortado, hora de partir
para outra. Com menos drogas e de volta com Tony Lash, os
Dandy Warhols retornam ao estúdio, agora para gravar
“...The Dandy Warhols Come Down”. O trabalho reflete
uma evolução notável em relação
a seu antecessor, graças a composições
mais complexas e a possibilidade de usar mais recursos –
é, estando numa major as coisas ficam mais fáceis.
Aos poucos, a banda saia da incômoda sombra do Velvet
Underground, e mostrando o que seria, no futuro, sua mais
notável característica: a variedade de estilos
e idéias que a banda consegue juntar em um mesmo disco.
Isso fica claro já em “Come Down", com viagens
shoegazers como “Be-In” e “I Love You”
convivendo pacificamente com as caipirices de “Minnesoter”.
Em julho de 97 o disco é
lançado nos EUA e na Europa, junto com o single “Every
Day Should Be A Holiday”, produzida pelo DJ Aquaman
– alter-ego do baterista Eric Hedford. O disco acaba
sendo bem recebido no velho continente, até mais do
que na terra natal dos Warhols. Outro single também
é lançado: “Boys Better”.
O maior destaque de “Come
Down”, no entanto, foi “Not If You Were The Last
Junkie On Earth”, canção que conta com
o inacreditável refrão “I never thought
you were a junkie because heroin is so passé”.
O single, lançado em 98, foi o primeiro dos Dandy Warhols
a alcançar o tão almejado top 40 inglês,
e seu clipe, dirigido pelo fotógrafo David LaChapelle,
se tornou célebre. Toda essa exposição
no velho mundo abriu portas para a primeira turnê da
banda em solo europeu, ao lado de nomes como Radiohead e Teenage
Fanclub.
Após um ano de turnês
nos EUA, na Europa e na Austrália, em 99 a banda tira
merecidas férias e volta para gravar o que seria o
terceiro – ou quarto? – disco da banda. Mas os
Warhols não vêm completos para as gravações;
apesar das boas vendagens e do sucesso de “Come Down”,
Eric Hedford deixou a banda durante a turnê, em virtude
de suas divergências com Courtney Taylor. Hedford não
aprovava o rumo que a banda vinha tomando, e, segundo as más
línguas, o baterista estava cansado de aturar as viagens
químicas de seu companheiro de banda. Para segurar
as baquetas, entrou Brent DeBoer, primo de Taylor.
Houve, também, uma mudança
de nomenclatura: Courtney adicionou mais um “Taylor”
a seu nome, se tornando Courtney Taylor-Taylor. A lenda conta
que tudo começou com o rapaz ligando para uma amiga.
Como ela não estava em casa, ele teve que deixar uma
mensagem com sua companheira de apartamento. Quando disse
seu nome, a menina não entendeu o “Taylor”,
e então ele repetiu o nome. Acontece que a garota entendeu
que o nome era, na verdade, Courtney Taylor-Taylor. O vocalista
achou a situação hilária, e passou a
usar o “Taylor-Taylor” como seu nome artístico.
As gravações
do terceiro disco, entitulado “Thirteen Tales From Urban
Bohemia”, se estenderam até março de 2000.
Não era para menos, uma vez que o disco conta com uma
produção luxuosa, cheia de detalhes e nuanças,
muito diferente do desleixo lo-fi dos trabalhos anteriores.
E não foi apenas a produção que mudou;
“Thirteen Tales” é, sem sombra de dúvidas,
um disco muito mais maduro, eclético e acessível
que “Come Down”, por exemplo. Courtney resolveu
deixar de lado a sonoridade dos discos anteriores e passou
a trabalhar com as mais variadas influências, desde
canções para junkies niilistas (“Solid”)
até countries debochados de beira de estrada (“Country
Leaver”), passando por viagens psicodélicas semi-acústicas
(“Godless”), baladas tristonhas (“Sleep”),
Velvet Underground (“Nietzche”), etc. Mas o que
mais chamou a atenção no disco foi a existência
de canções pops no sentido mais direto da palavra.
Músicas como “Cool Scene”, “Get Off”,
“Horse Pills” e, principalmente, “Bohemian
Like You” eram o passaporte definitivo para a elite
do rock alternativo americano, e quem sabe até mesmo
para o mainstream.
E o disco acabou indo muito
além de seus sucessores. Conquistou crítica
e público, ganhou disco de ouro no Reino Unido e de
platina na Irlanda, foi citado em praticamente todas as listas
de melhores do ano, teve uma turnê de divulgação
muito bem sucedida e tudo isso colocou o Dandy Warhols entre
as principais bandas de rock alternativo do mundo. A banda
conquistava fãs famosos ao redor do mundo, como o Massive
Attack, que inclusive remixou a excelente “Godless”,
faixa de abertura de “Thirteen Tales”. Mas eles,
subitamente, resolveram dar uma reviravolta inesperada em
sua trajetória.
