respeito. R.E.M.,
Smashing Pumpkins e Radiohead são exemplos de bandas
que só encontraram o conforto no desafio, gerando discografias
tão elaboradas que cada disco responde por um universo
individual, podendo trafegar do mais puro acústico
ao mais perturbado gênero industrial.
Em alguns casos, essas mudanças moldam
a expressão de forma tão forte que elas passam
a caracterizar determinados artistas, deixando os ouvintes
incertos do que pode acontecer em um novo lançamento,
se as baterias darão lugar aos samplers, se as guitarras
se renderão aos violões. A única certeza
que se tem é que um novo disco será diferente
dos anteriores. A carreira de John Frusciante não
deixa de ter essa característica como marca registrada.
Se em seus dois primeiros discos ele catalizou músicas
oriundas de outras dimensões psíquicas num
formato de difícil assimilação, em
seu terceiro álbum ele encontrou com primor o caminho
que combinou a irredutível veia artística
com uma linguagem mais acessível. Em cima deste último
formato, John escreveu um conjunto considerável de
músicas, que encontrou seu caminho em "To Record
Only Water For Ten Days", no virtual "From The
Sounds Inside" (distribuído em MP3) e na trilha
sonora do filme "The Brown Bunny". Nos três
trabalhos mencionados, o fio condutor era o equilíbrio
entre suas ambições musicais e o formato amigável
das canções. Desde então, John passou
a apresentar uma crescente melhora em sua comunicação
com o mundo exterior (leia-se carreira comercial e mídia),
falando abertamente sobre seu passado e declarando-se um
artista empolgado com seus projetos e com seu trabalho nos
Red Hot Chili Peppers. Em "By The Way", último
disco dos Peppers, John foi responsável por algumas
mudanças sonoras da banda, que passou a explorar
outras linhas que não o tradicional funk californiano.
Naquele álbum, as melodias foram exploradas com inéditos
traços de requinte, típicos do guitarrista,
e os backing vocals consagrados, deixando boas perspectivas
em seus futuros passos. Perspectivas essas que levavam a
crer que "Shadows Collide With People" marcaria
um avanço ainda maior na proposta musical de sua
encarnação solo, talvez a obra que refletisse
seu desenvolvimento dos últimos seis anos em um formato
definitivo. Erramos.
John não abriu mão das mudanças,
de fato, elas são as mais palpáveis e estruturais
até o momento. Se até então sua música
era resultado de um trabalho solitário, de voz, violão,
guitarras, baterias eletrônicas e uma máquina
de gravação, em "Shadows" ele recorre
à ajuda do baterista Chad Smith, colega nos Chili
Peppers, cujas baquetas "reais" influenciaram
significativamente o clima das músicas. Ele abre
espaço ainda para outras pequenas contribuições
de Flea (baixista na música "The Slaughter")
e de Omar Rodriguez (guitarrista do The Mars Volta, aqui
pilotando uma slide guitar em duas faixas). Mas o que define
decisivamente as bases do trabalho é a colaboração
do amigo Josh Klinghoffer na concepção e gravação
das músicas. Josh, integrante da banda The Bicycle
Thief, é um jovem multi-instrumentista que exerce
um papel significativo no disco, responsável pela
execução de instrumentos e composição
conjunta de algumas faixas, chegando a contribuir com vocais
em "Omission". A interferência do colega
é tão grande que "Shadows" levanta
suspeitas quanto a ser ou não a continuidade da discografia
de John, uma vez que muitas características de sua
música acabam irreconhecíveis no disco. Para
consagrar as mudanças, o disco foi gravado em um
estúdio real, o que resultou em uma sonoridade grandiosa,
limpa, distante do lo-fi característico de seus discos.
Tudo isso somou-se na produção de um álbum
mais conservador, com preocupações em torno
de fazer com que os ouvintes "mais tradicionais"
não torcessem o nariz à aspereza que parecia
tão confortável ao rapaz.
Em alguns momentos, as influências
de John pedem passagem e são reverenciadas sem pudor.
"Second Walk" e "This Cold" representam
a verve punk rock do rapaz, herdada da admiração
de bandas como Clash e Germs, que na verdade destoam muito
do estilo habitual do compositor, não servindo nem
para denegrir, nem para acrescentar ao conjunto. "Water"
faz referência fiel à new wave dos anos 80.
Uma linha debruçada sobre baladas permeia o disco,
algumas simples demais, outras com pontos positivos. Pela
primeira vez, faixas com calibre de hit que podem facilmente
tocar em rádios rock, como "Song To Sing When
I'm Lonely" e "Wednesday's Song" (e dito
isso, fique à vontade para compará-las a qualquer
soft-hit dos Chili Peppers pós-Dave Navarro). As
letras abertas revelam o artista que sobreviveu à
peste do estrelato e hoje não mais se preocupa em
pisar em ovos, dando-se o direito de conduzir as coisas
como bem entende. Tamanha lucidez permitiu que seus atributos
vocais fossem melhorados, alterando ainda mais a personalidade
do John que conhecíamos e levantando questões
quanto aos benefícios que essa recuperação
trouxe à evolução de sua música.
Ele parece esquecer que muita coisa bacana em seu disco
anterior vinha dos flertes eletrônicos, dos blips
e boings que batiam de frente com a acústica rudimentar,
fruto do apreço por bandas como New Order, OMD e
Human League. Interessante observar que em "Sahdows
Collide With People" John faz uso de sua experiência
recente com o The Mars Volta, banda célebre em utilizar
ruídos e experimentos em comunhão com bases
convencionais de canções. Quando John "suja"
as canções do disco com esses recursos, as
faixas fogem do convencional para obter destaque, como o
caso de "Every Person" e "Cut-Out".
Já as faixas instrumentais, entretanto, saíram
como depósitos das brincadeiras com aparelhos digitais,
vinhetas que estão lá mas não se comunicam
com o restante do disco, que busca um som grandioso e pomposo,
saturado em alguns momentos. Do John que todos esperavam,
poucas canções vestem o traje com clareza.
"The Slaughter" fica muito próximo ao que
o disco seria se a linha de suas canções fossem
uma evolução da safra anterior. Momentos superiores
de melodia merecem destaque em "Time Goes Back"
e "In Relief", caso onde a grandeza da música
recebeu o arranjo cabível, combinação
refletida em um balanço mais equilibrado, marcando
momentos em que melodias teimam em deixar a cabeça
do ouvinte horas depois que desligou o som e já está
a quilômetros de casa. Uma grata surpresa é
"Chances", com levada quebrada, slides de Omar
e tom esquisito, momento onde John oferece o improvável
e acerta em cheio.
No saldo final, um disco que reflete
mudanças grandes demais para os pequenos passos revelados
no decorrer da carreira de Frusciante. São raros
os momentos onde é possível encontrar a eficiência
automática tão presente na sua discografia,
sendo que as novidades propostas não oferecem um
grau de satisfação suficiente para que se
justifiquem. Difícil determinar o real destino almejado
pelo rapaz, uma vez que ele se distanciou do que fez em
sua carreira solo sem de fato se aproximar do conforto que
recebe nos Chili Peppers. De fato, vai se complicar aquele
que tentar entender os caminhos traçados em "Shadows
Collide With People". Tudo indica que é a química
de um momento onde contribuições externas
e influências musicais parecem muito relevantes na
vida do rapaz, fatos esses enraizados no cerne das canções.
Confuso e amplo na sedimentação, confuso e
amplo no resultado final.