Juliana
Hatfield tem hoje uma carreira consolidada e é uma
artista segura de seu espaço no rock, mesmo longe dos
holofotes do mundo pop. Mas o caminho para chegar a essa condição
foi longo e cheio de desafios.
Juliana nasceu em Wiscasset,
no afastado Maine, mas viveu até a adolescência
em Duxbury, no Massachusetts. Apesar de ser próxima
a fervilhante Boston, em Duxbury Juliana teve acesso tardio
ao rock. Desde pequena se interessava por música, estudou
piano e cantava, mas só achou seu caminho quando descobriu
bandas como Replacements e Velvet Underground. Na época
da faculdade se mudou para Boston para estudar canto no renomado
Berklee College of Music, já com planos de formar uma
banda. Lá ela conheceu John Strohm (guitarrista) e
Brenda Love (baterista) e com eles formou o Blake Babies,
em 1986.
O Blake Babies seguiu uma trajetória
ascendente lançando seu primeiro álbum, o pesado
"Nicely, Nicely" em 1987. A partir dali a banda
começou a definir o seu som mais para os lados de bandas
contemporâneas como R.E.M. e Throwing Muses, com Juliana
na linha de frente como principal compositora e vocalista,
a sua voz de menininha pura e angelical era uma marca da banda.
A própria Juliana conta que não era muito segura
de sua qualidade como vocalista naquela época e chegou
a fazer um "tratamento" a base de cigarros e muitos
berros para deixar sua voz mais 'durona' e arranhada. O tal
tratamento de nada adiantou, e até hoje Juliana traz
consigo o vocal suave e limpo de sempre.
Com mais dois discos, "Earwig"
e "Sunburn" o Blake Babies se estabeleceu como uma
das mais promissoras bandas da cena de Boston, ao lado do
Lemonheads e pronto a repetir o feito do Dinosaur Jr e do
próprio Throwing Muses, bandas de repercussão
nacional nos EUA.
No entanto,
quando o cenário parecia pronto para o sucesso,
o Blake Babies anuncia seu final, com seus integrantes
passando a buscar o seu espaço em caminhos
separados. John Strohm e Brenda Nunes formaram o Antenna,
que teve pouca repercussão, enquanto Juliana
partiu em carreira solo.
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Juliana, Freda e John no Blake Babies |
O primeiro álbum solo
de Juliana, "Hey Babe", foi lançado pela
Mammoth Records em 1992 e foi um enorme sucesso. Era a época
de ouro das chamadas "college radios", e as músicas
"Everyone But You" foi single de sucesso naquele
ano, ajudando Hey Babe a se tornar um dos álbuns independentes
mais vendidos de 1992, batendo a casa das 300 mil cópias.
Com essa proeza nas costas, logo Juliana passou a ser disputada
pelas grandes gravadoras. Entre os destaques do disco estavam
ainda "Forever Baby" e "Nirvana", que
já tinha sido gravada pelo Blake Babies em 1991 (e
cujo nome surgiu de uma certa banda que era uma das favoritas
de Juliana na época).
Juliana ainda achou tempo para
tocar baixo no Lemonheads, participando das gravações
do álbum "It's A Shame About Ray", que viria
a se tornar o disco mais bem sucedido da banda de Evan Dando
(que já havia feito participações no
Blake Babies pouco tempo antes). Coincidentemente, Juliana
fechou com a Atlantic Records, mesma gravadora do Lemonheads
para seus próximos trabalhos.
No embalo
da excelente repercussão de seu primeiro álbum
solo e do grande sucesso do Lemonheads, a expectativa
da gravadora (e mesmo da mídia) era de que
Juliana iria se tornar uma megastar. Juliana passou
a ser figurinha carimbada nas revistas, onde recebia
tratamento de celebridade, com direito a intrigas
e fofocas. Muito foi dito e especulado sobre o suposto
relacionamento de Juliana e Evan Dando, por exemplo.
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Que meigo... |
Num dos
momentos mais bizarros dessa época, Juliana, sabe-se
lá porque, entrou numas de Sandy e declarou que ainda
era virgem em entrevista a uma revista. Nem é preciso
dizer que as revistas adoraram e mesmo anos depois o assunto
vinha a tona quando Juliana falava a imprensa.
"Become What You Are"
foi lançado em 1993 levando o nome 'Juliana Hatfield
Tree', que era o trio formado por Juliana e sua banda de apoio
na época, Dean Fisher e Todd Phillips. O impacto de
gravar por uma major não descaracterizou em nada a
sonoridade do novo álbum, que segue a linha de Hey
Babe incorporando guitarras mais pesadas à mistura
elétrica/acústica anterior. A produção
ficou a cargo do peso-pesado Scott Litt, conhecido pelo seu
trabalho com o R.E.M.
O disco não fez feio
nas paradas, mas não foi nem de longe o sucesso que
muitos esperavam. "Spin The Bottle" foi o maior
single de maior repercussão, chegando a figurar no
famoso Top 40 das rádios americanas, e tinha ainda
destaques como "My Sister" e "Feelin' Massachusetts"
(uma referência ao célebre 'feelin' Minnesota'
do Soundgarden em Outshined?). Ainda em 1993 é lançado
"Come on Feel the Lemonheads", novamente com participação
de Juliana em várias faixas.

