Foi
no início da década de 90 que despontou para
o estrelato uma das bandas mais significativas e originais
daquela década. O Faith No More é ainda objeto
de culto de muita gente, que contagiada pelas performances
do frontman Mike Patton, seguem mantendo a chama do grupo
acesa através da referência de seus seis álbuns
e de projetos dos membros remanescentes.
A trajetória do Faith
no More começou mais cedo do que muita gente imagina.
Por volta de 1981, os amigos de longa data Mike Bordin e Billy
Gould já tocavam juntos e faziam parte da banda Faith
No Man, que o embrião do que seria o Faith No More.
Bordin tocava bateria, Billy era o baixista e completavam
a formação Wade Worthington nos teclados e Mike
"The Man" Morris na guitarra e vocal.
A sonoridade da banda era um
híbrido de Cure/Sex Pistols, evidente nas composições
e na postura e vocal de Mike "The Man", o efetivo
líder da banda. Depois de alguns meses, o tecladista
Worthington saiu da banda por desentendimentos. O escolhido
para os teclados do Faith The Man foi Roddy Bottum, colega
de quarto de Billy. Desentendimentos resultantes da postura
ditatorial do vocalista despertaram em Billy, Bordin e Roddy
a idéia de que a banda funcionava melhor quando estavam
sem o vocalista, que era mais velho e mantinha uma atitude
"chefe/empregado" para com eles.
O desfecho do Faith No Man
é digno de entrar para a história do rock como
um dos mais inusitados (e divertidos) de todos os tempos.
Com receio de demitir o vocalista, os educados três
integrantes resolvem sair da banda, para imediatamente montar
um novo conjunto sem o vocalista! O nome da banda? Faith No
More, já que o vocalista Mike "The Man",
literalmente "No More" tocaria com eles.
Os primeiros tempos da banda
como Faith no More foram bastante erráticos. Um número
enorme de guitarristas e vocalistas passaram pelo grupo, antes
do Faith No More encontrar a sua primeira formação
estável. Dentre os itinerantes guitarristas: Mike Morris,
Jake Crucifix, Mark Stewart, Desmond Trial, Scott Colbertson
e Mark Bowen.
Já em relação aos vocalistas não
aprovados: Joe 'Pop-o-Pie' Pye, Walter, Paula Frazer, Mike
Morris, e... Courtney Love.
Sim, a então ilustre
desconhecida Courtney Love foi vocalista no Faith no More
durante 1983, mas acabou saindo por várias razões.
Sobre a passagem de Courtney na banda, Billy Gould disse em
entrevista que as decisões no Faith no More sempre
foram democráticas enquanto que o temperamento de Courtney
é autoritário, de dizer aos outros o que fazer.
Além disso, "na época ela não cantava
muito bem e tinha muitos problemas pessoais", segundo
Gould.
A formação do
Faith No More só ganhou alguma estabilidade com a entrada
do guitarrista Jim Martin e do vocalista Chuck Mosely em 1984.
Com essa formação, em 1985 a banda gravou seu
primeiro disco, We Care A Lot, pela gravadora independente
Mordam. Na época, a notória mistura de estilos
do som da banda carregava bastante no hip hop e lembrava bandas
como o Public Enemy, equilibrado ao peso da guitarra de Jim
Martin. O disco rendeu um contrato com a gravadora Slash (subsidiária
da Polygram), e a conseqüente possibilidade de alcançar
um público maior, que veio dois anos depois com o álbum
Introduce Yourself.

O FNM nos primórdios
Em Introduce Yourself, de 1987,
o FNM começa a mostrar a que veio, com um trabalho
bastante consistente equilibrando elementos tão díspares
como heavy metal, rock progressivo, hip hop e funk. A faixa-título
do álbum de estréia da banda, We Care A Lot,
foi regravada para Introduce Yourself e lançada como
single. O videoclipe obteve boa rotação na MTV
e foi uma amostra do grande sucesso que viria a seguir. A
mídia tratou de associá-los a um rótulo
emergente da época, o funk metal, que tinha na linha
de frente o Red Hot Chili Peppers. Claro que se tratava de
uma simplificação inadequada para o som do Faith
no More, mas as poderosas linhas de baixo de Billy Gould ofereciam
a levada funk que o público ávido pela next-big-thing
estava procurando.
Mas antes da chegada do sucesso
mundial, mais uma mudança na formação
do Faith no More, e, dessa vez, uma mudança definitiva
que iria alterar de forma decisiva os rumos do grupo: Sai
Chuck Mosely, entra Mike Patton.