O sucessor de “Thirteen
Tales From Urban Bohemia”, “Welcome To The Monkey
House”, começou a ser gravado em 2002, no estúdio
caseiro da banda, em Portland. Com uma idéia na cabeça
e algumas bases na bagagem, os Warhols embarcaram para Londres
com o intuito de continuar e finalizar suas gravações.
Mas, para surpresa geral, não estavam sozinhos: Nick
Rhodes, ex-tecladista do Duran Duran, aparecia quase que como
um quinto Warhol. E não era apenas uma participação
especial; Rhodes seria co-produtor do disco, junto com o próprio
Courtney Taylor-Taylor. Mas a lista de ricos e famosos em
“Monkey House” não pára por aqui:
também participaram do disco Simon Le Bon, a voz do
Duran Duran, Evan Dando, dos (o) Lemonheads, e ninguém
mais ninguém menos que Ziggy Stardust em pessoa, David
Bowie, o próprio.
Uma pequena pausa para situar
o leitor no tempo e no espaço: Duran Duran foi uma
banda que fez muito sucesso nos anos 80 com músicas
como “Rio”, “Ordinary World” e “Save
a Prayer”, e se você foi adolescente na década
perdida, provavelmente dançou muito essas músicas
nas festinhas da época.
Bela foto, Zia |
O
som da banda é exatamente o que você está
pensando: technopop para as massas, com a bateria entupida
de reverb, teclado pseudo-futurista, etc. Mas, apesar
dos pesares, a estranheza dessa parceria não
se deve aos méritos artísticos de ambas
as bandas, mas sim a diferença de sonoridade
que havia entre elas. |
Mas essa barreira sonora foi
desde o início ignorada por Taylor-Taylor e Rhodes.
O objetivo dos Warhols não era criar uma continuação
para “Thirteen Tales”, mas sim fazer um grande
disco de... pop dos anos 80! E, não à toa, um
de seus maiores expoentes foi convidado para a produção.
E, se esse era o objetivo, a banda atingiu-o em cheio; “Monkey
House”, exceto por uma ou duas faixas, soa como uma
releitura daquelas velhas canções de festas
americanas da época em que o Prince tinha um nome legível.
Claro, a capa é uma referência explicita a do
primeiro disco do Velvet, há também algumas
faixas com influência explicita de Kraftwerk (“The
Dope”), mas no geral o disco está mais para Duran
Duran do que para Spaceman 3.
As reações, como
era de se esperar, foram divididas. Boa parte dos fãs
de longa data torceu o nariz para o trabalho, mas a crítica
rasgou elogios e elegeu a banda para ser um dos grandes hypes
de 2003. O sucesso comercial foi muito superior ao de “Thirteen
Tales”, e as faixas “We Used To Be Friends”
e “You Were The Last High”, essa última
escrita em parceria com Evan Dando, foram muito bem nas paradas
européias.
Após uma longa turnê
mundial, os Dandy Warhols pararam para descansar, mas seu
vocalista anunciou seu não tão novo projeto,
“Dig!”, um documentário sobre a história
de duas bandas: os próprios Warhols e seus vizinhos
The Brian Jonestown Massacre. O filme retrata a amizade e
a rivalidade entre as duas, em especial a relação
de Courtney com Anton Newcombe, líder e único
membro constante do BJM.
A história começa
em 1994, quando ambas surgiram, e eram apenas rostos desconhecidos
do underground do Oregon. Os dois vocalistas eram amigos,
e durante muito tempo ambas as bandas rasgavam elogios e declarações
de amor mútuas. Mas suas trajetórias foram bem
diferentes; enquanto os Warhols, como foi retratado aqui,
mantinham uma formação estável e conseguiam
aos poucos emplacar longe de sua cidade natal, o Brian Jonestown
Massacre mudava de integrantes como quem muda de roupa e jamais
conseguia escapar do rótulo de banda local. Isso tudo
gerou um acesso de ciúmes em Anton, que declarou guerra
aos Dandy Warhols. Ele chegou a enviar balas de escopeta pelo
correio para cada integrante da banda rival com seu respectivo
nome (!!!), além de escrever uma canção
chamada “Not If You Were The Last Dandy On Earth”
– que acabou gerando a conhecida “Not If You Were
The Last Junkie On Earth”, do disco “The Dandy
Warhols Come Down” – entre várias outras
declarações de ódio. Todos os desdobramentos
dessa história estão em “Dig”, que
foi bastante celebrado mundo afora.
Em 2005, a banda inicia os
trabalhos de gravação de um novo disco, ao lado
do produtor Gregg Williams, com quem a banda já havia
trabalhado antes. O resultado, "Odditorium Or Warlords
Of Mars" é lançado em setembro do mesmo
ano, recebendo críticas de tons variados: as mais ácidas
rejeitaram o disco considerando-o uma continuação
piorada de “Welcome To The Monkey House”, enquanto
que do outro lado da moeda, apareceram opiniões que
preferem ressaltar o fato que a banda continua em seu caminho
próprio, sem seguir fórmulas.
Francisco Marés
jun/2004
Atualizado por Fabricio Boppré em nov/2005
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