Uma
das referências hoje no rock brasileiro, o Los Hermanos
percorreu um caminho tortuoso até chegar ao reconhecimento
merecido. Além de ser um raro exemplo de banda que
surge independente e conquista o seu espaço em gravadora
grande sem abrir mão das próprias convicções,
o Los Hermanos precisou passar pela dura prova de superar
a força de seu próprio hit. Catapultados para
os quatro cantos do país com "Anna Júlia",
o grupo teve de suar a camisa para mostrar que não
era apenas uma sensação de verão.
A história do Los Hermanos
começa pelos arredores da faculdade PUC do Rio de Janeiro.
Marcelo Camelo - aspirante à jornalista e músico
de fim de semana - cansou de entoar as próprias canções
para si mesmo no quarto e começou a procurar mais pessoas
para montar uma banda. Depois de participar de vários
projetos - em sua maioria bandas instrumentais - Camelo conseguiu
fechar um círculo de amigos para montar seu projeto
e convidou o amigo do curso de Publicidade, Bruno Medina para
integrar o grupo.
A formação embrionária
do Los Hermanos então era formada por Marcelo Camelo,
Rodrigo "Barba" na bateria, Bruno Medina nos teclados
e o baixista Felipe, que largou a banda logo depois. Acompanhavam
a banda ainda o trompetista Márcio e o saxofonista
Carlos que compraram seus instrumentos com o intuito de tocar
numa banda de jazz.
Depois
de uma série de pequenos shows em bares e festas
a formação da banda foi variando; por
fim, foram adicionados à trupe o "curinga"
Rodrigo Amarante (que se destaca por se arriscar em
vários instrumentos diferentes) e o baixista
Patrick. Após mais algumas apresentações,
eles gravaram duas demos: Amor e Folia (de
Janeiro de 98) e Chora (de Setembro de 98).
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Amarante atacando na flauta |
Desde o início a banda chamava a atenção
pelo seu som característico, com arranjos não
convencionais combinando o peso do hardcore com arranjos de
metais carnavalescos e letras inspiradas em sambas de roda.
Em determinado momento, o som da banda foi descrito como "polka
hardcore". E provavelmente foi por esta sonoridade incomum
que o organizador do festival Abril Pro Rock, Paulo André,
resolveu chamar o Los Hermanos para integrar o cast de bandas
do ano de 1998, após ter sido contatado pelo empresário/amigo
do grupo (Alex) que deixou uma das fitas demos com ele.
Camelo e cia. logo perceberam
que não podiam fazer feio nessa oportunidade de ouro
para a banda. Voaram para o Recife, para participar do festival
e dividir o palco com Marcelo D2, Arnaldo Antunes, Sepultura,
entre outros. Após uma estranheza inicial provocada
por aqueles cariocas de terno e gravata, o público
pernambucano se deixou levar pela pegada enérgica de
músicas como Descoberta", "Azedume"
e "Pierrot" e os arranjos esquisitos da trupe. O
show foi um sucesso; a banda foi a revelação
do Abril Pro Rock e assinou um contrato com a Abril Music
em 1999.
Ao gravar seu primeiro álbum,
auto-intitulado (que quase foi batizado de "Azedume"),
a banda fez algumas concessões as idéias da
gravadora. Pelo fato de nunca terem estado num estúdio
de grande porte, e talvez intimidado pelas possibilidades
que poderiam explorar, o Los Hermanos gravou o disco sem utilizar
equipamento próprio. O comando das sessões de
estúdio ficou a cargo do então iniciante produtor
Rafael Ramos (da banda Baba Cósmica e que na época
apresentava o Quiz MTV ao lado de Adriane Galisteu). A gravadora
exigiu também uma faixa radiofônica, e a banda
gravou "Primavera" com esta intenção.
Mas a Abril Music se interessou mais por uma composição
nova de Marcelo Camelo, que por pouco não entraria
no álbum: "Anna Júlia".

A banda no set do clip "Anna Júlia" |
A
preferência da gravadora pela canção
- que Marcelo Camelo escreveu sobre o amor não-correspondido
do amigo Alex pela tal Anna Júlia - se mostrou
nacional. Assim que foi lançada, a música
foi arrebatando posições cada vez mais
altas nas rádios cariocas, e depois pelo país
inteiro. O circuito de shows da banda foi aumentando
consideravelmente, chegando a fazer 23 shows em um mês
e até dois shows por dia. |
O "fenômeno Anna
Júlia" atrapalhou a banda a repetir a dose com
outra faixa de trabalho. Naquele que pode ter sido o maior
erro do plano (?) de divulgação da Abril Music,
"Primavera" é escolhida como o segundo single
do álbum Los Hermanos. A canção
não fracassou comercialmente, ainda que obviamente
não tenha repetido o sucesso da anterior. Mas o maior
problema foi a exposição demasiada do lado pop
da banda (que já vinha da super-exposição
de "Anna Júlia), o que acabou afastando boa parte
do público que seguia o Los Hermanos desde o começo.
