Um nanico descendente de latinos extraindo sons improváveis
de uma guitarra. Um negro pilotando teclados alucinógenos
em sintonia com um baixista branquelo inusitado. Bateria
quebrada para conduzir espasmos intermináveis de
um vocalista em constante transe, dono de um penteado afro
tão inusitado quanto a receita sonora de sua banda.
Um som que aglutina, impensadamente, progressivismo, punk,
dub, psicodelia e latinidade. Shows de três, quatro
músicas recheadas de improvisos e longas jams. Essas
são evidências que ajudam a dissolver o mistério
por trás de um conjunto inexplicável, cujos
principais integrantes abriram mão do sucesso comercial
para investir numa música ao mesmo tempo elaborada
e intrigante.
Omar:
afro #1 |
O
ano de 2000 marcou uma retomada do interesse pelas
bandas de rock. De fato, houve um direcionamento
da indústria para comercializar uma vertente
de bandas ascendentes, dentre as quais se destacou
o quinteto texano At The Drive-In. Donos de um passado
hardcore, evoluíram sua receita de forma
a agregar efeitos sonoros de sintetizadores e toques
de outros gêneros, o que resultou em um dos
melhores discos do ano: "Relationship Of Command".
Gravado por Ross Robinson e lançado pela
multinacional Virgin, o que talvez tenha sido o
disco mais raivoso daquele ano acertou em cheio
o gosto do ouvinte de rock e alçou-os como
uma das grandes expectativas para a década
que começava. |
Entretanto, o anúncio
do fim do At The Drive-In em 2001, durante seu momento de
ascensão, deixou os fãs surpresos e anulou
todo o volume de expectativas construídas nos meses
antecessores. De Facto, um dos projetos paralelos que Omar
A. Rodriguez-Lopez e Cedric Bixler Zavala mantinham junto
com os desconhecidos Jeremy Ward e Ikey Owens podia parecer,
durante o período de auge do At The Drive-In, apenas
uma válvula de escape que lhes permitia a exploração
de música eletrônica e dub. Com o desmanche,
ficou claro que o projeto serviu como um dos alicerces dos
novos passos que trilhariam em seguida. Os meses seguintes
ao fim do quinteto revelaram aos ouvintes a empreitada de
três terços do At The Drive-In: uma nova banda,
Sparta, apresentou uma música derivada do trabalho
que a antecedia, embora bem menos aplicada nos aspectos
experimentais que marcaram os últimos passos do que
criavam anteriormente. As simples combinações
de acordes e o flerte com o hardcore, porém, caíram
no gosto da platéia rotulada emo (uma versão
de hardcore com temas melancólicos). Nesse meio tempo,
Omar, Cedric, Jeremy e Ikey escalaram Jon Theodore e Eva
Gardner para elaborar um novo projeto. O resultado dos ensaios
se materializou nos palcos em 2001 e, mesmo sem qualquer
acorde gravado, o conjunto já demonstrou as evidências
que desmantelaram a aclamada revelação de
2000.
Enquanto os ex-colegas optaram pela simplicidade
de um rock direto, derivado de alguns pontos do
At The Drive-In, o novo sexteto mostrou aos primeiros
expectadores um conjunto de faixas irrotuláveis,
mescladas com longas jams que passavam longe de
qualquer preocupação com a definição
que o mundo teria deles. Nascia o The Mars Volta.
O primeiro registro oficial deles surgiria em
2002, após uma turnê européia.
"Tremulant EP" foi gravado pelo cult
Alex Newport e lançado pelo selo que Omar
mantém com Sonny Kay, figura da cena pós-hardcore
americana, o GSL - Gold Standard Labs.
|
Cedric:
Afro #2 |
No EP de três faixas, a
confirmação do que todos ansiosamente aguardavam:
O The Mars Volta representava o lado experimental do At
The Drive-In mesclado à impenetrabilidade do De Facto.
De quebra, fortes tendências psicodélicas e
progressivas, cobertas de pitadas latinas - uma estranha
combinação de música tecnicamente elaborada
mas de longos e descompromissados momentos de transe sonoro.
O que pode parecer motivo para uma inacessibilidade nativa
à proposta é colocado abaixo, uma vez que
"Tremulant EP" construiu uma forte base de admiradores,
intrigados pelo forte apelo sonoro das faixas.
Os meses seguintes daquele ano apresentaram alguns fatos
relevantes à trajetória da banda. Eva deu
lugar à Ralph Jasso, Ikey foi temporariamente substituído
por Linda Good. Além disso, a banda assinou com a
multinacional Universal, responsabilizando-a por lançar
seu aguardado debut. Além de finalizar projetos não
ligados ao The Mars Volta, os membros da banda apresentaram
alguns shows e trabalharam na composição das
faixas que dariam vida a seu primeiro álbum.
