A
criatividade e ousadia sem limites fizeram dos californianos
do Jellyfish uma das bandas mais singulares do início
dos anos 90. Apesar de um inegável apelo pop, a excentricidade
do grupo impediu o sucesso junto as grandes massas. Sobretudo
pelo caldeirão sonoro, totalmente improvável
para a época, que misturava psicodelia sessentista
aliada ao hard rock dos anos 70 com o apelo do power pop.
Também era comum no Jellyfish a presença de
elementos absolutamente inusitados, que apareciam pulverizados
nas músicas. No meio da diversidade era possível
identificar em alguma faixa um teclado remanescente do Supertramp,
ou vocais em coro ao estilo Queen, sonoridades completamente
fora do padrão para a época, provocando incredulidade
aos modistas de então.
O Jellyfish nasceu das cinzas da obscura banda de San Francisco
Beatnik Beatch, que chegou a lançar dois discos ainda
nos anos 80 (o primeiro deles com o nome de Zula Pool). A
banda rachou em meados de 1988 após um choque entre
os dois núcleos criativos do grupo. O vocalista Chris
Kettner queria impor suas composições em detrimento
dos talentosos amigos Andy Sturmer (bateria) e Roger Manning
(teclados), que tocavam juntos desde a infância. O Beatnik
Beatch tinha contrato com a Atlantic, e com o fim da banda,
a gravadora quis ouvir tanto a demo de Kettner quanto a demo
do novo projeto que Andy e Roger estavam preparando. Nem é
preciso dizer quem se saiu melhor no fim dessa história,
já que ninguém mais teve notícia de Chris
Kettner.
Com o respaldo da Atlantic, Roger e Andy começaram
as preparações para a gravação
do primeiro álbum. O talentoso guitarrista Jason Falkner,
amigo de Roger durante a universidade, foi chamado para completar
a formação da banda enquanto Albhy Galuten,
conhecido por seu trabalho no Bee Gees, comandaria a produção
do álbum. Estranhamente, após as primeiras sessões
a Atlantic perdeu o interesse pela banda (que até o
momento ainda estava sem nome), deixando o caminho aberto
para que outros selos se interessassem, o que acabou acontecendo.
Em determinado momento, treze gravadoras diferentes teriam
contatado o grupo, que permanecia vinculado a Atlantic. Aliás,
teria sido um executivo da Atlantic que sugeriu o nome Jellyfish,
aceito pelo grupo.
O processo de gravação do álbum de estréia
foi bastante tumultuado e estressante, com ensaios exaustivos
que muitas vezes acabavam em discussão, especialmente
entre Jason e Andy. Jason era um compositor de luz própria,
mas teve suas músicas rejeitadas pelo Jellyfish, que
montou todo o seu repertório baseado nas composições
de Andy e Roger, os “donos” da banda, por assim
dizer. O disco levou meses para ficar pronto, e durante o
processo, o Jellyfish estudou detalhadamente passagens instrumentais
de bandas dos anos 70, como o Wings de Paul McCartney, Peter
Frampton e Steely Dan, entre outras. Ao vivo, o Jellyfish
usaria os trechos das canções de suas influências
inseridos nas músicas próprias. Assim se deu
o tal resgate de uma sonoridade inusitada para a época,
prática que mais tarde foi acusada pelos críticos
de ser uma mera cópia.
O álbum de estréia,
intitulado Bellybutton, finalmente ficou pronto em agosto
de 1990, quase um ano após a formação
do Jellyfish. O disco contou com várias participações
de músicos convidados, entre eles Tommy Morgan, que
entre vários outros trabalhos participou das sessões
de nada mais nada menos que Pet Sounds, do Beach Boys, tocando
harmônica. Outra participação notável
foi de Steve McDonald, baixista do influente Redd Kross, que
recentemente ficou conhecido por ter incluído baixo
por conta própria no álbum White Blood Cells
do White Stripes. McDonald toca em três faixas e o restante
ficou por conta do guitarrista Jason Falkner. Com o disco
pronto, a banda ainda precisava de um baixista para poder
se apresentar ao vivo e o escolhido foi um tanto inusitado,
Chris Manning, irmão de Roger, que nunca havia tocado
baixo na vida.
Bellybutton na época
não foi lá muito bem recebido pela crítica,
sofrendo comparações e acusações
de cópia de bandas setentistas e dos Beatles. Musicalmente,
não estava tão longe assim do que o Posies havia
feito em Dear 23, ou do próprio Redd Kross. Trata-se
de um bom álbum pop, obviamente recheado de referências.
Entre os destaques, “Now She Knows She’s Wrong”
e “The King Is Half Undressed”. Mesmo aos sobressaltos
com a crítica, a divulgação foi bem razoável.
A Charisma, gravadora que acabou tomando o Jellyfish da Atlantic,
produziu três videoclips e os três foram executados
pela MTV ("The King Is Half Undressed", "That
Is Why" e "Baby's Coming Back"). Bellybutton
acabou por vender cerca de 250 mil cópias, um desempenho
bem interessante, que deixava boas expectativas para o próximo
disco.
O Jellyfish passou
boa boa parte de 1991 na estrada, encerrando a turnê
como banda de abertura para o Black Crowes, que na
época estava no auge de sua popularidade. No
fim do ano, Jason Falkner gravou um demo em quatro
canais com suas próprias composições
e, satisfeito com o resultado, resolveu sair do Jellyfish
para se dedicar a uma hoje cultuada carreira solo.
O baixista Chris Manning também deixou a banda
ao final da turnê. Com isso, o Jellyfish estava
novamente reduzido a Andy Sturmer e Roger Manning.