A saída de Chuck aconteceu
em circunstâncias turbulentas, a banda já andava
bastante descontente com o comportamento instável de
seu vocalista, que tinha problemas com álcool além
de atitudes não-profissionais, e não restou
outra alternativa senão "convidá-lo"
a deixar o grupo. Em meio ao processo de composição
das músicas para o terceiro álbum da banda,
o Faith No More buscava um novo vocalista. Mike Patton foi
o escolhido depois da indicação do guitarrista
Jim Martin. Martin tinha ficado bastante impressionado com
as fitas demo do Mr. Bungle, a banda de Patton na época.

A banda na sua formação clássica |
Mike
Patton entrou no Faith No More direto para o estúdio
onde a banda gravou "The Real Thing", lançado
em 1989. The Real Thing é um verdadeiro divisor
de águas na carreira do grupo, com músicas
mais bem resolvidas e com o carisma de Mike Patton contribuindo
para transformar o Faith No More num grande sucesso
comercial. |
A música responsável
pela transição foi "Epic", que com
seu arranjo grandioso que faz jus ao título da música,
vocal hip-hop e refrão grudento, arrematou o nº
9 na parada de singles da Billboard e teve o videoclipe exibido
a exaustão na MTV americana. Com mais dos singles de
sucesso, a contagiante Falling to Pieces e o rock de From
Out Of Nowhere, o disco The Real Thing chega ao 11º na
parada e atinge um milhão de cópias vendidas
nos EUA.
O curioso é que internacionalmente,
o sucesso da banda foi ainda maior. No Brasil, a MTV Brasil
começava a dar seus primeiros passos em 1990 e o Faith
No More foi uma das estrelas reveladas naquele ano. A popularidade
conquistada pela banda no país impressionou seus próprios
integrantes. Em 1991, o FNM tocou para o Maracanã lotado
durante o Rock In Rio 2, iniciando um verdadeiro culto à
banda nas terras brasileiras. O sucesso foi tão grande
que eles retornaram no decorrer daquele ano para uma mini-turnê
nacional.
Uma das características
das apresentações ao vivo do Faith No More é
o hábito das covers insólitas. Ainda antes do
sucesso, a banda tocava a improvável "Pump Up
the Jam" do Technotronic, apenas para infernizar suas
platéias. Na época de The Real Thing, a banda
incluiu no disco um cover de War Pigs do Black Sabbath, em
um tempo onde a credibilidade artística do velho Sabbath
era próxima a zero. Mas para War Pigs, a tática
não funcionou e o Faith No More começou a atrair
a atenção e o respeito do público do
heavy metal. O que fez a banda? Substituiu War Pigs do repertório
dos shows pela melosa balada Easy dos Commodores.
Depois de dois anos de turnê,
era hora de pensar no próximo disco e as gravações
não foram tranqüilas. O guitarrista Jim Martin
estava descontente com os rumos que a sonoridade da banda
vinha tomando. Rumores dão conta de que ele participou
muito pouco das composições, limitando-se a
enviar pelo correio as bases de guitarras em fitas K7 aos
outros integrantes da banda.
Em meio à grandes expectativas,
Angel Dust foi lançado em 1992 e apontava para outras
direções. Descartava definitivamente o rótulo
funk metal e vinha recheado de temas mais mórbidos
e sombrios. Propositalmente designado para chocar os fãs
temporários, a banda apostou em sonoridades inusitadas,
longe do hit fácil Epic que carimbava a banda até
aquele momento. Diferente do que aconteceu com The Real Thing,
em Angel Dust Mike Patton participou de todo o processo criativo
do disco, e pôde exercitar o experimentalismo e o gosto
pelo bizarro que marcou o seu trabalho no Mr. Bungle. Musicalmente
a banda também mostrava evolução, incorporando
elementos eletrônicos e teclados mais climáticos,
proporcionando uma atmosfera cinematográfica a algumas
canções. Os videoclipes coloridos do álbum
passado deram lugar a videos sombrios, que faziam questão
de negar o lado "sex-symbol" que o líder
possuía na época. A crítica americana
não mostrou muito entusiasmo e o disco acabou não
tendo a mesma repercussão de The Real Thing. Nos demais
países, no entanto, o Faith No More continuava enorme,
e seu lugar privilegiado nas paradas de sucesso era garantido
pelos singles de "Midlife Crisis" e "A Small
Victory". O terceiro single de Angel Dust foi para uma
música que na verdade não estava no disco: "Easy",
o cover dos Commodores que a banda vinha tocando ao vivo há
tempos e que finalmente ganhou uma versão de estúdio.
"Easy" foi devidamente incluída em Angel
Dust nas prensagens subseqüentes ao lançamento
do single.