Tim Festival 2004:
consagrados |
Eles
foram se enfurnar no estúdio no final de
2002, sob produção do estimado Rick
Rubin e já com Ikey de volta aos teclados.
Agregando a banda nas gravações, Flea,
baixista dos Red Hot Chili Peppers participava efetivamente
das faixas, enquanto John Frusciante tocava guitarras
e manipulava sintetizadores em "Cicatriz ESP". |
Após o fim das gravações,
o The Mars Volta abriria shows para o Red Hot Chili Peppers,
em turnês européias e americanas, com baixistas
convidados (Jason Lader e Juan Alderete). Mas antes mesmo
do esperado álbum ser lançado, um problema:
Jeremy Ward foi encontrado morto, vítima de uma overdose,
o que implicou num período de recesso por parte dos
integrantes.
Apesar da inesperada tragédia, a banda seguiu em
frente e focalizou as atenções no lançamento
do primeiro disco. O resultado que podia teoricamente implicar
em um som mais palatável, fruto de uma possível
influência mercadológica do produtor, convidados
e da gravadora, surpreendeu a todos. "De-Loused In
The Comatorium" foi lançado em junho pela GSL/Universal
e marcou um mergulho ainda maior nos pontos antes explorados
pela banda. Conceitual, as idéias circundavam a história
de um amigo de Cedric, o artista plástico Julio Venegas.
Julio teria vivido uma vida de excessos, que culminou num
suicídio em 1996. A idéia de Cedric, autor
das letras, foi transformar "De-Loused In The Comatorium"
na história de um protagonista que tenta o suicídio
e embarca em uma inesperada e alucinante experiência
de coma. De mãos dadas com a proposta conceitual,
a banda embala a viagem de Venegas, conduzindo o ouvinte
por longos trechos instrumentais que tentam traduzir em
música as alucinações testemunhadas
pelo protagonista. O álbum foi incrivelmente bem
recebido por público e crítica, concedendo
ao The Mars Volta um prematuro status de banda cult, quebrando
preconceitos oriundos de elementos massivamente utilizados
em seu som, como a contestada música progressiva.
A fiel gravadora GSL ainda editou um livro sobre "De-Loused
In The Comatorium" onde Cedric e Jeremy davam maiores
detalhes sobre a história por trás do disco.
O livro esgotou e a gravadora disponibilizou sua versão
digital para download gratuito no seu site oficial.

De-Facto: embrião
do The Mars Volta
Daí adiante, a banda gozou
de uma privilegiada reputação no cenário
atual, sem sucumbir às tentações do
estrelismo musical. Solidificou uma fiel e considerável
legião de admiradores, percorrendo o planeta em turnês.
No palco, a versão ao vivo do disco não poupava
ofertas a quem havia apreciado o seu caráter viajante.
Longas jams, prioridade à música instrumental
e um setlist econômico em número de músicas,
porém longo em duração, confirmavam
o interesse da banda em explorar sons, independente de existir
uma audiência sedenta por hits diretos em sua frente.
E ainda dentro da GSL, Omar lançou seu primeiro álbum
solo em 2004, chamado "A Manual Dexterity Soundtrack
Vol 1". Baseado em um trabalho de cinema que seu autor
conduz, o álbum compila uma série de faixas
gravadas no decorrer dos anos, contando com convidados como
Cedric e John Frusciante. O conteúdo é ainda
mais improvável do que seu trabalho no The Mars Volta.
Faixas instrumentais percorrem inúmeros territórios,
num turbilhão de idéias que colidem a todo
o momento. Além disso, iniciou uma tímida,
porém fiel parceria com Frusciante, participando
de alguns dos discos do chili peppers e de shows experimentais.

"Solamente a ti te odio
Yo ya me voy"
A banda esteve na América
do Sul em novembro, apresentando-se no Chile, Argentina
e Brasil (no evento Tim Festival, São Paulo). A recepção
em solo brasileiro não foi diferente da de outras
audiências, sendo o grupo enaltecido como a melhor
banda do festival, derrubando quem apostou no headliner
do evento, os ingleses do Libertines. Uma prova de que ousadia
e talento são ingredientes infalíveis, mesmo
em tempos onde a experimentação geralmente
sucumbe à necessidade de resultados imediatos. O
The Mars Volta entra em 2005 com um novo álbum sob
os braços. "Frances The Mute" chegou às
prateleiras em março, pressionando ainda mais a tolerância
dos ouvintes, uma vez que conta com conceitos verdadeiramente
progressivos, como sua divisão em suites, cada uma
dela contendo diferentes subtemas. Definitivamente, mais
uma razão para que sejam associados ao infame rol
de bandas que se ama ou odeia. E, mesmo adepto de métodos
improváveis em tempos de carreiras imediatas, o The
Mars Volta parece cada vez mais se consolidar entre as bandas
de respeito da década atual. Vicente Moschetti
fevereiro/2005
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