No
cenário musical de qualquer local do mundo, uma categorização
que geralmente pode ser feita é aquela que divide os
grupos/artistas de acordo com sua popularidade, ou o nível
de penetração na mídia e no público
consumidor que ela possui ou possuiu ao longo de sua carreira.
É uma criterização mais simples, menos
subjetiva, pois depende basicamente de fatores que não
dão (muita) margem para discussão, como dá,
por exemplo, a classificação em estilos, o que
costuma gerar dezenas de categorias e subcategorias e intermináveis
bate-bocas inúteis. Aplicando esta ótica ao
cenário rock brasileiro, de um lado teremos nomes famosos
como Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Titãs,
Barão Vermelho, Raimundos, Sepultura, e por aí
vai. Uma palavra gringa bastante utilizada para caracterizar
a posição deste grupo é “mainstream”.
Por outro lado, teremos Brincando de Deus, Walverdes, Pelvs,
Second Come, Stellar e Pin Ups, que geralmente são
conhecidos por formar o “underground” (outra palavra
gringa) de um cenário, ou ainda, fazer “rock
independente” ou “alternativo”. Independente
por não contarem com o apoio comercial de grandes empresas
do ramo (a famosa política do "Do It Yourself"),
e alternativo por representarem uma opção
ao rock praticado pelo primeiro grupo, que costuma agregar
um universo quantitativamente maior de fãs, mídia,
dinheiro, etc. Geralmente ou você está no “mainstream”
ou no “underground” (mas e o Los Hermanos?), e
os nomes citados acima são alguns dos mais relevantes
dentro de cada corrente. O que faz uma determinada banda associar-se
com o primeiro ou o segundo grupo é uma questão
que não cabe discussão aqui; é claro
que a proposta artística de cada um destes grupos geralmente
apresenta diferenças perceptíveis que acabam
posicionando-os em um lado ou no outro, mas geralmente é
um conjunto de fatores circunstaciais que de fato define isto
– e por este motivo sempre haverá um pequeno
fluxo de migração de nomes de um grupo para
outro (tipo o Los Hermanos).
Para os fãs e profissionais
das bandas que não freqüentam o Domingão
do Faustão e nem as listas de mais vendidos ou executados
em rádios, ou seja, o segundo filão comentado
no parágrafo acima, um dos nomes mais queridos e influentes
da história do rock brasileiro é o Killing Chainsaw.
Formado em 1989, o Killing Chainsaw encerrou suas atividades
em 1997 e deixou como legado dois discos clássicos,
que podem ser visualizados também como os dois filhotes
mais ilustres da zoeira na ordem musical que Seattle e suas
bandas impuseram ao mundo, justamente no período que
delimita a trajetória do Killing Chainsaw.
A banda foi montada em Piracicaba,
SP, pelos amigos Rodrigo Gozo (vocal e guitarra), Gérson
(baixo), Pedrinho (bateria) e Rodrigo César (vocal
e guitarra), sendo que este último hoje lidera o Grenade,
outro nome de grande influência no cenário independente
atual do rock brasileiro. Mas, enquanto hoje já existe
um público mais amplo e com um acesso muito mais fácil
ao que é produzido pelas bandas underground, no tempo
do Killing Chainsaw a história não era bem assim.
“Na época do Killing a gente distribuía
fita demo pelo correio, mandava carta, não tinha esse
link rápido via internet, e-mail, coisas que ajudaram
a formar uma cena com vários focos, em que você
encontra as pessoas certas pra trabalhar, marcar show, distribuir
o disco. Antigamente as pessoas ficavam meio que ilhadas”,
disse Rodrigo César em recente entrevista para o site
da Trama. E foi essa dificuldade que abreviou a existência
do Killing Chainsaw, mas não antes que a banda tivesse
a oportunidade de escrever seu nome na história do
rock brazuca.
