John Frusciante pode até hoje representar pouco para muitos
fãs da banda Red Hot Chili Peppers, na qual desempenhou
um grande papel conduzindo guitarras e escrevendo melodias
que levaram-na ao estrelato. Os ouvintes de FM tendem a
concentrar a atenção no vocalista Anthony Kiedis e na peripécias
do baixista Flea, deixando John e suas guitarras vintage
em segundo plano. Mas o rapaz carrega em sua trajetória
muitos méritos a se revelar, triunfos num universo de quem
mergulhou no temido inferno do estrelato e por muito pouco
conseguiu retornar.
Traquinas:
no livro escolar |
A
atividade musical de Frusciante recebeu impulso
após o divórcio de seus pais, quando mudou-se para
o Arizona e encontrou na liberdade o caminho para
viver em função da música. Saiu de casa, mudou-se
para Los Angeles e passou a conviver com artistas
locais, o que lhe proporcionou contato com músicos
como Flea, o baixista de sua futura banda, os citados
Chili Peppers. |
Foi logo após uma jam entre os
dois e o ex-baterista dos Dead Kennedys, D.H. Peligro, que
o baixista convidou o garoto-prodígio a integrar o cargo
deixado pelo falecido Hillel Slovak. Influenciado principalmente
pelo punk de bandas como Black Flag e The Clash e por guitarristas
mais expressivos como Jimi Hendrix e Jimmy Page, John trouxe
aos Peppers um misto de suas influências devidamente adaptadas
para o funk californiano, bastante direcionado pelo estilo
deixado por Slovak, de quem sempre declarou ser fã assumido.
Sua chegada à banda foi o primeiro passo para que o quarteto
começasse a galgar degraus rumo ao mega-estrelato, além
de marcar a repentina mudança na história de seus dezoito
anos.
Suas primeiras contribuições
na banda foram marcadas por uma preocupação em
honrar com a guitarra suingada de Slovak, renovada
por Frusciante através da notável qualidade técnica
que concedia a ele o destaque observado por Flea
quando decidiu contratá-lo.
|
O
início: Red Hot
Chili Peppers |
"Mother's Milk", disco em que
estreiou, rompeu as barreiras do underground e transformou
os Peppers em candidatos à nova grande banda a habitar o
universo mainstream. Faixas como "Higher Ground"
e "Knock Me Down" eram a trilha ideal para que os ensolarados
californianos exercessem sua postura descolada aos olhos
do público. Tanto que quando entraram em estúdio para gravar
o sucessor de "Mother's Milk" receberam uma quantia considerável
da gravadora Warner para deixá-los confortáveis o suficiente
para criar "o" disco. E foi exatamente o que a banda construiu.
"Blood Sugar Sex Magik", de 1991,
foi o álbum que jogou a banda nas alturas, local de onde
nuca mais saiu. Recheado de funk e estilo, os rapazes conseguiram
sintetizar todas as qualidades que tinham como quarteto,
entregando um disco com muito feeling e atitude sonora.
Frusciante limou alguns focos técnicos de seu estilo e concentrou-se
nas guitarras intuitivas, inaugurando uma série de timbres
e características que tornariam-se célebres em sua música,
ponto fundamental na consagração artística e reconhecida
qualidade musical do novo disco. Uma maior abertura sonora
fez com que o quarteto parasse na ponta da língua do público,
colocando-os em turnês gigantes e em todas as formas de
mídia possível. O que deveria tornar-se o maior motivo de
comemoração e realização pessoal do músico acabou enveredando
para mais um lamentável caso de síndrome negativa do
rock n' roll: Frusciante encontrou dificuldades para
lidar com as conseqüências do sucesso.
Já eventual usuário de heroína
durante a turnê de "Blood Sugar Sex Magik", o guitarrista
anunciou sua imutável decisão de abandonar o barco, fazendo
um último show no Japão sob apelo da banda. Assim que liberado,
John retornou para a California, onde entregou-se à reclusão
e ao uso constante de heroína, fato que veio determinar
os seis anos seguintes de sua vida. Ele raramente saia de
seu domínio, recolhido em sua mansão, chegou a dedicar-se
brevemente à pintura e à música de forma pessoal, buscando
uma saída para seu vazio existencial.