Universal Heart-beat bateu
na trave...
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Para o seu próximo disco,
"Only Everything", de 1995, Juliana abusa
nas guitarras e lança o seu disco mais roqueiro
até então. A Atlantic gostou da idéia
e investiu pesado no videoclipe para "Universal
Heart-beat", que parecia predestinada ao sucesso.
A música tem o refrão mais contundente
da carreira de Juliana ("a heart that hurts / is
a heart that works"). No entanto, a repercussão
foi novamente moderada e não cruzou a fronteira
do entre o grande público e o alternativo (que
até era bem tênue na época), derrubando
rapidamente as perspectivas do disco nas paradas.
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O que foi
uma lástima, pois "Only Everything" é
recheado de pequenas pérolas com cara de hit, como
a pesada "What a Life" e "Fleur de Lys",
cantada em francês (!).
Sem muita moral, Juliana passou
a ser boicotada pela gravadora. A intenção dela
para o próximo álbum, "God's Foot",
era fazer a própria produção, cuidando
assim de todos os aspectos das gravações. Várias
sessões foram realizadas durante 1996, mas o disco
demorava a ser lançado. Enquanto isso, Juliana continuava
a se apresentar ao vivo, inclusive participou do festival
Lilith Fair, composto exclusivamente de bandas e artistas
femininas. Na época, o nome de Juliana Hatfield se
misturava entre os rótulos da indústria da música,
do rock alternativo ao grunge, do "movimento" women
in rock ao college rock e até uma versão light
do riot grrl, de tudo a música de Juliana já
foi rotulada.
Quando finalmente o álbum
"God's Foot' ficou pronto, a Atlantic vetou o trabalho,
pois segundo a gravadora não havia nenhum hit no disco.
Frustrada, Juliana forçou a barra para ser liberada
de seu contrato e acabou conseguindo, mas os direitos sobre
o disco ficaram com a gravadora. "God's Foot" nunca
foi lançado e Juliana teve que começar do zero
a partir dali.
Em 1997 foi lançado
o EP de seis músicas "Please Do Not Disturb"
pela Bar/None, trazendo como destaque a faixa "Sellout".
É difícil ouvir "Sell Out" e não
interpretar como um desabafo, mas Juliana ressalta que a música
não fala de sua própria situação.
Diz a letra: "I thought that you told me that if
I learned how to play the game then I would win, if I learned
how to say alright to everything / So why don't they want
me? It's not a sellout if nobody buys it."

Nada de major para Juliana
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Em 1998 Juliana achou sua nova casa,
a gravadora Zoë, que a recebeu de braços
abertos com todas as vantagens de ser independente,
sem as exigências de sucesso massivo e com a certeza
de que o esforço de divulgação
seria direcionado ao público correto. O primeiro
trabalho pela nova gravadora foi "Bed", um
álbum que consiste basicamente de demos e como
resultado é um trabalho bastante intimista e
introspectivo, ainda que o peso das guitarras esteja
presente. Nada de rádio ou MTV, mas o disco chegou
aos ouvidos do público fiel que consolidou a
carreira de Juliana.
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O novo rumo de sua carreira
trouxe ânimo para experimentar. Em 2000, Juliana lança
simultaneamente dois discos: "Beautiful Creature"
e "Total System Failure", o segundo usando o nome
Juliana's Pony, "banda" formada apenas para o disco.
Curiosamente, praticamente na mesma época Paul Westerberg
(ex-Replacements) e Frank Black (ex-Pixies) também
lançaram discos simultânos. "Beautiful Creature"
é considerado por muitos (e pela própria Juliana)
o melhor disco de sua carreira até então, com
belas músicas como "Hotels". Já "Total
System Failure" é pura diversão, distorção
e pancadaria.
Em 2001, um inesperado e bem
vindo retorno do Blake Babies traz o disco "God Bless
The Blake Babies", com a formação original
da banda e participação do então recluso
Evan Dando em uma música. Depois de uma turnê,
a banda se separa novamente, dessa vez definitivamente, segundo
os próprios. Após o Blake Babies, Juliana e
Freda Love formam o grupo Some Girls (não confundir
com a banda hardcore de mesmo nome), lançando o álbum
"Feel It", em 2002. No mesmo ano, foi lançada
a coletânea "Gold Stars 1992-2002: The Juliana
Hatfield Collection", com todos os singles e faixas obscuras
numa seleção feita por ela mesma.
Em 2003 Juliana participa
da turnê americana do recém-lançado "Baby
I'm Bored", álbum solo de Evan Dando após
sete anos de silêncio. E então chega a hora de
Juliana retomar sua carreira-solo. Lançado inclusive
no Brasil, "In Exile Deo" (2004), repercute muito
bem na crítica (o disco mais elogiado de Juliana em
muitos anos) e marca um bom momento na carreira de Juliana
Hatfield, resgatando sua veia mais pop sem culpa em músicas
como "Tourist" e "Some Rainy Day".
Alexandre Luzardo
Set/2004 |