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Carreira solo para Jason Falkner |
Não que isso fosse
um problema, e a dupla passou a se dedicar ao próximo
álbum, o ambicioso Split Milk, durante praticamente
todo o ano de 1992.
Em meio às gravações,
Roger e Andy foram recrutados pelo produtor Don Was para tocar
no álbum Time Takes Time, de Ringo Starr. Ringo gravou
no disco a música “I Don’t Believe You”,
composta pelos dois. Vale lembrar que o Posies também
foi convidado a participar, numa iniciativa interessante de
Don Was que junto um ex-Beatle a seus maiores influenciados.
De volta ao Jellyfish e seu novo álbum, Tim Smith tornou-se
o novo baixista, e para as guitarras o grupo contou com o
apoio de Jon Brion e Lyle Workman. Jon Brion merece uma linha
a mais. Após sua participação em Split
Milk, montou a banda The Grays juntamente com Jason Falkner,
que durou apenas um disco, e mais tarde tornou-se um renomado
produtor, tendo trabalhado com Aimee Mann, Fiona Apple, Rufus
Wainwright e Lemonheads. Foi ele quem produziu (e compôs)
a trilha do filme Magnolia, indicada ao Grammy. Mas não
foi Jon Brion o produtor de Split Milk, cargo que ficou novamente
por conta de Albhy Galuten, desta vez dividindo o crédito
com Jack Joseph Puig, além dos próprios Andy
Sturmer e Roger Manning.
Lançado em fevereiro de 1993, Split
Milk é definitivamente um passo adiante de
Bellybutton, com uma instrumentação
bastante complexa, com trechos orquestrados, uso de
metais, balalaikas, cravos, e todo o tipo de corpos
estranhos ao rock que se fazia em 1993. O que dizer
de “Bye Bye Bye” e sua levada de polka?
No caldeirão de influências, se encontram
toques de Beach Boys, Queen, Supertramp, e claro,
Beatles, muitas vezes na MESMA música.
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O guarda-roupa nunca foi
o ponto forte do Jellyfish |
Também é lugar
comum ao longo das 12 faixas de Split Milk as mudanças
abruptas no andamento das músicas, um exemplo claro
é “The Ghost At Number One”, que recria
o clima de Pet Sounds no final. Os extremos estão presentes
no disco, como na absurdamente fragmentada “Sebrina,
Plate and Plato” enquanto que a balada “Russian
Hill” é climática e atmosférica.
Nem é preciso dizer
que o cenário musical passava por uma dramática
mudança em 1993, toda a repercussão que o primeiro
álbum do Jellyfish teve ficou enterrada no impacto
na nova leva de bandas que tomavam as paradas de sucesso de
assalto. Não poderia ter havido um timing pior para
“Split Milk” como o ano de 1993. Os integrantes
do Jellyfish pareciam alienígenas com seus chapéus
e roupas coloridas cantando complexas e divertidas canções
pop em meio ao rock pesado e visceral em vigor. Na semana
de lançamento, Split Milk entrou num pífio número
164 na Billboard, e não conseguiu nada muito melhor
a partir dali.
Andy tocava bateria em pé
nos shows, enquanto cantava
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Mesmo
sem o sucesso comercial esperado, o Jellyfish encarou
uma turnê que se estendeu durante praticamente
todo o ano, passando por Europa, Japão, Austrália
e Estados Unidos. Para os shows a banda contou com o
apoio do guitarrista Eric Dover e a formação
durante a turnê consistia em Andy Sturmer (vocal,
bateria), Roger Manning (teclado, vocal), Tim Smith
(baixo) e Eric.
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No início de 1994, após
o final da turnê, surgiram boatos sobre o fim do Jellyfish,
que se tornaram verdadeiros quando a banda anunciou oficialmente
sua separação em maio daquele ano.
Os ex-integrantes da banda
se envolveram em inúmeros projetos após o fim
do Jellyfish, o mais surpreendente deles certamente foi o
de Eric Dover, que se tornou vocalista do Slash’s Snakepit,
uma banda, digamos assim, não muito relacionada com
o Jellyfish.
Mas o projeto mais bizarro
foi de Roger Manning Jr e seu Moog Cookbook. Ao final do Jellyfish,
Roger inicialmente montou o Imperial Drag (que contava com
o próprio Eric na formação), com sonoridade
bastante próxima ao Jellyfish, lançando um álbum
em 1996 antes de se dissolver no ano seguinte. Em seguida,
Roger montou o Moog Cookbook, um duo eletrônico que
contava também com Brian Kehew que recriava hits dos
anos 90 como “Black Hole Sun” do Soundgarden e
“Come Out And Play” do Offspring apenas com sintetizadores
moog dos anos 60. Um espetáculo. Como curiosidade,
é do Moog Cookbook a 'música de elevador' presente
em muitos dos videoclips do Foo Fighters. Hoje em dia Roger
faz parte da banda de apoio do Beck.
Já Tim Smith formou
o Umajets, que também teve vida curta e hoje toca com
Sheryl Crow, enquanto que Andy Sturmer tornou-se produtor,
tendo trabalhado com bandas pequenas como o Merrymaker e os
japoneses do Puffy Amiyumy. Mas de todos os projetos pós-Jellyfish
ou relacionados que obtiveram lançamentos, sem dúvida
o que mais vale a pena correr atrás são os álbuns
de Jason Falkner solo.
Do Jellyfish ainda foi
lançada a coletânea Greatest em 1998 reunindo
os maiores sucessos (?) da banda. Mais recentemente, em 2002
saiu a caixa Fan Club, uma extensa retrospectiva com 4 CDs
de demos, faixas inéditas e gravações
ao vivo, lançada pela gravadora Not Lame, que já
havia feito trabalho semelhante com os Posies.
Alexandre Luzardo
junho
2005 |