John quem?
a androginia de Niandra LaDes |
Seu
álbum de estréia em carreira solo, "Niandra LaDes
And Usually Just A T-Shirt" saiu pela gravadora
de Rick Rubin, American Recordings, em 1994, composto
por faixas gravadas em simples gravadores de 4 trilhas
nos tempos de "Blood Sugar Sex Magik". O material
mostrava um John diferente do até então conhecido,
sua música abrangia tortuosos caminhos experimentais,
claramente conduzidos pela influência do uso de
químicos. |
Saía do foco a canção estruturada
e tomava espaço a gravação de melodias desconexas, solos
invertidos, sujeira e vocais inteligíveis. Um novo artista
que não revelava se sua obra provinha de um ímpeto artístico
ou se traduzia a real condição de sua personalidade. Música
para ele e mais ninguém, que confirmava a dificuldade de
encaixar seus âmbitos artísticos no formato convencional
exigido pela banda que abandonara. Pouco a pouco, suas breves
atividades iam se reduzindo a nada, sendo substituídas pelo
vício e conseqüências oriundas dele. John abandonou a música
e os pincéis, passando os dias trancado em casa,
vivendo as alucinações que a heroína lhe proporcionava.
Sua mansão em Los Angeles era
reduto de figuras recrimináveis em meio a uma grande bagunça
- as paredes grafitadas mencionavam mensagens do tipo "Meus
olhos doem". O local de odor pútrido e ambientação obscura
teve de ser abandonado quando o dinheiro não mais existia
para cobrir o seu aluguel. John passou a viver em hotéis,
sem paradeiro fixo, uma vez que era expulso dos estabelecimentos
quando não conseguia cumprir com os compromissos. Quando
sua renda estagnou, recebeu a oportunidade de lançar um
novo disco solo através do selo independente Birdman, de
David Katznelson. Frusciante viu na verdade uma chance de
arrecadar mais dinheiro e manter seu vício em heroína.

Jesus me chama:
chegando no limite i
"Smile From The Streets You Hold"
saiu em 1997, com material oriundo de sessões do disco anterior
e outras sobras, uma vez que o artista não vinha produzindo
música há algum tempo. O disco carregou consigo uma áurea
maldita, ainda mais obscuro e dilacerado que seu antecessor,
traduzia como poucos discos a lamentável situação psíquica
em que se encontrava seu criador. Contava com uma gravação
de John aos dezessete anos e algumas participações obscuras
de seu já falecido amigo River Phoenix. Ainda assim, em
meio ao turbilhão, o disco conseguia prover momentos iluminados
que representam todo o talento e a intuição musical do artista.
Lapsos de brilhantismo em meio à uma tempestade negra. A
escolha de John deixou sua condição real no limite, sendo
que, no auge do declínio, John já não tinha mais dentes,
extraídos para evitar uma infecção fatal em seu corpo. Sua
falta de higiene e total abandono de seu corpo esquelético
retratavam a condição lastimável de usuário de drogas, suas
tatuagens foram distorcidas pelos abcessos resultantes do
uso inapropriado de agulhas. Seus cabelos já quase não existiam
e suas unhas faziam parte do passado. Ele já não consumia
mais alimentos, reduzindo sua dieta a substâncias líquidas
geralmente utilizadas por doentes e idosos. Os fatos vieram
à tona em uma reportagem do jornal L.A. Times em que ele
se deixava retratar indiscriminadamente pelo repórter, e
justificava sua escolha de vida pela oportunidade que a
droga lhe concedia para entrar em contato com "outras dimensões".
Declarava-se pronto para a morte, incapaz de reconhecer-se
como indivíduo longe da heroína, que, segundo ele, "dava-lhe
aquele brilho nos olhos". Foi o passo final para que pessoas
de fora fizessem-no mudar de rumo.