"Primavera" ganhou
um videoclip caprichado. Após gravar um vídeo
medíocre para "Anna Júlia" (a própria
banda se envergonha dele), o Los Hermanos decidiu segurar
as rédeas da direção de arte do vídeo
de "Primavera". Misturando vários conceitos
falhos com a história do clip, com um resultado bem
diferente dos videoclipes nacionais de então.
Percebendo que haviam se tornado
"uma banda de uma música só", o Los
Hermanos ainda lançou "Quem Sabe", juntamente
com um vídeo mostrando cenas de shows da banda, mas
a repercussão foi mínima. Terminada a exaustiva
turnê de um disco que era subestimado pelo "fator
Anna Júlia", o grupo se isolou em um sítio
em Piraí, no Rio de Janeiro, para começar a
pré-produção de um novo álbum
para 2001. Com esse isolamento, os músicos puderam
se reaproximar como amigos, superando o estresse sofrido durante
a fatigante turnê. Mas logo no início do processo
de composição, a banda percebeu que sua formação
não estava de acordo com seus planos futuros. Assim
sendo, o baixista Patrick Kaplan foi demitido, sendo substituído
informalmente pelo amigo Kassin. Mais tarde, Patrick entrou
para o Rodox, banda do vocalista Rodolfo, ex-Raimundos.
Após um mês e
meio e todas as músicas arranjadas, a banda definiu
que o produtor do novo disco seria Chico Neves. Enquanto as
gravações seguiam um ritmo frenético
de criação, a Abril Music se mostrava descontente
com a escolha do produtor. Os trabalhos de gravação
foram finalizados sem participação do selo,
e o material final foi recusado pela Abril. Após uma
demorada negociação com a gravadora que durou
meses, o Los Hermanos concordou em remixar o disco com Marcelo
Sussekind. Após esta medida conciliatória, o
disco chegou às lojas, não muito diferente do
trabalho original.
Bloco do Eu Sozinho,
o disco remoído por meses de isolamento e discussões
com a gravadora, foi finalmente lançado em 2001, trazendo
uma banda bem diferente daquela conhecida pela "Anna
Júlia". Os arranjos peculiares pareciam acentuados
com o uso expressivo de instrumentos de sopro. A euforia dos
instrumentos, contrastada com a dor das letras de Camelo e
Amarante deu lugar a temas mais adultos e bem mais construídos.
A obsessão da banda pela temática do carnaval
antigo, que se fazia presente desde a primeira demo, dava
o tom do primeiro single, "Todo Carnaval Tem Seu Fim".
A primeira reação
da mídia em geral foi de estranheza a mudança
no som da banda, que resolveu seguir uma direção
contrária e menos apelativa ao sucesso comercial de
"Anna Júlia". A banda foi percebendo que
o cerco ao seu redor fechava com a má repercussão
que o novo disco rendeu nas primeiras semanas. Ainda que o
álbum tenha recebido alguns elogios da crítica,
o espaço na mídia era muito reduzido. A Abril
pouco investiu em divulgação, o disco não
tocou no rádio e a agenda de shows ficou mais escassa.
Até porque a estrutura do novo show, com um naipe de
metais, era mais cara. Para piorar, o público da banda
na turnê anterior, que passava de duas mil pessoas,
foi reduzido a menos de quinhentas cabeças - no máximo
- por show.
Mas a banda perseverou e à
medida que o grupo conseguia marcar mais shows para mostrar
seu novo álbum (a esta altura, a gravadora estava realizando
um trabalho praticamente nulo de divulgação),
a situação foi se estabilizando. Aos poucos,
o belo vídeo de "Todo Carnaval Tem Seu Fim"
foi chamando a atenção de mais pessoas, até
aquelas que antes renegavam o "fenômeno Anna Júlia".
Estava se fortalecendo o novo conceito que o Los Hermanos
abraçaria dali para frente; o de ser uma banda fiel
a si mesma.
O
show no Rock In Rio 3 - em uma das tendas montadas para
apoiar os intervalos de atrações dos palcos
principais - teve uma ótima repercussão
entre os fãs, que se intensificavam a cada apresentação.
O Bloco do Eu Sozinho não tocava nas
rádios, mas o boca a boca entre os fãs
e o site na internet catequizaram cada vez mais curiosos
pela nova face da banda, mais ambiciosa, tanto liricamente
quanto instrumentalmente.
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Camelo arriscando um 'duplo twist carpado'
no Rock in Rio |
A banda participou ainda do Luau
MTV e figuraram no evento Ford Models fazendo a trilha incidental,
intercalando músicas novas com improvisos. A
partir dali, toda aparição do Los Hermanos era
comentada entre os fãs de música, fossem admiradores
da banda ou não. Foi o fenômeno do boca a boca
que virou o jogo.