O primeiro registro do Killing
Chainsaw foi um disco auto-intitulado lançado pela
Zoyd Music, em 1992, somente em formato vinil. Apesar da precária
produção deste álbum de estréia,
as boas composições (é desse disco a
clássica Fuck You Gently (With a Chainsaw)), a influência
de Sonic Youth e os shows barulhentos e alucinantes logo fizeram
a fama da banda no circuito alternativo paulista. A explosão
do grunge ao redor do mundo e uma natural busca por equivalentes
tupiniquins (ainda que a banda cantasse em inglês) também
ajudaram o Killing Chainsaw a estabelecer seu nome. “Naquela
época nós tivemos uma sorte muito grande que
foi o grunge. Quando ele estourou, a gente conseguia capa
de Ilustrada (caderno sobre cultura da Folha de São
Paulo), mesmo sem disco. A gente conseguia capa de tudo quanto
é jornal e revista, mas nunca entrevistaram a gente.
Adoravam usar nossa foto como ‘a banda grunge brasileira’.
É como se hoje existisse uma banda que fosse comparada
ao White Stripes aqui”, relata Rodrigo César
em outra entrevista. Hoje em dia, o LP “Killing Chainsaw”
é item de colecionador.
Killing Chainsaw na primeira edição
do Juntatribo
Entre os diversos shows e festivais
nos quais o grupo participou, destaca-se o Juntatribo em Campinas,
SP, que rolou em agosto de 1993, um marco para o cenário
independente brasileiro. A banda também estaria presente
na segunda edição do festival, que aconteceu
em setembro do ano seguinte.
Apesar de não ver com
bons olhos esta ligação com o grunge, temendo
a óbvia impressão de que a banda estivesse apenas
aproveitando o momento na carona de Nirvana, Alice in Chains
e cia., o Killing Chainsaw lançou um segundo disco
com mais similaridades sonoras com as bandas de Seattle. Lançado
em 1994 (“recorded during the World Cup USA 94”,
de acordo com o encarte), “Slim Fast Formula”
é um excelente álbum com fortes influências
de Nirvana - a crueza e o peso das guitarras lembrando a fase
“Bleach” da banda de Cobain – além
do lado menos "mainstream" do grunge, como Tad e
Melvins. O diferencial, que atestava o talento dos rapazes,
ficava por conta das boas melodias e composições,
explícitas em músicas como Evisceration (onde
Rodrigo utiliza um efeito de voz muito utilizado por Mark
Arm, fazendo a faixa parecer muito com Mudhoney), Baby Eats
the Teacher, Passion e Yellow (a última faixa, que
na verdade engloba três músicas em pouco mais
de 13 minutos). A banda ainda acerta a mão em excelentes
versões para Rocket Ride, do Kiss, e The Woke of Jo,
do DeFalla. O disco foi lançado no mercado nacional
e internacional pela então famosa Roadrunner Records
(atual Sum Records), que distribuía também os
discos do Sepultura e Ratos de Porão.
A essa altura, já existia
uma primeira safra de bandas “indies” brasileiras
em ação, desbravando território, com
Pin Ups, Second Come e o próprio Killing Chainsaw na
dianteira. Mas para o Killing Chainsaw o caminho estava chegando
ao fim. Após casar-se e mudar-se para Londrina, PR,
Rodrigo César resolveu dar um tempo na banda, devido
às novas dificuldades impostas pela distância
para com seus companheiros, e as velhas dificuldades de ser
um profissional de uma banda de rock alternativo no Brasil,
em uma época em que este dava seus primeiros passos.
O contrato com a Roadrunner também havia gerado insatisfações
na banda, o que fez com que ficasse claro que na verdade tratava-se
do fim do grupo. Embora continuasse compondo e pensando no
Killing Chainsaw, Rodrigo já maquinava um outro projeto
pessoal, que viria a nascer oficialmente em 1998 com o lançamento
de algumas de suas gravações caseiras perpetradas
após sua mudança para Londrina, sob o título
de Grenade. Os outros membros do Killing Chainsaw formaram
depois o Plutonika.
Fabrício Boppré
dez/2004 |