Angel Dust rendeu mais uma
turnê gigantesca pelo mundo todo. A turnê durou
cerca de dois anos onde eles, além de promover shows
próprios, tocaram em festivais e abriram shows para
as mega-bandas Metallica e Guns N' Roses.

Patton no palco da turnê Use Your
Illusion, do Guns n'Roses |
Ao
invés de encarar o compromisso como oportunidade
de consolidar a banda em novos públicos, o Faith
No More usou seu tempo para provocar a audiência
com sessões de garra-fadas, insultos e sacanagens
principalmente através de Patton. O saldo do
período foi uma grande repulsão por parte
dos adoradores de plantão, aqueles que há
pouco tempo atrás veneravam os autores de Epic
e ali não entendiam o não-comercialismo
sarcástico da nova fase. Por outro lado, os fãs
que seguiram em frente tornaram-se verdadeiros cultuadores
do álbum e da banda. |
Com a saída de Jim Martin
logo após a turnê, o Faith No More nunca mais
seria o mesmo. A dificuldade de encontrar um guitarrista à
altura do cargo somada à cada vez maior necessidade
de Patton explorar outros projetos veio a instituir uma grande
desunião entre eles, principalmente no que dizia respeito
aos rumos que deveriam tomar. Patton revelou-se um grande
explorador de sons, chegando a lançar um disco solo
composto apenas de efeitos vocais. Seu trabalho no Mr. Bungle
cresceu em profissionalismo e experimentalismo, seu tempo
foi ocupado com participações no cenário
avant-garde de São Francisco, cena notória de
radicalismo musical. Todas estas demonstrações
mostravam que, além de musicalmente distante dos integrantes
do FNM, Patton cultivava um interesse cada vez maior em outros
horizontes musicais. A banda titular então ganhava
conotação de emprego, de compromisso, o que
influenciou bastante a música deles a partir daquele
ponto.
Embora bem recebido por muitos
fãs (e outros não-fãs), o álbum
"King For A Day, Fool For A Lifetime" chegou de
mansinho, com bem menos atenção que o anterior
recebera. Com as guitarras gravadas por Trey Spruance, colega
de Patton no Mr. Bungle, o álbum apostava em sonoridades
mais cruas e bem menos elaboradas. Pela primeira vez a mesa
de som era comandada por outro produtor que não o tradicional
Matt Wallace. Um outro Wallace - Andy – seleto nome
da produção de discos pesados, encarregou-se
de aplicar sua mão pesada e distorcer ao máximo
os acordes, dispensando bastante o trabalho de teclados nas
músicas. O trabalho funcionou no quesito peso, mas
no caráter experimental e caprichado que a banda necessitava
as coisas deixaram um pouco a desejar. Trey teve dificuldades
de aplicar seu estilo "torto" no panorama "mais
convencional" do Fenemê e o resultado foi pouco
empolgante, com altos e baixos no decorrer do trabalho. Mesmo
com vocais brilhantes, era possível identificar o caráter
burocrático que tomava alguns pontos do trabalho e
o princípio de falta de sintonia entre os integrantes.
Alegando dificuldades em se
adaptar à banda, Trey recusa o convite de participar
da próxima turnê e o Faith No More escala o então
roadie de teclados Dean Menta para fazer o trabalho ao vivo
das guitarras. A banda passaria mais uma vez por nossas terras,
tocando em uma edição do festival Monsters Of
Rock. Mesmo reconhecido por fãs com uma certa simpatia,
o álbum não empolgou da mesma maneira que os
anteriores e passou despercebido pelas massas. A turnê
européia terminou cancelada pela metade. Curiosamente,
a este lançamento é atribuído o título
de precursor do gênero "new metal" em que
as bandas deste estilo seguidamente citaram-no como grande
influência no método de composição
e delineação sonora daquele movimento.
O momento
seguinte se notabilizou pela grande proporção
alcançada pelos trabalhos paralelos de seus integrantes.
Patton entrou de cabeça no avant-garde, lançou
outro trabalho solo e elevou o status de adoração
do Mr. Bungle com turnês expressivas. O baterista
Mike Bordin tocou com Ozzy Osborne, Roddy Bottum estreiou
sua banda Imperial Teen. |

O Faith No More na época do KFAD |
Os rumores sobre um possível
fim da banda tomavam proporções maiores e coube
ao baixista Billy Gould segurar a peteca. Em um período
de entressafra, Billy tornou-se o único integrante
disposto a segurar a bandeira do quarteto em meio a rumores
fortíssimos de uma inevitável dissolução.
Partiu dele a iniciativa de convidar o amigo John Hudson,
da banda System Collapse, para assumir as guitarras do disco
a ser gravado.
Talvez por razões contratuais,
talvez por influência de Gould, o Faith No More adentra
mais uma vez o estúdio e grava o que viria a ser o
seu último trabalho: "Album Of The Year".