Cerca de dois anos de shows
e alguns clipes ("Sentimental" e "Fingi Na
Hora Rir") foram o bastante para firmar a posição
da banda como artistas autênticos em seu trabalho. Com
o final da turnê, o grupo iniciou as preparações
para um novo álbum para 2003. Buscando o mesmo retiro
de antes em outro sítio - desta vez em Petrópolis
- o Los Hermanos deu início à pré-produção
do sucessor de Bloco do Eu Sozinho. Um programa para
a MTV foi gravado, mostrando a rotina de ensaios da banda
no sítio, em clima de total descontração.
Voltando do sítio, a
banda sofre um baque: a tão controversa Abril Music
faliu. Mesmo sem ter uma nova gravadora definida, o grupo
resolveu dar seguimento à gravação do
disco. Um certo tempo depois, a BMG Ariola foi anunciada como
nova gravadora do Los Hermanos. Após três meses
o novo álbum (temporariamente intitulado como Bonança)
estava pronto e a ansiedade pelo novo trabalho do grupo era
tanta que uma demo contendo as novas faixas vazou na Internet
- coisa que aconteceu inicialmente com o álbum Elephant
do White Stripes e o Hail to Thief do Radiohead. Era a primeira
vez que acontecia algo do tipo com uma banda brasileira. A
banda não ficou muito contente com a notícia,
pois as gravações se tratavam de um ensaio sem
compromissos, com arranjos inacabados e instrumentos desafinados.
Mas de certa maneira, a repercussão destas gravações
ajudou a aumentar o interesse pelo novo disco da banda.
Finalmente lançado no
meio de 2003, Ventura superou as expectativas da
crítica e dos fãs. Diferente de Bloco do
Eu Sozinho, desta vez o Los Hermanos teve todo o espaço
merecido para divulgar suas novas composições
a todo tipo de público, agregando cada vez mais fãs
pelo país e fora dele - fizeram shows em Portugal e
Espanha em Setembro daquele ano. O boca a boca em torno da
banda se intensifcava e cada vez que o Los Hermanos retornava
a alguma cidade encontrava um público maior e mais
entusiasmado, cantando todas as músicas. Nas entrevistas,
a banda adotou uma postura inteligente onde se desvinculava
da segmentação. O Los Hermanos se declara uma
banda aberta a quem quiser escutar, fugindo da imagem "indie"
que se formava em torno deles, com todas as armadilhas que
um rótulo costuma propor. Essa postura serena se reflete
no som de Ventura, um caminho coerente traçado
a partir do álbum anterior. Mesmo soando mais reservado
e com menos peso, as músicas não perderam a
intensidade e o poder de emocionar o ouvinte.
O palco da turnê
'Ventura' |
Em
2004 a banda se dedicou aos shows, percorrendo vários
estados do país. Para o segundo semestre seria
lançado um DVD ao vivo marcando definitivamente
a turnê de Ventura na história
da banda, e já no fim do ano o foco foi a preparação
do quarto álbum, esperado com entusiasmo pelos
fãs. |
O DVD acabou sendo lançado
em 2005, após o carnaval. Ao Vivo no Cine Íris
reune canções dos três primeiros cds.
No segundo semestre, mantendo a distância regular de
dois anos a cada cd, é lançado o álbum
4. Um algarismo como título do álbum
traduz bem a proposta do cd: a simplicidade, do título
ao encarte e à sonoridade da banda. Um cd difícil
de ser digerido de início, não foi uninamidade
entre a crítica, mas entre os fãs fica a impressão
de que mais uma vez os Los Hermanos acertaram a mão,
derrubando barreiras entre suas influências e sua própria
identidade. O som é definitivamente mais intimista
e sossegado, mas sabendo ser roqueiro em alguns momentos.
Eles, mais uma vez, se isolaram num sítio e gravaram
grande parte do disco com o produtor/amigo/refêrencia
Kassin no seu próprio estúdio, o Monoaural.
O 4, diferente dos outros três álbuns,
teve como single ou música de trabalho (termo que eles
odeiam) uma música do Amarante e não de Camelo,
a música se chama "O Vento", que já
vinha sendo executada no fim da turnê do Ventura
pela banda. Na seqüência, "Horizonte Distante"
(Camelo) e "Condicional" (Amarante) também
foram trabalhadas. A nova turnê provou a boa receptividade
dos fãs ao novo álbum, com o público
cantando todas as letras nas capitais por onde passou desde
as primeiras semanas do lançamento do disco, mostrando
que o Los Hermanos permanece como uma banda diferenciada no
cenário atual brasileiro.
Alexandre
Lopes e Alexandre Luzardo
abr/2004
Atualizado em nov/2005: Pablo Oliveira Amorim e Alexandre
Luzardo
Fotos: site
oficial e
Projeto Casulo
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