O My Bloody
Valentine é mais um nome naquele seleto grupo de bandas cujo
impacto maior se dá na influência na sonoridade de outras
bandas do que propriamente de repercussão junto ao público.
Uma das mais cultuadas bandas britânicas do final dos anos
oitenta e começo dos noventa, o My Bloody Valentine gerou
até um subgênero no rock (o que até não é grande coisa, já
que as revistas inglesas inventam um rótulo por semana), o
shoegazing. Bandas como Ride, Lush, Boo Radleys e Chapterhouse
surgiram a partir das idéias e da identidade do My Bloody
Valentine. Mas a influência foi muito maior, refletindo até
em bandas como o Smashing Pumpkins (só para citar um nome
consagrado). Gish, o primeiro álbum dos Pumpkins deve muito
ao MBV.
Explicando, o termo shoegazing surgiu da postura de palco
dos shoegazers, que durante os shows ficavam em seu mundo
particular, pouco se importando com a performance de um show
ou mesmo qualquer contato com o público. A performance tímida
chegava a ponto dos músicos ficarem o tempo todo olhando para
baixo sem encarar o público (ou "olhando para os sapatos"
e daí shoegazer! Brilhantes os jornalistas ingleses não?).
Se limitando a sonoridade, o My Bloody Valentine (e numerosas
bandas que se seguiram) era marcada pela distorção, guitarras
barulhentas e poderosas onde a instrumentação harmônica torna
difícil distinguir cada instrumento, formando um caos sonoro
temperado por vocais etéreos e contidos criando um contraste
entre o melodias delicadas e o vigor e peso das distorções
e efeitos.
Essa mistura tão única rendeu dois álbuns sublimes (Isn't
Anything e Loveless) e alguns EP's, antes da banda sumir do
mapa, sem efetivamente ter anunciado seu final até hoje.
A história do My Bloody Valentine começa em 1984 em Dublin
na Irlanda, quando Kevin Shiels (guitarra) e Colm O'Ciosoig
(bateria) formam uma banda com o vocalista Dave Conway e a
tecladista Tina. O nome My Bloody Valentine foi idéia
de Dave Conway, tirado de um filme de terror B. Com a formação
defida, a banda parte para Berlin onde tenta a sorte com o
EP This Is Your Bloody Valentine.
De início
o som da banda tinha muito pouco das características que tornaram
o My Bloody Valentine tão cultuado e admirado. Nos primeiros
anos de sua carreria, o MBV fazia um rock gótico, muito próximo
das bandas Sister of Mercy e The Mission.
O primeiro EP teve pouca repercussão e em 1986 a banda abandona
Berlin e se restabelece em Londres, e partir daí, a baixista
Debbie Googe passa a fazer parte da banda. Naquele ano é lançado
mais um EP, Geek! (gravadora Fever), que também teve baixa
divulgação e repercussão. No fim de 86 a banda assina com
a Kaleidoscope Sound e lança o seu terceiro EP, The New Record
By My Bloody Valentine, que começa a mostrar alguma mudança
no som, com algumas evidentes influências de Jesus And Mary
Chain.
No ano seguinte, mais EP's, e foram três somente em 1987.
Sunny Sundae Smile foi o primeiro disco a banda a mostrar
a mistura de melodias delicadas com forte distorção nas guitarras.
Em Strawberry Wine e Ecstasy a banda estava definitivamente
formando a sua identidade, e com esses dois lançamentos, o
My Bloody Valentine começou a ganhar o reconhecimento da crítica
pelo seu trabalho.
A banda ao vivo: Shoegazers?
No fim
de 1987, ocorre uma mudança que define o rumo da carreira
da banda, o vocalista Dave Conway deixa o grupo. Ele foi substituido
por Bilinda Butcher, que também é guitarrista, mas cujo vocal
etéreo se mostraram perfeitos para os rumos que a banda estava
seguindo.
O potencial do novo som do My Bloody Valentine foi revelado
em seu primeiro álbum, Isn't Anything, de 1988 já pela Creation
Records. O disco foi amplamente festejado pela imprensa britânica,
e conquistou uma legião fiel de fãs do grupo. O impacto foi
tão grande que chamou a atenção das grandes gravadoras norte-americanas,
assegurando para o MBV um contrato de distribuição nos EUA
com a Sire/Warner. Mais dois EP's foram lançados, Feed Me
With Your Kiss e You Made Me Realise, que ampliaram ainda
mais o culto ao My Bloody Valentine. Em 1989 a banda entra
em estúdio para gravar seu segundo álbum e é nessa época que
começam a surgir bandas fortemente influenciadas pelo My Bloody
Valentine. Naquele ano, mais um EP, Glider, foi lançado, para
alegria dos entusiastas da banda. No embalo do sucesso da
banda, a gravadora Lazy lança uma compilação chamada Ecstacy
and Wine, reunindo um LP as músicas dos EP's Strawberry Wine
e Ecstacy.