Em meio à recente febre da música eletrônica,
Gould assumiu a varinha de condução e escalou
o produtor Roli Mosimann, com quem co-produziu as gravações.
A influência de música eletrônica, especialidade
de Mosimann, viria a permear algumas faixas do álbum
como "Stripsearch" e a grande gama de remixes lançados
como lados-b do álbum. Notava-se também uma
preocupação em alcançar a sonoridade
de "Angel Dust" em faixas como "Last Cup Of
Sorrow", onde os teclados passavam novamente a exercer
um papel importante nas músicas. O legado mais tosco
da época de "King For A Day" apareceu em
faixas como "Collision" e "Naked In Front Of
The Computer". O fato é que, mais profundamente
que no álbum anterior, o espírito de desunião
e indiferença musical tornou-se muito evidente, levando
muitos fãs a apostar no tão falado encerramento
de atividade da banda. Foi notória a participação
burocrática dos integrantes, visivelmente imersos em
outros trabalhos. O resultado final foi uma colcha de retalhos,
músicas pouco inspiradas e sem um fio condutor entre
si. Com recepção fria, oposta aos anos dourados
da banda, "Album Of The Year" foi praticamente ignorado
por público e mídia.

A banda em "Album of the Year" |
Curiosamente,
os últimos meses do Faith No More caracterizaram-se
por uma grande reverência a suas apresentações
ao vivo. Notoriamente uma banda espe-cialista em palcos,
os rapazes passaram a apresentar o que muitos defendem
ser os melhores shows da carreira. Mesclando músicas
novas com hits e material antigo, passaram a arrecadar
uma leva impressionante de fãs para os clubes
europeus e australianos. |
Com Mike Patton no auge de
seu talento vocal e com a banda para lá de experiente,
o Faith No More literalmente vestia terno e gravata para destilar
suas músicas de maneira altamente empolgante. Mas os
problemas citados tomaram proporções insuperáveis
e foi através de um e-mail que Billy Gould, ao final
de uma turnê européia, anunciou o tão
falado final de atividades.
Dali para frente, com suas
responsabilidades aliviadas, os integrantes passaram a dedicar
seu tempo a projetos pendentes de forma integral. Roddy Bottum
deu continuidade a seu Imperial Teen, lançando mais
álbums e recebendo bons resultados no cenário
indie. Mike Bordin assumiu as baquetas da banda de Ozzy, tocou
em participações com Jerry Cantrell (Alice In
Chains) e ajudou o Korn por uns tempos. Hoje exerce papel
de baterista freelancer. Billy seguiu com pontas despretensiosas
na banda Brujeria e deu início a uma gravadora obscura,
trabalhando principalmente com artistas latinos. O guitarrista
Jim Martin, após seu desligamento da banda, dedicou-se
a projetos paralelos obscuros, chegando a lançar um
disco solo chamado Milk And Blood. Fez pontas em um disco
do Primus e participações em coletâneas.
Hoje Jim reside em um rancho interiorano e dedica-se, além
de seus projetos musicais, a plantar abóboras gigantescas.
O grande foco ficou mesmo no lendário Mike Patton que
surpreendentemente justificou o fim do Faith No More, dando
aos fãs um motivo para acreditar que a banda devia
sim chegar ao final. Além de seguir com suas participações
com outros artistas inusitados, enfileirou projetos de qualidade
em pouquíssimo tempo. Através de uma gravadora
própria, a Ipecac, Patton criou um lar para seus projetos
e outros artistas de seu interesse. O sucesso da Ipecac foi
indiscutível, ajudado pelos órfãos do
Faith No More Patton mostrou ao mundo o quanto prolífico
ele era. Só em 2001, participou de 3 bandas de expressão:
Fantômas, Tomahawk e Lovage. Todas marcadas pela experimentação
musical, o não-comercialismo e a aparente falta de
preocupação com o mercado. De forma madura e
desencanada, Patton levou à sua maneira a tarefa de
adotar os fãs que lamentaram o final desta que foi
uma das bandas mais autênticas e cultuadas dos anos
90.
O legado da banda é
indiscutível, tendo influenciado dezenas de artistas
da atualidade, não sendo raro encontrar músicos
que referenciam os álbuns do FNM como melhores da década
passada. Acima disso, há também o espírito
da música desafiadora, do não-conformismo com
o sucesso fácil que o Faith No More viveu na pele e
fez questão de trazer para os terrenos mainstream.
Objetos de culto, a banda reside hoje entre as que melhor
trazem o espírito da primeira metade da década
de 90.
Vicente Moschetti -
Alexandre Luzardo
julho/2003
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