
Ops, Eugenius errado.
Alguns dizem que a história é
cíclica como o universo de Shiva. Não aprendemos
nada mesmo, proclamam. Voltemos então ao glorioso
ano de 392 D. C., história ocidental, Roma. Um senhor
administrador muito presunçoso chegou por acaso ao
trono romano. O tal Eugenius fez moedas com a insignia que
quis, mandou restaurar alguns rituais pagãos, divertiu-se
durante dois longos anos. Até, claro, ser deposto
e executado como usurpador. O outro Eugenius que também
marcou história, no entanto, não teve fim
tão trágico. 1600 anos depois do Eugenius
romano, ficaram também poucos anos no auge. Só
que os rituais pagãos desta vez foram bem mais divertidos.
Quem disse mesmo que a história sempre se repete?
Como é inevitável mencionar
certos nomes ao falar de Eugenius, quebremos logo o suspense.
Eugene Kelly, Vaselines, Kurt Cobain. Por alguma regra gramatical
- hoje é dia de voltar aos livros do colégio!
- estes substantivos próprios são indissociáveis
e nunca podem ficar a mais de um parágrafo de distância
uns dos outros, do mesmo modo que se conjuga o verbo de
acordo com o sujeito. E se há um sujeito de sorte,
talento, mas que deve ter nascido na década errada,
ele chama-se Eugene Kelly. Recapitulemos a história
então.
Eugene Kelly era
o ídolo de Kurt Cobain. Kurt demonstrava uma
devoção quase religiosa ao trabalho
de Eugene. Depois do fim do Vaselines, banda anterior
do senhor Kelly - que, apesar do tratamento indolente
dos seus membros, produziu muita música boa
-, foi a hora de encontrar outra diversão.
Em 1989, inspirado nos seus gibis, Eugene Kelly reuniu
alguns camaradas e fundou o Captain America. A primeira
formação contava com o guitarrista Gordon
Keen, do BMX Bandits, o baixista James Seenan, do
Vaselines, e o baterista Brendan O'Hare, do Teenage
Fanclub. |
A árdua luta contra a
infração
de direitos autorais. |
Apesar da exaltação fanática
e apoio incondicional de Kurt Cobain, Eugene Kelly não
deu muita bola para o Captain America. Tantos projetos,
tão pouco tempo. E lá estava Eugene tocando
com BMX Bandits. Para ajudar o seu ídolo manter o
foco, o Nirvana convidou o Captain America para abrir seus
shows na turnê européia, em 1991. Então,
lá foi o Capitão América.
Essa é uma das melhores
fotos do Eugenius. |
E como deu-se a derrocada
egocêntrica da mudança do nome Captain
America para Eugenius? Ora, nada que um empurrãozinho
de um processo por direitos autorais não explique.
Depois de dois EPs do Captain America, "Wow!"
(1991) e "Flame On" (1992), a Marvel educadamente
lembrou Eugene que o Capitão América
só defendia os pobres e oprimidos que ela quisesse
e ninguém mais. E assim o Capitain America
virou Engenius, em uma lance de gênio (com a
promessa de ser a última piada desse tipo por
aqui), já que o Eugenius romano provavelmente
não iria incomodar Eugene com direitos autorais. |
Com a propaganda involuntária da Marvel
e mais do que voluntária de Kurt Cobain, o Eugenius
acabou assinando contrato com a Atlantic Records. Nesse
ínterim, passaram pelo Eugenius os bateristas Francis
McDonald (BMX Bandits, Teenage Fanclub) e Andy Bollen, além
do baixista Joe McAlinden. O line-up que confraternizou
em estúdio para o debut do grupo, no entanto, contava
com o baixista Raymond Boyle e o baterista Roy Lawrence.
E, obviamente, Kelly nas guitarras e vocais.
Em 1992, "Oomalama" saiu às
ruas. Toda a filosofia de Eugene, de descompromisso e inquietação
em desfrutar a vida, transparecem nessa pequena obra-prima.
Canções pops muito bem-feitas, pouco melodrama,
um nome engraçado, letras minimalistas, capricho,
um toque escocês. A comparação com "Bandwagonesque",
do Teenage Fanclub, lançado e ovacionado no ano anterior,
era inevitável. Mas, por algum motivo inexplicável,
que nem cálculos pesados de teoria do caos dão
conta, a recepção de "Oomalama"
foi morna. Talvez a chave esteja nas mãos dos fãs
do Nirvana e na crescente campanha do som de Seattle. Ou
talvez "Oomalama" tenha nascido na época
errada, tudo por culpa das confusões temporais do
Eugenius romano. Obviamente, mesmo essa recepção
morna foi muito maior do que toda a atenção
que o Vaselines jamais teve.

Outra foto tosca.
Ainda em 1992, foi lançado o EP "It
Ain't Rocket Science, It's Eugenius!", com gravações
ao vivo. Destacam-se Molly's Lips e Sex Sux (Amen), regravações
de músicas do Vaselines para quem havia perdido a
chance de conhecê-lo da primeira vez. Em 1994, logo
após o lançamento do EP "Caesar's Vein",
saiu "Mary Queen of Scots", o segundo e derradeiro
disco do Eugenius, cuja produção ficou a cargo
de Craig Leon. As músicas ainda eram pequenas pérolas,
menos instantâneas, mas ainda sim charmosas e coesas.
Mas, se "Oomalama" ganhou status de incompreendido,
"Mary Queen", que não tinha o exatamente
mesmo brilho do debut, caiu mesmo em esquecimento.
O trágico fim do Eugenius ocorreu
em 1995. Em um lance não anunciado, Eugene deixou
o Eugenius. Nada de intrigas e execuções:
todos os integrantes do grupo tinham o seu trabalho fora
da banda, e todos muito satisfeitos com os caminhos trilhados
musicalmente. O cabeça da banda deve ter tido um
presságio relacionado a pijamas infláveis.
De qualquer modo, Eugene Kelly ainda pode ser visto por
aí, lançando discos, fazendo shows e freqüentando
pubs como manda sua boa alma escocesa.