Quando o respeitado guitarrista
dos Red Hot Chili Peppers Dave Navarro abandonou a banda
em 1997, o espaço mais instável do quarteto mais uma vez
precisava ser preenchido. Flea, ciente dos esforços concentrados
em John para que o mesmo abandonasse seu vício em clínicas
de reabilitação, reaproximou-se do ex-guitarrista e sugeriu
a possibilidade de seu retorno e conseqüente reunião do
que foi a melhor encarnação da banda. Os Chili Peppers vinha
de um álbum contestado, "One Hot Minute", buscando uma peça
que lhes garantisse estabilidade. John recebeu a proposta
como uma nova oportunidade de reencontrar suas aspirações,
de recuperar-se como indivíduo e resolver os problemas financeiros
criados a partir de seus anos errantes.
i
E em 1998 a Warner
Bors. lançou "Californication", o maior sucesso
comercial dos Red Hot Chili Peppers. O novo disco
popularizou ainda mais o quarteto, graças às melodias
acessíveis e abordagem radiofônica de muitas músicas.
Com técnica bem mais simplória, as guitarras apostavam
firme no lado emocional, fazendo com que a música
funcionasse ao mesmo tempo comercialmente e artisticamente.
|
Back
to life: Chili
Peppers em 1998 |
John mostrou-se desde então menos
preocupado com conseqüências que a sua reputação poderia
sofrer ao fazer parte de uma banda mega-comercial, percebendo
que era possível unir os interesses comerciais com a diversão
e o prazer de tocar com outros três amigos. E dali para
diante, o seu trabalho nos Peppers destacou-se pela abordagem
iluminada em canções notoriamente pop, transcorrendo pelo
funk e pelas baladas certeiras. Já não importava mais que
o mundo apontasse o dedo para ele: John estava renovado.
Reconfortado pela aprovação de
seu trabalho em "Californication", sua veia artística paralela
foi devidamente nutrida quando a Warner concedeu-lhe a oportunidade
de lançar seu terceiro disco solo, chamado "To Record Only
Water For Ten Days". Longe da atmosfera sombria e esquizofrênica
de seus dois discos anteriores, o novo trabalho revelava
uma faceta até então desconhecida do rapaz.
Enfim, paz: To
Record Only Water For Ten Days |
Ainda
adepto do lo-fi (o disco é uma coleção de canções
em 8 canais), as músicas trafegavam por um curioso
caminho pop, construído com guitarras, teclados
e bateria eletrônica. Com sua voz combalida e dicção
atrapalhada, ele finalmente cantava letras coerentes
que primavam pela excelência melódica, assim como
a estrutura de suas músicas. |
Todo seu lado brilhante, por
vezes comedido nas novas músicas de sua banda, tinha espaço
total para ser explorado, aparecendo em uma linguagem acessível
para os ouvintes de rock e reconfortante para seus anseios
pessoais. Um disco que revela todas suas genialidades musicais
em um formato áspero, pela escolha da produção insignificante,
ma igualmente belo pela concepção das canções. Em 2002,
John autorizou a publicação em seu website de uma série
de canções em formato MP3 (ver links), sobras de seu terceiro
disco, que em nada perdiam em termos de qualidade se comparadas
às oficiais. Um complemento para o disco lançado na Warner,
o conjunto de músicas foi convencionado como o quarto disco
da sua carreira, nomeado por um fã como "From The Sounds
Inside", distribuído gratuitamente.
Após mais um período
de sucesso massivo no Red Hot Chili Peppers (o disco "By
The Way", de 2001, repetiu o êxito de "Californication"
e apresentou novidades de sonoridades nas canções
do quarteto), John entrou em estúdio para gravar
seu quarto disco, "Shadows Collide With People".