Durante 1990 o novo álbum do MBV era um dos mais aguardados
pela imprensa e público britânico, mas o lançamento foi constantemente
adiado, só ocorrendo em 1991. O atraso se deu por conta do
perfeccionismo de Kevin Shields, o líder da banda. Horas e
horas em estúdio gravando e regravando trechos de guitarra,
testando distorções e efeitos e samples diferentes. Em 1991,
a imprensa alardeava que "Loveless", o novo álbum, já havia
consumido mais de $500.000,00 em horas de estúdio. De longe,
o disco mais caro da história da Creation Records (foi dito
muitas vezes o MBV quase levou a Creation a falência).
Mesmo durante o período mais tenso das gravações que nunca
terminavam, o público se mantinha fiel e entusiamado. No fim
de 1990, o EP Tremolo foi lançado e entrou no Top 40 dos mais
vendidos da Inglaterra.
Finalmente,
no final de 1991, Loveless foi lançado e justificou a
expectativa de público e crítica. Um álbum clássico que leva
muito mais longe tudo o que o My Bloody Valentine já tinha
feito, e desqualifica imitadores. Retirando as fronteiras
entre a distorção e a delicadeza, o pop e o abstrato, Loveless
tem um som muito denso que ao mesmo tempo soa caótico e calculado,
podendo causar estranheza a quem escuta pela primeira vez,
mas que aos poucos se revela um trabalho brilhante e único.
Loveless recebeu aprovação unâmine da crítica, e atingiu a
posição 24 na parada de álbuns da Inglaterra. Nos Estados
Unidos o trabalho também repercutiu bem, principalmente depois
dos shows como abertura da turnê do Dinosaur Jr. De
volta a Inglaterra, o MBV participou da turnê Rollercoaster
(uma espécie de resposta ao Lollapalooza americano) junto
com bandas consagradas e emergentes e roubou a cena.
No entanto,
Loveless nem de longe recuperou o investimento especulado
em $500.000,00 de sua gravadora e a Creation rompeu seu contrato
com a banda. Em seguida, o My Blody Valentine assina com a
Island Records e no final de 1992 entra em estúdio para gravar
um novo disco.
As seções
de gravação são problemáticas, e o material é descartado pela
banda. Com o adiantamento da Island recebido pela banda, Kevin
Shields monta um estúdio em sua casa, para poder dedicar tempo
integral as gravações do MBV. Inúmeros boatos surgem na imprensa
inglesa sobre a evolução dos trabalhos. Segundo alguns rumores,
a banda chegou a concluir dois álbuns, mas ambos foram descartados.
Pouco a pouco, os fãs foram perdendo as esperanças de algum
dia ouvir um novo disco do My Bloody Valentine a medida que
os anos iam passando, mesmo que a gravadora desmentisse o
fim da banda o tempo todo e afirmasse que o novo álbum estava
sendo gravado. Segundo especulações, uma nova tentativa foi
feita e todas as faixas foram gravadas, aguardando apenas
Kevin terminar as suas partes de guitarra (que na verdade
foi o motivo da demora de Loveless), o que até hoje não aconteceu.
Entre 1993 e 1997, Googe e O'Ciosoig deixam a banda.
Especulações davam conta que Debbie Googe esteve trabalhando
como motorista de taxi, enquanto espera pelo lançamento do
disco e uma nova turnê. Mais tarde, os ex-integrantes se envolveram
em novos projetos musicais, Debbie Googe tocando na banda
Snowpony e Colm O'Ciosoig numa banda chamada Clear Spot.
Nessa época o My Bloody Valentine consistia em Kevin Shields
e Bilinda Butcher (que viveram juntos por muitos anos), e
se dizia que o novo disco "seria lançado antes do novo milênio
(...) provavelmente por volta de 1999". Só que 1999 veio e
se foi e nada de um novo disco. Mais recentemente foi divulgado
que Bilinda Butcher já não estaria mais envolvida com a banda
(e nem com Kevin Shields), hoje estaria se dedicando a dança
flamenca.
De fato, os únicos registros da banda a serem lançados desde
Loveless foram contribuições em coletâneas, mais notadamente
um cover do tema de James Bond para um álbum beneficente,
um cover da banda Wire no álbum tributo intitulado Whore,
lançado em 1996, e na coletânea Offbeat da organização Red
Hot, também em 1996.

E que
diabos Kevin Shields esteve fazendo esse tempo todo? Durante
a eterna espera pelo novo disco, Kevin Shields colaborou em
alguns projetos e bandas, como o Experimental Audio Research
e no álbum Hand It Over do Dinosaur Jr (como guitarrista),
e em bandas como Mogwai e Primal Scream (mixagens). Participou
também da gravação de trilhas sonoras,
com detalhe para a do filme "Lost in Translation"
(2003), de Sofia Copolla.
Alexandre Luzardo |