Apesar
de ser muito pouco conhecido fora do circuito alternativo,
Elliott Smith foi um dos melhores e mais importantes compositores
da década de noventa. Com suas canções
melancólicas e auto-destrutivas, Elliott conquistou
um séqüito fiel e devotado de fãs, que
buscam em sua música conforto e identificação.
Sua morte, em outubro passado, só fez aumentar seus
fãs. Agora é deixar que o culto cresça.
O próximo passo são os lançamentos necrófilos.
Steven Paul Smith nasceu a
6 de agosto de 1969, ano do lançamento de um de seus
discos favoritos, Abbey Road. Mas foi outro álbum
dos Beatles que virou a sua cabeça: o White Album,
que ouviu na casa de seu pai (seus pais eram divorciados).
Elliott se apaixonou pelo disco, principalmente pela balada
country “Rocky Racoon”, e decidiu que deveria
se tornar baixista após ouvir “Helter Skelter”.
Outras paixões de infância e adolescência
do futuro músico foram o ícone country Hank
Williams e os roqueiros Kiss, AC/DC, Clash e Elvis Costello.
Ainda durante a adolescência,
Elliott abandona a casa da mãe em Dallas por problemas
com o padrasto, e vai morar com o pai em Portland. Na universidade,
conhece Neil Gust e logo a dupla começa o Heatmiser,
banda meio esquizofrênica que ficava entre o grunge,
então em voga, e o punk e que contou também
com o talentoso Sam Coomes, que depois veio a montar o Quase
com baterista Janet Weiss, do Sleater-Kinney. Apesar dos dois
primeiros álbuns medianos (Dead Air, de 1993,
e Cop And Speeder, de 1994), o Heatmiser conseguiu
um contrato com a major Virgin, mas acabou antes de lançar
um disco por lá. O bom Mic City Sons saiu
após o fim do Heatmiser, pela independente Caroline.
Um dos motivos do fim do Heatmiser
foi a carreira solo que Elliott iniciou paralelamente à
banda. As disputas internas e brigas entre os integrantes
forçou o fim traumático. Pouco antes, em 1994,
saiu Roman Candle, o primeiro disco solo de Elliott
Smith, registrado em um parco gravador de quatro canais numa
garagem, em esquema completamente lo-fi. Nada além
de Elliott, um violão e bateria em apenas duas canções
(“No Name #1” e “Kiwi Maddog 20-20”).
As canções são amargas, raivosas, causando
o que muita gente chamou de folk punk, pelo estilo agressivo
do compositor ao violão. Um ano depois a Kill Rock
Star lançou o epônimo Elliott Smith,
que segue a linha minimalista de Roman Candle, mas
com algumas aberturas: “Coming Up Roses” traz
um solo de guitarra elétrica e três canções
contam com bateria. Sem nunca perder o estilo caseiro e lo-fi.
Elliott
Smith é um dos discos mais sombrios e depressivos
de que se tem notícia. As letras, pesadíssimas,
falam basicamente de experiências com drogas (heroína
em “Needle In The Hay”, anfetaminas de “St.
Ides Heaven”, cocaína em “The White
Lady Loves You More”), solidão (“Clementine”),
separação (“Good To Go”) e
auto-crítica (“I´m a junkyard full
of false starts”, canta em “Coming Up Roses”).
O disco permanece como o favorito de fãs mais
radicais e puristas. |
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Em 1997, já livre das
obrigações com o Heatmiser, Elliott lançou
Either/Or, álbum que o revelou para um público
maior. Talvez seja o seu melhor trabalho. Mesmo não
possuindo exatamente uma super produção, o disco
é bem melhor gravado do que os anteriores. Aqui Elliott
aperfeiçoa os arranjos e a sua marca registrada, os
vocais dobrados, que dão um clima todo especial às
canções. Quase todo o repertório virou
hit entre os fãs, e Either/Or sempre foi o
disco que forneceu mais canções aos shows. Destaque
para desolação da maravilhosa “Between
The Bars”, a irônica “Angeles”, “Ballad
Of Big Nothing” (que lembra a saudosa banda dos anos
setenta Big Star) e “Say Yes”, uma canção
de amor definida por Elliott como “insanamente otimista”.
Ainda neste ano, a primeira tentativa de suicídio:
Smith se jogou de um penhasco, mas ficou preso em árvores
no meio da queda. Ele definiu a situação como
ridícula. Pouco depois foi internado numa clínica
para tratar seu alcoolismo e o vício em drogas, fato
freqüente em sua vida.
O público só
começou a reparar no talento do cantor quando o cineasta
Gus Van Sant pescou algumas composições de Either/Or
para a trilha de Gênio Indomável, filme com Matt
Damon e Ben Affleck. Além das músicas de Either/Or,
Elliott cedeu a Van Sant a inédita “Miss Misery”,
que aparece justamente no final do filme. A surpresa maior
veio quando Elliott foi indicado ao Oscar pela canção
e mais, foi convidado a tocar na cerimônia da academia.