Lançado em fevereiro de 2004 o álbum apresentou
diferenças significativas na maneira como foi conduzido
e no formato que pretendeu assumir. Pela primeira vez, contou
com a parceria de outro músico (Josh Klinghoffer)
e com participações externas (Flea, Chad Smith,
Omar Rodriguez-Lopez). O som rudimentar foi substituído
por músicas bem produzidas, exploradas e meticulosamente
dimensionadas, sugerindo que a carreira solo poderia tomar
rumos mais populares, de maior absorção. Bem
recebido pelos fãs, principalmente os de sua banda
"oficial", o álbum serviu como um convite
para que um público maior descobrisse as melodias
irresistíveis de Frusciante.

Dupla dinâmica:
John e Josh em "Shadows Collide With People"
Mas essa escapada para um ambiente
mais convencional encerrou rapidamente, quando alguns meses
depois seu website divulgou um plano audacioso: seriam lançados
seis novos títulos em sua discografia, num espaço
de seis meses. Dessa vez, a Record Collection, uma subsidiária
da Warner Bros., acolheria seus lançamentos. Já
em junho, "The Will To Death", o primeiro da série,
chegou às lojas do primeiro mundo mostrando que John
era um caldeirão de idéias. Ao buscar faixas
espontâneas, amigáveis aos erros e calcadas
nas produções musicais dos anos setenta, sua
nova abordagem ia contra o princípio pomposo do disco
anterior. Fã de uma variada linhagem musical, o músico
dividiu cada um dos novos lançamentos em diferentes
conceitos, quase sempre contando com a participação
efetiva de Klinghoffer. O primeiro disco recorria aos anos
setenta de forma sombria, com clara influência de
artistas como a cantora Nico. Logo em seguida (agosto),
lançou "Automatic Writing", um projeto
com Joe Lally (Fugazi) e Josh Klinghoffer denominado Ataxia.
No álbum, muitos trechos instrumentais apostando
nos climas e na experimentação, fruto de sua
recente identificação com a música
progressiva. "DC EP" deu continuidade, saindo
em setembro.
2004: funcionário
exemplar do ano. |
Com
produção do lendário Ian MacKaye,
da banda Fugazi, o pequeno EP vinha com uma proposta
um pouco mais simples, com a interessante produção
terceirizada. Em outubro a quarta etapa chegou aos
fãs, revelando-se a mais pesada e roqueira
delas. "Inside Of Emptiness" reúne
riffs aos cotovelos, com muita aspereza e corrosão. |
O quinto disco, "A Sphere
In The Heart Of Silence" é de novembro, e mostra
toda a influência de artistas eletrônicos como
o Kraftwerk, além de um de seus principais interesses:
os sintetizadores. O resultado em vezes se aproxima da fase
Kid-A do Radiohead. "Curtains" , a cartada final
da série deveria ter saído em dezembro, mas
só foi chegar aos ouvintes em janeiro de 2005. Visto
como um disco acústico, é recheado de violões
e, principalmente, vocais em diversas camadas. Conceituá-lo
como acústico pode gerar impressões errôneas,
por representar muito mais o resultado de um trabalho feito
em casa. "Curtains" tem letras bastante melancólicas
e, sem surpresas, melodias primorosas, principalmente em
termos vocais. A empreitada, desnecessário registrar,
foi um deleite para qualquer fã e uma atitude louvável
ao desafiar os padrões mercadológicos da indústria
fonográfica.
O ano de 2005 não prevê folgas para o músico,
que deve finalizar o novo disco dos Red Hot Chili Peppers
já nos primeiros meses. Futuras turnês devem
comprometer seu calendário, enquanto os fãs
de seu trabalho solo, mal-acostumados com o ritmo recente
de lançamentos, torcem por uma brecha que resulte
em algum disco novo. Há expectativa de um novo disco
do projeto Ataxia, gravado nas mesmas sessões do
primeiro e de um outro disco solo a ser gravado. Os fãs
aguardam, definitivamente sem a desculpa de não ter
material suficiente em casa que atenue suas expectativas.
Vicente Moschetti
fevereiro/2004
atualizado em fevereiro/2005
|