Convidado não, intimado: Elliott não quis participar
da festa, mas a Academia ameaçou convidar o brega Richard
Marx para cantar “Miss Misery” em seu lugar, o
que o fez mudar de idéia rapidinho. Nervoso durante
a cerimônia, Smith ganhou um abraço e boa sorte
de Celine Dion antes de subir no palco. A performance foi
errática: Elliott se adiantou e cortou um trecho da
canção. Sem contar que estava com o cabelo bagunçado
e um terno branco sujo, que o deixava parecido com um mendigo.
A estatueta ficou com Dion, pelo tema de Titanic.
Apesar de não ter abocanhado o prêmio, logo as
grandes gravadoras correram atrás daquele rapaz talentoso.
A Dreamworks, de Steven Spielberg, venceu a disputa. Em 1998,
Elliott lançou XO (o nome vem da expressão
kisses and hugs). O disco assustou os fãs pela produção
sofisticada e pela utilização de instrumentos
como piano, chamberlain (uma espécie de pianola), cordas
e sax. Tem até uma canção à capella
(“I Didn´t Understand”), que expõe
a influência dos Beach Boys. Ecos sessentistas, aliás,
estão presentes por todo o álbum, desde “Baby
Britain” (que lembra “Getting Better”, dos
Beatles) até “Tomorrow Tomorrow” (remete
à Simon & Garfunkel). Apesar de algumas músicas
serem mais alegres que de costume, “Waltz #1”,
“Oh Well Okay” e “Pitselah” lembram
que ali bate um coração triste. “Waltz
#2”, que fala do relacionamento da mãe de Elliott
e seu padrasto, foi lançada como primeiro single, e
XO continua sendo o mais vendido de seus álbuns.
Muita gente não perdoou o “upgrade” de
Elliott, afirmando que ele havia se vendido. O cantor rebateu
dizendo que nunca teve a intenção de ser lo-fi;
só o fazia por pura falta de oportunidade para trabalhar
em melhores condições. Outra polêmica
da época foi a não inclusão de “Miss
Misery” em XO, algo que parecia natural. Elliott
estava de saco cheio de só perguntarem da música
em entrevistas e resolveu deixa-la de fora. A canção
também permaneceu de fora de seus shows por vários
anos. No fim das contas, seu maior hit não está
em nenhum dos discos oficiais. Em seqüência, uma
turnê passando por toda a Europa e EUA, tendo o Quasi
como banda de apoio.
Se XO já havia
assustado os fãs pela sofisticação, Figure
8, lançado em 2000, deve ter matado alguns do
coração. O disco, gravado em Abbey Road, é
ainda mais produzido. É também o menos inspirado
de Elliott: Figure 8 é um pouco longo demais
– com três ou quatro músicas a menos, seria
perfeito. Mas ainda é cheio de grandes momentos, como
“Happiness”, “I Better Be Quiet”,
“In The Lost And Found” e a tocante “Can´t
Make A Sound”, uma de suas cinco melhores composições.
Depois do lançamento do álbum, outra longa turnê,
que acabou sendo problemática: o cantor entrou em depressão
e teve que se internar mais uma vez. Os problemas pessoais
acabaram servindo de inspiração para uma série
de novas composições (“King´s Crossing”,
“Shooting Star”, “Get Lost”, “Fond
Farewell”, “Memory Lane”), que começaram
a ser apresentadas em shows em 2001. No ano seguinte, Elliott
entrou em estúdio para registrá-las, mas o disco,
intitulado From A Basement On The Hill, foi recusado
pela Dreamworks, que o considerou muito depressivo. Pouco
depois, Elliott deixou a gravadora e começou a regravar
o disco em seu estúdio particular. Seu último
lançamento foi o single de “Pretty (Ugly Before)”
(com “A Distorted Reality Is Now A Necessity To Be Free”
no lado b) em agosto do ano passado, pelo selo Suicide Squeeze,
especializado em compactos de sete polegadas.
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No
fim do ano, o baque: Elliott Smith faleceu na noite
de 21 de outubro de 2003, com violentos ferimentos no
peito causado por uma faca. A hipótese mais lógica
é a de suicídio, após uma discussão
com a namorada Jennifer Chiba. Jennifer se trancou no
banheiro, de onde ouviu um grito do namorado, a quem
encontrou com a faca no peito.
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Há quem defenda
a hipótese de que Chiba matou o cantor, graças
a algumas evidências duvidosas, como o fato de Elliott
ter recebido duas facadas no peito (ninguém consegue
cravar uma faca duas vezes no próprio peito) e ter
pequenos cortes nas mãos, o que poderia indicar resistência
em uma briga. Por Chiba ter declarado estar no apartamento
naquele momento, ela é a única suspeita possível.
Mas é mais provável que tenha sido suicídio.
Em 19 de outubro de 2004,
quase exatamente um ano após a morte do artista, foi
lançado from a basement on the hill. O disco
póstumo resultou da produção e mixagem
de Rob Schnapf, que trabalhou com Elliott em Either/Or,
e Joanna Bolme. O disco não foi exatamente a obra-prima
máxima da história, como era expectativa lançada
por alguns boatos. Os fãs, no entanto, o aclamaram
como a cereja no bolo de uma discografia que vinha em um crescendo,
e que fecha perfeitamente o legado de Elliott Smith.
Jonas Lopes (ago/2004)
atualizado por Natalia Vale Asari em fev/2005 |